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Perfil epidemiológico dos pacientes com hanseníase no extremo sul de Santa Catarina, no período de 2001 a 2007

Suelen MelãoI; Luis Felipe De Oliveira BlancoII; Nage MounzerII; Carlos Cassiano Denipotti VeroneziI; Priscyla Waleska Targino de Azevedo SimõesII

IFaculdade de Medicina, Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC IIDepartamento de Saúde, Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC

DOI: 10.1590/S0037-86822011000100018


RESUMO

INTRODUÇÃO: A hanseníase é uma das doenças mais antigas da humanidade e persiste como problema de saúde pública. O Brasil ocupa o primeiro lugar na incidência e o segundo na prevalência mundial, e nas Américas representa 93% dos casos, conforme dados da Organização Mundial de Saúde de 2008. O objetivo deste estudo é conhecer o perfil dos pacientes com hanseníase nos municípios da Associação dos Municípios da Região Carbonífera (AMREC), no período de 01/01/2001 a 31/12/2007.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo transversal e retrospectivo realizado na região da AMREC em Santa Catarina, Brasil. A amostra foi do tipo censitária, em que todos os pacientes notificados foram analisados.
RESULTADOS: A população foi de 54 pacientes: 57,4% do sexo feminino e 42,6% do sexo masculino. A faixa etária prevalente foi de 30 a 39 anos (31,5%), a raça branca representou 79,6%. A ocupação foi ignorada em 51 casos, e a baciloscopia em 98%. As formas tuberculóide e virchoviana apresentaram frequência de 27,8% cada e na classificação operacional 50% eram multibacilares. O coeficiente de detecção das cidades variou de baixo a muito alto.
CONCLUSÕES: Na análise não há predomínio de multi ou paucibacilares, nem de uma forma clinica específica, contudo sabemos que o diagnóstico está ocorrendo tardiamente pela menor porcentagem de casos indeterminados e com predomínio do sexo feminino. Soma-se a isso o fato de haver escassez dos dados nas fichas de notificação, o que impossibilita-nos de mostrar a realidade da população estudada.

Palavras-chaves: Hanseníase. Perfil de saúde. Fatores epidemiológicos.


ABSTRACT

INTRODUCTION: Leprosy is one of the oldest diseases of humanity and persists as a serious public health problem. Brazil has the highest incidence and second highest prevalence. In the Americas, it accounts for 93% of the cases, according to World Health Organization data from 2008. The objective of this study was to ascertain the profile of leprosy patients in the municipalities of the Association of Municipalities of the Carboniferous Region (AMREC), over the period from January 1, 2001, to December 31, 2007.
METHODS: This was a retrospective cross-sectional study carried out in the AMREC region in Santa Catarina, Brazil. The sample was of census type, in which all the patients notified were analyzed.
RESULTS: 54 patients were analyzed, among whom 57% were female and 42.6% were male. The most prevalent age group was from 30 to 39 years old (31.5%) and 79.6% had white skin color. The occupation was unknown in 51 cases, as was bacilloscopy in 98%. The tuberculoid and Virchowian forms each presented a frequency of 27.8%. The coefficient of detection observed in the municipalities ranged from low to very high.
CONCLUSIONS: Neither multibacillary nor paucibacillary forms predominated in the analysis, nor any specific clinical form. Nevertheless, it is known that cases are being diagnosed late because of the low percentage of indeterminate cases, with predominance among females. Added to this, the information on the notification forms is sparse, which makes it impossible to show the realities of the study population.

Key-words: Leprosy. Health profile. Epidemiological factors.


 

 

INTRODUÇÃO

A hanseníase é uma doença infecto-contagiosa de caráter crônico causada pelo Mycobacterium leprae que possui predileção para a pele e nervos periféricos. Apresenta-se como uma das doenças mais antigas da humanidade e apesar de, desde 1986, disponibilizarmos da cura por meio da poliquimioterapia, ainda constitui importante problema de saúde pública no Brasil1,2. Assim, a hanseníase pode perpetuar impactos negativos na vida cotidiana de seus portadores, uma vez que com a doença advêm deficiências residuais após o tratamento tardio, que culminam em incapacidade física e preconceito psicossocial. O Brasil representa o primeiro lugar na incidência e o segundo lugar na prevalência mundial, perdendo somente para Índia, e no âmbito das Américas é responsável por mais de 90% do número de casos registrados3.

A transmissão da hanseníase é inter-humana e ocorre predominantemente através do trato respiratório superior de pacientes multibacilares. Os fatores genéticos, ambientais, o estado nutricional, a vacinação contra o Bacillus Calmette Guérin (BCG) e a imunidade estão envolvidos na susceptibilidade em adquirir a doença4-7.

O Ministério da Saúde define como caso de hanseníase para tratamento, quando um ou mais dos seguintes critérios estão presentes: lesão da pele com alteração da sensibilidade, espessamento de tronco nervoso ou baciloscopia positiva na pele7-9. O tratamento baseia-se na quimioterapia específica, supressão de surtos reacionais, prevenção de incapacidades físicas junto a reabilitação física e psicossocial.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza como meta de eliminação da hanseníase como menos de um caso para cada dez mil habitantes e o Brasil apresentou coeficiente de 2,10 casos por 10.000 habitantes em 2007. As regiões norte, nordeste e centro-oeste persistem como áreas endêmicas. Na região sul, conforme a OMS, especificamente o Estado de Santa Catarina, atingiu a meta de eliminação. Porém, não sabemos a real incidência de cada município, além dos casos ainda não diagnosticados10,11.

O objetivo deste estudo é fazer uma análise epidemiológica dos portadores de hanseníase atendidos no programa de hanseníase das onze cidades integrantes da Associação dos Municípios da Região Carbonífera (AMREC): Criciúma (sede), Içara, Lauro Muller, Morro da Fumaça, Nova Veneza, Siderópolis, Urussanga, Forquilhinha, Cocal do Sul, Treviso e Orleans, durante o período de 1º de janeiro de 2001 a 31 de dezembro de 2007.

 

MÉTODOS

Este estudo caracteriza-se por ser transversal e retrospectivo. A pesquisa foi realizada na AMREC que é constituída de onze cidades pertencentes ao sul do Estado de Santa Catarina. A amostra utilizada é do tipo censitário, o critério de inclusão correspondeu aos hansenianos diagnosticados, residentes nos municípios da AMREC e notificados no SINAN. Já os critérios de exclusão compreenderam pacientes que apresentassem a patologia e que não fossem atendidos no programa de hanseníase das cidades da área estudada, e também que não tivessem notificação no SINAN no período, além de pacientes de outras localidades que não residissem nos municípios correspondentes a AMREC. As variáveis analisadas foram: o município de notificação, o município de residência, a data da notificação, o sexo, a faixa etária, a forma clínica, a raça, a zona, o número de lesões cutâneas, a baciloscopia, a classificação operacional, o modo de entrada, o modo de detecção de caso novo, a ocupação e a avaliação do grau de incapacidade física ao diagnóstico. A coleta de dados foi realizada a partir das fichas de notificação do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional de Criciúma. Para as análises estatísticas, comparou-se as proporções obtidas nos resultados epidemiológicos com a proporção da população dos municípios analisados, conforme dados disponíveis no IBGE. Para tanto, utilizou-se distribuição binomial com nível de significância alfa igual a 0,05, e calculado o teste t com auxílio do software Microsoft Excel versão 2007 e Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 14.0 na análise dos dados. O coeficiente de detecção foi calculado pela divisão do número de casos novos residentes diagnosticados no local e no ano dividido pela população residente no local e ano, multiplicados por 10.000 habitantes. Os parâmetros de endemicidade para o coeficiente de detecção da hanseníase recomendados pelo Ministério da Saúde1 utilizados nesta pesquisa foram os graus:< 0,20 (baixo), 0,20|-1 (médio), 1|-2 (alto), 2|-4 (muito alto) e > 4 (hiperendêmico).

Considerações éticas

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do Extremo Sul Catarinense e também foi obtido o consentimento do gerente da Secretaria de Saúde do Estado de Desenvolvimento Regional de Criciúma para acesso aos dados.

 

RESULTADOS

O diagnóstico de hanseníase na região da AMREC, no período de 1º de janeiro de 2001 a 31 de dezembro de 2007, foi de 54 pacientes. O sexo feminino foi identificado em 31 (57,4%) casos e o masculino em 23 (42,6%). A faixa etária variou de 12 a 83 anos, com média de 43,3 anos (± 17,1). O maior acometimento da doença em relação às faixas etárias é verificado na Figura 1. A raça branca, com 43 (79,6%) casos, foi a mais prevalente, enquanto as raças negra e parda obtiveram dois (3,7%) casos cada, além de sete (13%) casos ignorados ou não-avaliados. Quanto à zona de residência, 44 (81,5%) pacientes pertencem à zona urbana e 11,1% à zona rural, um caso ocorreu na região peri-urbana e foram ignoradas esta informação em três (5,6%) casos.

Em relação ao município de notificação, 30 (55,6%) casos foram notificados em Criciúma, oito (14,8%) em Içara, quatro (7,4%) em Nova Veneza, três em Forquilhinha e em Urussanga (5,6% cada), dois casos em Morro da Fumaça e em Cocal do Sul (3,7% cada), um caso em Lauro Muller e um caso em Siderópolis (1,9 % cada). Os municípios de residência com maior frequência encontram-se: Criciúma com 17 (31,5%) casos, Içara com 12 (22,2%), Nova Veneza cinco (9,3%). Urussanga, Forquilhinha e Morro da Fumaça apresentam quatro (7,4%) residentes cada. Lauro Muller segue com três (5,6%), Cocal do sul e Orleans com dois casos (3,7% cada) e Siderópolis um (1,9%) residente. Foram notificados no próprio município de residência todos os casos diagnosticados em Siderópolis e Cocal do Sul. Já em Criciúma, foram 17 casos; oito em Içara, quatro em Nova Veneza; três em Forquilhinha e um caso em Lauro Muller.

O modo de entrada mais frequente foi de casos novos com 81,5%. A forma de recidiva foi responsável por cinco (9,3%) casos, sendo que quatro (7,4%) ocorrerem por transferência de outro estado, e um foi de transferência de outro município. Na comparação dos casos novos e o número de lesões, verificou-se que 43,2% não havia lesão, 22,7% havia lesão única e 25% havia mais de cinco lesões dos casos diagnosticados.

No que se refere ao modo de detecção de caso novo, a forma de encaminhamento representou 61,1% (33) dos casos, 13% deveram-se a demanda espontânea, dois casos por exame de contatos e em 22,2% o dado foi ignorado. A ocupação foi ignorada em 51 casos, representando 94,4% destes indivíduos. A distribuição das formas clínicas foi semelhante entre as formas tuberculóide e virchowiana (27,8% cada). A forma clínica de maior prevalência no sexo masculino foi a virchowiana com nove (39,1%) casos, p = 0,603, sendo que no sexo feminino verificou-se maior frequência igualmente entre as formas indeterminada e dimorfa, representando 28,5% cada. No que se refere à avaliação da classificação operacional, o número de casos multibacilares foi próximo aos de paucibacilares, conforme descrito na Tabela 1. Quando se compara a forma clínica entre os paucibacilares, 42,3% correspondem à forma indeterminada e 50% à forma tuberculóide, do total de paucibacilares. Entre os multibacilares, 55,6% representam a variante virchowiana e 29,6% a variante dimorfa.

 

 

Quanto ao número de lesões, nos paucibacilares, 11 (42,3%) casos apresentaram lesão única, 10 (38,5%) não havia lesão e 15,4% com mais de cinco lesões, sendo que entre os paucibacilares 65,4% era grau zero de incapacidade. Nos multibacilares, 14 (51,9%) casos não foram encontradas lesões ao diagnóstico e em nove (33,3%) casos obtiveram mais de cinco lesões. Destes, 40,7% apresentam grau I, 33,3% grau zero e 26% grau II ao diagnóstico. Na avaliação da distribuição das lesões, estas variaram de 0-20 e suas frequências são verificadas na Figura 2. Considerando o grau de incapacidade física, este foi avaliado em 92,6% dos pacientes e destes, 3,7% não foram avaliados e 3,7% foram ignorados. Assim, o grau zero foi o mais prevalente ao diagnóstico, verificado em 27 (50%) pacientes, o grau I se apresentou em 15 (27,8%) indivíduos, o grau II em oito (14,8%) casos. Quanto à baciloscopia constatou-se que em 53 (98,1%) casos o dado foi ignorado, sendo positiva em somente um caso.

O coeficiente de detecção (CD) anual da hanseníase no período estudado foi na maioria das vezes classificado como baixo. Contudo, quando se analisam as médias dos municípios da AMREC verifica-se coeficiente médio, segundo os parâmetros de endemicidade recomendados pelo Ministério da Saúde1. O maior CD foi verificado na Cidade de Nova Veneza (CD: 2,47 casos/10.000 habitantes) no ano de 2004. Apresentaram altos índices de detecção as Cidades de: Orleans (2001), Cocal do Sul (2006), Morro da Fumaça (2006) e Urussanga (2007), sem que houvesse campanhas específicas que justificassem esses coeficientes, conforme descrito na Tabela 2. A frequência dos anos de diagnóstico são visualizados na Figura 3.

 

 

DISCUSSÃO

Nosso estudo observou que o gênero feminino foi o mais (57,4%) prevalente com p < 0,0001 corroborando com os outros estudos12-14. Já o gênero masculino foi predominante em âmbito nacional2,8 e internacional, a destacar Índia e Indonésia2. Neste contexto, pode- se inferir que os homens têm maior contato social entre homens, menor preocupação com o corpo e com a estética quando comparado as mulheres, além de programas de saúde específicos voltados para a saúde feminina. Desta forma, as mulheres teriam mais oportunidade de diagnóstico do que os homens.

Quanto à faixa etária, houve predomínio da população economicamente ativa (p < 0,0001), dados estes condizentes com a literatura8,12.

A raça branca foi evidenciada em 79,6% dos casos, e a zona de residência urbana em 81,5%. Estas informações se associam a composição étnica e de predomínio urbano da região estudada semelhante ao trabalho de Sobrinho feito no Estado do Paraná15 e Mello cols em Tubarão, Santa Catarina16.

Em relação ao modo de entrada, 81,5% representam casos novos e 9,3% se deve a forma de recidiva. Sobrinho15, Freitas17 e Mello cols16 obtiveram dados semelhantes quanto aos casos novos, diferindo nos dados de recidiva, em que os dois primeiros apresentam índices menores e o último obteve 22,8% de recidivas. Deve-se levar em conta a dificuldade na diferenciação entre recidiva e reação hansênica, podendo-se desta forma obter vieses.

Considerando o modo de detecção de caso novo, o estudo evidenciou 61,1% dos casos sob a forma de encaminhamento, 13% sob a forma de demanda espontânea e dois casos através de exame de contatos (3,7%), sendo que o mesmo foi ignorado em 22,2% dos casos. Conforme Mello cols16, no ano de 2006, em Tubarão (SC), 40,9% devem-se a forma de encaminhamento e 50% à demanda espontânea, significando que há informação da população quanto aos sinais e sintomas da doença. Os altos índices da forma de encaminhamento também observados em outros estudos13-15 podem sugerir que os profissionais das unidades de saúde estão mais atentos ao diagnóstico de hanseníase. Nossa pesquisa mostrou apenas dois casos novos ao exame de contatos, sendo assim, poderíamos inferir que está ocorrendo menos transmissão da doença nesta população, ou que o exame de contatos está sendo negligenciado por parte do sistema de saúde. Contudo, as hipóteses ficam prejudicadas uma vez que houve 22,2% dos casos novos que não foram avaliados ou ignorados.

As formas clínicas tuberculóide e virchowiana que apresentaram a mesma frequência, resultado semelhante foi verificado por Lima18 em 2008, no Distrito Federal, onde 28% apresentaram a forma tuberculóide e 25,2% da forma virchowiana. Em outros estudos, há divergência dos resultados, pois predominam as formas tardias da doença: dimorfa ou virchowiana12,13,15,16,18-25.

Quando se compara a forma clínica e gênero, nosso estudo apresenta mesma frequência entre as formas dimorfa e indeterminda no sexo feminino, fato também detectado por Lima cols22 e Longo25. No sexo masculino, houve prevalência da forma virchowiana em 39,1% dos casos, dado verificado na pesquisa de Lima cols22. Já Longo25 constatou a forma dimorfa como mais comum. Devido ao fato de três casos não terem sido classificados e um caso ignorado, não podemos afirmar a forma clínica predominante na região da AMREC, porém sabemos que o diagnóstico está ocorrendo tardiamente já que a forma indeterminada apresentou menor frequência.

Quando se avaliou a classificação operacional em cada cidade, pode-se observar predomínio multibacilar em Orleans, Lauro Muller, Içara e Cocal do Sul. Por outro lado, em Criciúma, Forquilhinha e Siderópolis há mais casos paucibacilares. Logo, nosso estudo não pode afirmar predomínio multibacilar na AMREC uma vez em que há um caso ignorado em Nova Veneza. Nos países com as maiores incidências mundiais – Índia, Brasil e Indonésia, há predomínio da forma multibacilar com 64,5%, 53,5% e 79,5%, respectivamente2. Outras pesquisas também mostram resultados semelhantes14-16,22,24,26,27. A medida que se obtém mais casos multibacilares podemos pensar em uma estabilização da endemia quando os indivíduos mais susceptíveis são afetados, poupando os imunologicamente competentes, ou que o diagnóstico está ocorrendo tardiamente por meio de uma população pouco informada sobre a doença, um sistema de atendimento primário e epidemiológico ineficiente que perpetua o foco de transmissão.

A comparação entre sexo e classificação operacional mostrou-nos predomínio multibacilar no sexo masculino (p = 0,67) e paucibacilar no feminino (p = 0,79), aspectos também visualizados em Longo25, conforme descrito na Tabela 1. Entre os paucibacilares, 80,8% dos casos não havia lesões ou havia somente uma ao diagnóstico, e em 15,4% foram verificadas mais de cinco lesões ao diagnóstico, porcentagem bem superior que encontrado por Campos cols (4,3%)12. Contudo, entre os multibacilares, nosso estudo mostrou 51,9% dos casos sem lesões ao diagnóstico, fato preocupante uma vez que o paciente pode demorar a procurar o sistema de saúde e permanecer como foco transmissor da doença. Porém, estes dados são extremamente questionáveis já que as lesões cutâneas são as principais manifestações da patologia e o grande motivo de procura pelo atendimento médico. Com relação ao grau de incapacidade física ao diagnóstico, dos 92,6% avaliados, 50% apresentam grau zero; 27,8% grau I e 14,8% grau II. Alguns estudos cursaram predomínio grau zero16,17,22,25. O acometimento grau II em nossa pesquisa mostrou-se maior que o parâmetro nacional que é de 8,3%2.

Ao analisarmos a ocupação dos portadores de hanseníase da AMREC, constatou-se que em 94,4% este item foi ignorado. A falta desta informação dificulta a possível pesquisa de contatos, impede o cuidado adequado na prevenção de sequelas físicas e psicológicas dentro de determinada atividade laboral em que o hanseniano é exposto.

Nesse sentido, ao avaliarmos a baciloscopia constatamos que em 98,1% dos casos o dado apresentou-se ignorado. Conforme definição do Ministério da Saúde a baciloscopia faz parte de um dos três critérios utilizados para o tratamento da hanseníase1. Assim, questionamos se os médicos não estão usando este recurso no diagnóstico ou se as pessoas que preenchem as fichas de notificação estão deixando este campo vazio.

O coeficiente de detecção de Santa Catarina corresponde ao segundo menor do Brasil, atrás do Rio Grande do Sul28. A frequência dos anos de diagnóstico são visualizados na Figura 2. Na análise das cidades componentes da AMREC verificamos que os parâmetros de endemicidade variaram de baixo a muito alto. Cursaram com altos índices as cidades de: Urussanga (2007), Cocal do Sul (2006), Morro da Fumaça (2006) e Orleans (2001), e área de endemicidade muito alta Nova Veneza no ano de 2004, conforme descrito na Tabela 2.

Quando se analisa uma determinada região, é possível obter sua real incidência e o perfil epidemiológico dos pacientes, para que assim os órgãos de saúde possam programar ações educativas na sociedade a fim de diagnosticar precocemente a doença e impedir sua transmissão.

O perfil epidemiológico dos pacientes com hanseníase que compõe a AMREC entre os anos de 2001 a 2007 mostrou que a maioria pertence ao gênero feminino. A faixa etária de 30 a 39 anos foi prevalente junto à raça branca e de predomínio urbano. O modo de entrada mais frequente constituiu-se casos novos através da forma de encaminhamento. As formas clínicas, tuberculóide e virchowiana apresentam a mesma frequência, e a classificação operacional entre multibacilares e paucibacilares foram de 50% e 48,1%, respectivamente. O sexo feminino apresentou-se com maior frequência paucibacilar e o masculino multibacilar. No momento do diagnóstico, 44,4% dos pacientes não apresentavam lesões cutâneas e o grau zero de incapacidade foi verificado em 50% dos casos.

A média dos coeficientes de detecção dos anos estudados mostrou parâmetro de endemicidade médio. Os itens de ocupação e baciloscopia apresentaram-se predominantemente ignorados e não permitiram obter a real necessidade da comunidade local para diminuir o número de casos, tratar os contactantes, realizar um tratamento adequado e prevenir sequelas a fim de minimizar a transmissão da doença.

A análise permite-nos concluir que são essenciais os esforços do estado e da AMREC a fim de intervir junto aos gestores de saúde na priorização desta doença que provavelmente está sendo subdiagnosticada e que perpetua seus impactos negativos na sociedade.

 

CONFLITO DE INTERESSE

Os autores declaram não haver nenhum tipo de conflito de interesse no desenvolvimento do estudo.

 

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 Endereço para correspondência:
Dra. Suelen Melão
FM/UNESC
Av. América 5110/62, Centro
87200-000 Cianorte, PR
Tel: 55 48 9972-6682
e-mail: suelen.melao@gmail.com

Recebido para publicação em 19/05/2010
Aceito em 16/09/2010