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Reações adversas em pacientes com doença de Chagas tratados com benzonidazol, no Estado do Ceará

Vânia Maria Oliveira de PontesI; Alcidésio Sales de Souza JúniorI; Francisco Marcondes Tavares da CruzII; Helena Lutéscia Luna CoelhoIII; Aparecida Tiemi Nagao DiasIV; Ivo Castelo Branco CoêlhoV; Maria de Fátima OliveiraIV

IUniversidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE IIHospital Universitário Walter Cantídio, Fortaleza, CE IIIDepartamento de Farmácia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE IVDepartamento de Análises Clínicas e Toxicológicas, Universidade Federal do Ceará Fortaleza, CE VDepartamento de Patologia e Medicina Legal, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE

DOI: 10.1590/S0037-86822010000200015

RESUMO

INTRODUÇÃO: A doença de Chagas, causada pelo Trypanosoma cruzi, é tratada com benzonidazol, tendo o inconveniente de apresentar efetividade parcial e alta toxicidade, que varia desde reações de hipersensibilidade a aplasia medular. O objetivo foi descrever e avaliar a ocorrência de reações adversas em pacientes chagásicos em tratamento com benzonidazol em Fortaleza, Ceará.
MÉTODOS: Estudo descritivo prospectivo envolvendo 32 pacientes chagásicos crônicos tratados com benzonidazol entre janeiro de 2005 e abril de 2006. Dados sociodemográficos e clínicos foram coletados de questionários, entrevistas e exames laboratoriais. As amostras de sangue foram coletadas antes, com 30 e 60 dias de tratamento.
RESULTADOS: Reações adversas foram relatadas em 28 (87,5%) pacientes tratados, tendo sido as mais frequentes: prurido (50%), formigamento (43,8%), fraqueza muscular (37,5%) e rash cutânea (31,3%). Dos 28 pacientes com reações adversas, oito (28,57%) interromperam o tratamento. Reações adversas que culminaram com a suspensão do tratamento foram formigamento sete (87,5%) ou erupção cutânea cinco (62,5%). Observou-se aumento discreto dos níveis de aminotransferases durante o tratamento em (9,4%) pacientes.
CONCLUSÕES: Concluindo, o acompanhamento farmacoterapêutico dos pacientes chagásicos é de grande relevância na prevenção e detecção precoce das reações adversas a medicamentos.

Palavras-chaves: Doença de Chagas. Trypanosoma cruzi. Benzonidazol. Reação adversa a medicamento.


ABSTRACT

INTRODUCTION: Chagas disease is caused by Trypanosoma cruzi and treated with benznidazole (BNZ). This drug has the troublesome features of presenting partial effectiveness and high toxicity ranging from hypersensitivity reactions to medullary aplasia. The objective here was to describe and evaluate the occurrence of adverse reactions in Chagas disease patients treated with benznidazole in Fortaleza, Ceará.
METHODS: This was a prospective descriptive study involving 32 chronic Chagas patients treated with benznidazole between January 2005 and April 2006. Sociodemographic and clinical data were collected through questionnaires, interviews and laboratory tests. Blood samples were collected before treatment and after 30 and 60 days of treatment.
RESULTS: Adverse reactions were reported in 28 patients (87.5%) patients and the most frequent of these were pruritus (50%), prickling (43.8%), muscle weakness (37.5%) and skin rash (31.3%). Out of the 28 patients with adverse reactions, eight (28.57%) discontinued their treatment. The adverse reactions that culminated with discontinuation of the treatment were prickling (7; 87.5%) or skin eruptions (5; 62.5%). There was a slight increase in aminotransferase levels during the treatment in 9.4% of the patients.
CONCLUSIONS: Following up the drug therapy administered to Chagas patients is of great importance for prevention and early detection of adverse reactions to drugs.

Key-words: Chagas disease. Trypanosoma cruzi. Benznidazole. Adverse reactions to drugs.


 

 

INTRODUÇÃO

A doença de Chagas, exclusiva do continente americano, é uma enfermidade de caráter crônico causada pelo Trypanosoma cruzi. Cem anos depois de sua descoberta o panorama ainda é de um problema de saúde pública no Brasil e na América Latina1.

Na América Latina, cerca de 9,8 milhões de pessoas encontram-se infectadas pelo Trypanosoma cruzi e mais de 40 milhões estão expostos ao risco de contrair a doença2-4. No Brasil, a estimativa é de 2 a 3 milhões de pessoas infectadas, com incidência de 100 novos casos por ano, principalmente por via oral5.

A maioria dos indivíduos infectados encontra-se na forma indeterminada permanecendo em torno de 20 anos sem apresentar sintomas, quando então se abre um quadro clínico com problemas cardíacos ou digestivos5,6. Entre 20 e 30% desses pacientes, evoluem para a forma clínica cardíaca da doença, em geral apresentando alterações da função do coração. Outros apresentam problemas digestivos relacionados com destruição da rede neuronal mioentérica, mais frequente no esôfago e no intestino grosso7.

No Brasil, a única droga atualmente disponível para o tratamento específico da doença de Chagas é o benzonidazol (BNZ). O tratamento específico na fase crônica pode atuar beneficamente no prognóstico e na evolução clínica, prevenindo ou retardando o surgimento de formas clínicas mesmo nos não curados,8-10.

De acordo com o Consenso Brasileiro de Doença de Chagas11, cerca de 30% dos usuários de BNZ apresentam reações adversas. Em estudo clínico de acompanhamento de pacientes chagásicos em Minas Gerais verificou-se que aplicação clínica segura do benzonidazol demandava um cuidadoso seguimento das reações adversas, particularmente dermatites por hipersensibilidade, polineurite e depressão da medula óssea10-13.

O presente trabalho tem como objetivo descrever e avaliar a ocorrência de reações adversas em pacientes chagásicos em tratamento com benzonidazol e o perfil sociodemográfico dos pacientes em Fortaleza, Ceará.

 

MÉTODOS

Desenho do estudo

Estudo observacional descritivo longitudinal prospectivo de avaliação da incidência de reações adversas em pacientes chagásicos, durante o tratamento com benzonidazol.

População alvo

O estudo compreendeu 32 pacientes portadores de infecção chagásica crônica, em tratamento com benzonidazol, de ambos os sexos com idade entre 23 e 58 anos. Este estudo foi realizado em parceria com o Ambulatório de Cardiologia do Hospital Universitário Walter Cantídio, Universidade Federal do Ceará que nos encaminhou os pacientes chagásicos com a prescrição de benzonidazol, após avaliação clínica e laboratorial dos mesmos.

Critérios de inclusão e exclusão

Foram incluídos no estudo pacientes com sorologia positiva e com prescrição de BNZ e que não fizeram uso do BNZ. O benzonidazol não foi contra indicado para quem apresentou eletrocardiograma anormal. Foram excluídos do estudo os pacientes com problema mental ou legalmente incapacitado, com residência instável, gestantes, pacientes com antecedentes de enfermidade hepática, doenças autoimunes ou neoplásicas, hematológicas, renal, cardiovascular grave e desnutrição.

Esquema do atendimento ao paciente

Os pacientes, após esclarecimento sobre o projeto e assinatura do termo de consentimento, foram submetidos a três atendimentos sequenciais, sendo o primeiro antes do início do tratamento, o segundo após 30 dias, e o terceiro após 60 dias. Os pacientes foram entrevistados de acordo com um questionário que tinha a finalidade de avaliar o perfil sócio-demográfico dos pacientes. Após a entrevista foi dispensado o benzonidazol e entregue ao paciente uma ficha de reações indesejáveis, no inicio do primeiro e segundo atendimento farmacêutico para registro de quaisquer sinais ou sintomas ocorridos durante o tratamento. A coleta de sangue foi realizada ao final de cada consulta de acompanhamento farmacêutico.

Amostras

As amostras de sangue foram coletadas, por punção venosa, em dois tubos, um contendo anticoagulante, para a realização do hemograma, e o outro, sem anticoagulante, para os exames bioquímicos e sorológicos. As amostras foram centrifugadas a 2500 rpm durante 10 minutos para obtenção do soro.

Esquema terapêutico

O benzonidazol foi administrado na dose de 5mg/kg/dia, durante 60 dias, em duas ou três tomadas diárias, 30 minutos após as principais refeições. No caso de ocorrência de reações adversas, o médico indica a suspensão do tratamento ou prescreve um tratamento sintomático das reações adversas (corticóide ou anti-histaminico) em concomitância com o benzonidazol, caso o paciente não melhore, o tratamento com BNZ será interrompido definitivamente.

Exames laboratoriais

Foram realizados hemograma, contagem de plaquetas, dosagem de uréia, creatinina, aminotransferases e sorologia. Foi utilizado Kit comercial Chagatek ELISA (Biomérieux) para determinação qualitativa e semi-quantitativa de anticorpos IgG anti-Trypanosoma cruzi no soro humano, por enzimaimunoensaio (ELISA) usando antígeno purificado. Os resultados do acompanhamento sorologia e clínicos serão apresentados em outro artigo.

Reações adversas ao benzonidazol

Relatos de reações adversas ao benzonidazol foram registrados pelo próprio paciente por meio de uma ficha de preenchimento individual. Diante do aparecimento de qualquer efeito adverso durante o tratamento o paciente retornava ao farmacêutico que, por sua vez, documentava a ocorrência e encaminhava ao médico para intervenções na conduta terapêutica. As reações adversas ao medicamento foram classificadas pelo Centro de Farmacovigilância do Ceará (CEFACE), segundo a Organização Mundial de Saúde14,15, quanto à causalidade ou imputabilidade e gravidade.

Análise estatística

Foi utilizado o programa SPSS versão 13.0. Aplicou-se o teste t de Student, considerando – se o nível de significância p < 0,05.

Ética

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Walter Cantídio.

 

RESULTADOS

Características sociodemográficas

Fizeram parte do estudo, 32 pacientes com infecção chagásica (21 do sexo masculino e 11 do feminino) com prescrição de benzonidazol, monitorados durante 60 dias de tratamento. A idade dos pacientes variou de 23 a 58 anos, com média de 37 anos. Com relação à naturalidade, a maioria (87,5%) dos pacientes nasceu em municípios do interior do Ceará e 12,5% em outros estados (Distrito Federal, um (3,1%) e Rio Grande do Norte, três (9,4%). Os municípios do Estado do Ceará com maior número de pacientes foram Limoeiro do Norte, Russas, Canindé, Independência e Alto Santo. Devido à migração para os grandes centros, apenas 21 (66%) pacientes permanecem em área rural. Quanto ao grau de escolaridade, 53% dos entrevistados relataram possuir o nível fundamental incompleto. Com relação à doação de sangue, todos os pacientes relataram ter doado sangue, sendo que 22% descobriram que eram portadores da doença de Chagas na primeira doação e 78% a partir da segunda doação de sangue.

Doze (37,5%) pacientes relataram apresentar comorbidades, tendo sido a hipertensão arterial a patologia mais (34%) frequente. No momento da entrevista, 9% dos pacientes disseram ter apresentado reação a medicamentos em algum momento de suas vidas. Os medicamentos citados como sendo responsáveis pelos efeitos adversos foram dipirona e tetraciclina. Dos 32 pacientes em estudo, 10 (31%) relataram que estavam utilizando outros medicamentos (antihipertensivos, diurético, bloqueador de canais de cálcio e antilipêmico) juntamente com o benzonidazol.

Reações adversas ao benzonidazol

Dos 32 pacientes em tratamento com BNZ, apenas quatro (12,5%) não apresentaram reações adversas, contra 28 (87,5%) que apresentaram algum tipo de reação adversa em algum momento do tratamento, 25% tiveram o tratamento suspenso e 75% dos pacientes finalizaram o tratamento. Foram identificados 20 tipos diferentes de reações adversas. Os sintomas relatados com maior frequência pelo os pacientes foram pruridos em (50%), parestesia (43,8%), astenia (37,5%), rash cutânea (31,3%) e descamação da pele (25%) (Figura 1A1B1C). O sistema dermatológico foi o mais afetado correspondendo a 35% dos sintomas, seguido pelo sistema nervoso central e periférico com 22% dos relatos de sintomas (Tabela 1). A Figura 1D mostra erupções bolhosas (9,4%), sinal não identificado na literatura consultada.

Em relação aos sistemas e órgãos, as reações adversas foram referidas em códigos (Tabela1), segundo a terminologia sugerida pela Organização Mundial de Saúde14,16. Conforme análise realizada pelo Centro de Farmacovigilância do Ceará (CEFACE), com relação à imputabilidade (Tabela 3), a maioria das reações adversas foi classificada como provável (60,7%) e como possível (28,5%). Quanto à gravidade, elas foram classificadas como leve em 19 (73%) pacientes e moderada em sete (27%). Não foram observadas reações graves ou letais. Alguns pacientes relataram que melhoraram de dores nas articulações com o tratamento com BNZ. Duas reações não foram classificadas quanto à gravidade, pois segundo a causalidade uma foi considerada condicional e a outra classificada como não relacionada (Tabela 3).

 

 

 

 

Com a finalidade de avaliar se a presença de reações adversas a medicamentos (RAM) foi afetada pelas variáveis estudadas: sexo, faixa etária, escolaridade, nível de conhecimento sobre a doença e seu tratamento, antecedente de hipersensibilidade, uso concomitante de outro medicamento, buscou-se a comprovação dessa hipótese por meio do cálculo de correlações não-paramétricas, apropriadas para pequenas amostras. Dentre as variáveis que estariam supostamente relacionadas com a gravidade das RAM, apenas a variável conhecimento sobre o medicamento foi possível encontrar uma correlação estatisticamente significante (r = 0,523; p<0,05). Pacientes com grau leve de RAM apresentavam nível de conhecimento maior sobre o benzonidazol do que àqueles que apresentaram grau moderado de RAM, assim identificados nas três entrevistas realizadas no período de tratamento.

Em relação aos resultados hematológicos, foram observadas alterações no leucograma, onde 60% dos pacientes apresentaram baixa contagem de leucócitos, com média 4.895 células por mm³ de sangue no primeiro mês de tratamento (30 dias), recuperando os valores basais detectados antes do tratamento no final do tratamento, após 60 dias (7.133 células por mm³ de sangue), por conta do aumento do número de neutrófilos e linfócitos. Observou-se discreto aumento dos níveis séricos de aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT), durante o tratamento, de 22,8 a 31,68U/L e de 15 a 30,5U/L, respectivamente.

Reações adversas que culminaram com a suspensão do benzonidazol

Dos oito pacientes que tiveram o tratamento suspenso, seis foram do sexo feminino, com a média de 31 dias de tratamento (Tabela 2). Nos dois do sexo masculino as reações foram mais intensas, a ponto de não ultrapassarem os 25 dias de tratamento (Figura 1B1D). A média de idade dos pacientes foi de 40 anos e o número de reações adversas por paciente foi de aproximado quatro. As reações adversas que culminaram com a suspensão do BNZ foram classificadas como moderadas, onde os sintomas mais frequentes foram parestesia verificado em sete (87,5%) e erupção cutânea em cinco (62,5%). De acordo com a descrição, os sintomas parestesia e erupção cutânea, foram observados em concomitância em cinco dos oitos pacientes. As reações do tipo hipoestesia e parestesia ocorreram depois dos 30 dias de tratamento. No caso da hipoestesia o paciente apresentava diminuição da sensibilidade das mãos, sentia dor com o toque da água ao lavar as mãos e os pés já na parestesia o paciente apresentava formigamento nas mãos e pés e uma sensação de queimação da pele em todo o corpo. Exceto uma mulher de 56 anos em tratamento com BNZ que apresentou reações adversas intensas do tipo parestesia que levou à suspensão do tratamento dentro de 15 dias. Dos oito pacientes que suspenderam o tratamento, seis relataram fazer uso somente do benzonidazol.

 

DISCUSSÃO

Em relação à procedência, 66% dos pacientes relataram residir na zona rural, mostrando que a distribuição da doença de Chagas coincide, quase sempre, com o da pobreza17. Todos os pacientes relataram ter tomado conhecimento que eram portador da infecção chagásica após recorrerem a bancos de sangue para fazer doação de sangue; o que está de acordo com Dias13 que verificou que a maioria dos casos de doença de Chagas é detectada na fase crônica e em triagem em bancos de sangue18.

Em vários estudos foram observadas reações adversas ao BNZ, tais como dermopatia alérgica, erupções cutâneas, edema generalizado, linfoadenopatia, artralgia, prurido, distúrbios gastrointestinais (náusea, anorexia, vômito, diarréia, cólica intestinal) erupção cutânea maculopapular, cefaléia, neuropatia periférica (parestesia e hipoestesia astenia ou leve tremor das mãos). A depressão da medula óssea (púrpura trombocitopênica, agranulocitose e neutropenia) é um efeito adverso raro, sendo a neutropenia a manifestação mais frequente3,9,11,19-24.

No presente estudo, foi relatada a presença de reações adversas por 28 (87,5%) dos pacientes. A média de sintomas registrados por paciente foi em torno de quatro, sendo mais frequente o prurido, formigamento, fraqueza muscular, cefaléia, tontura, náuseas, descamação da pele, dores articulares, cólicas intestinal. As reações adversas menos frequentes foram erupções na pele, dormência nas extremidades, manchas semelhantes a hematomas no corpo, e dor no estômago. As manifestações clínicas adversas relatadas em nosso estudo e não mencionados em outros estudos foram bolhas três (9,4%), edema nas extremidades três (9,4%) e aumento do apetite três (9,4%).

Segundo o Consenso Brasileiro de Doença de Chagas11, a dermatite por hipersensibilidade é a manifestação mais frequente, surgindo por volta do 9° dia, às vezes mais precoce ou mais tardiamente. A polineuropatia periférica, de regressão muito lenta, com parestesia, nas regiões plantares e menos frequente nas palmares, surge no final do tratamento.

Nossos resultados diferem dos observados por Sosa-Estani e cols22 que avaliaram 249 pacientes chagásicos de ambos os sexos na faixa etária de 15 a 44 anos em tratamento com BNZ (5mg/kg/dia) por 30 dias. Destes, 70,3% chegaram a finalizar o tratamento e 17,7% suspenderam o tratamento por apresentarem eventos adversos relacionados ao medicamento. As principais reações que culminaram com a suspensão do tratamento foram exantema morbiliforme, prurido e febre, enquanto que no nosso estudo as principais causas foram formigamentos (parestesia) e erupção cutânea. Sosa-Estani e cols25 relataram que 20% de 106 crianças tratadas com BNZ apresentaram reações adversas (cólicas intestinais, erupção cutânea maculopapular, náusea, dor de cabeça, anorexia, vômitos, diarréia, vertigem, parestesia e calafrios), sendo cólica intestinal e erupção cutânea a mais prevalente que surgiram nos primeiros 20 dias de tratamento, eventos grave não foi registrado. Contudo, houve suspensão do tratamento por seis (28,3%) pacientes, desaparecendo os sintomas após suspensão de uso do BNZ. Em nosso estudo, 87,5% dos pacientes apresentarem reações indesejadas ao BNZ, no entanto, podemos dizer que tolerância ao benzonidazol foi boa porque a maioria concluiu o tratamento sem administração de outros medicamentos. As manifestações adversas relatadas foram semelhantes às relatadas por Coura e cols6, que mostraram que as reações adversas ao benzonidazol mais frequentes foram erupção cutânea, neuropatia periférica e distúrbios gastrointestinais, porém, discretos ou moderados.

De acordo com a classificação de imputabilidade e gravidade, a maioria das suspeitas de reações indesejáveis foi considerada como prováveis (60,7%) e leves (73%), respectivamente. Considera-se como reação leve quando não interfere nas atividades diárias dos pacientes nem necessita de outro medicamento para a melhoria dos sintomas. Foram consideradas moderadas em 27% dos pacientes; neste caso, os pacientes apresentaram modificações em suas atividades por conta das reações, necessitando utilizar antihistamínicos e/ou corticosteróides e tiveram o tratamento suspenso.

Viotti e cols3 estudaram 131 pacientes chagásicos, sendo 59 homens e 72 mulheres com média de 46 anos de idade no grupo tratado com benzonidazol (5mg/kg/dia) durante 30 dias. Neste estudo, 80% não apresentaram reações adversas. O tratamento foi temporariamente suspenso em 12% dos pacientes devido aos efeitos adversos, no entanto, após administração de anti-histamínicos ou corticóides, foi possível finalizar o tratamento. As reações adversas mais frequentes foram dermatite alérgica moderada (77%), intolerância gastrointestinal (16%) e dermatite alérgica generalizada (7%). Outros efeitos de menor significância foram cefaléia, prurido e edema nas extremidades inferiores. Andrade e cols20 relataram que, dos 58 pacientes em uso de BNZ, apenas 5% apresentaram reações indesejáveis, onde erupção cutânea maculopapular e prurido foram os mais comuns.

Os nossos resultados diferem do estudo dos autores supracitados, quando afirmam que 80% dos pacientes não apresentaram reações adversas. Nossos achados mostram exatamente o contrário (87,5%) apresentaram algum tipo de reação adversa durante o tratamento, sendo a maioria (73%) destes classificados como leve. Apenas 12,5% dos pacientes não registraram sinais e/ou sintomas de reações adversas durante o tratamento. O nosso esquema terapêutico foi de 60 dias em relação ao referido estudo (30 dias). É provável que o tratamento prolongado possa influenciar no aparecimento das reações adversas.

Fabbro-Suasnábar e cols26 verificaram que do grupo de 36 pacientes tratados com benzonidazol (5mg/kg/dia) por 30 dias na faixa etária de 13 a 60 anos, cinco (13,8%) apresentaram intolerância ao BNZ, ou seja, apresentaram reações adversas, sendo as reações mais frequentes o eritema maculopapular e náuseas. Mesmo que as RAM ocorram em cerca de 30% dos pacientes que usam BNZ, a suspensão só é indicada quando a reação é muito intensa impedindo suas atividades de rotina27.

Viotti e cols3 que relataram à suspensão do BNZ em 16 (12%) pacientes em uso de BNZ na dose de 5mg/kg/dia por 30 dias. Destes casos, 77% apresentaram dermatite alérgica moderada, que desapareceram após uso de anti-histamínicos. A freqüência dessa reação adversa foi uma constante em nosso estudo.

Viotti e cols10 acompanharam 283 pacientes chagásicos crônicos tratados com benzonidazol. O tratamento foi finalizado por 22% dos pacientes e suspenso em 37 (13%), tendo como principal causa de suspensão a dermatite alérgica em 33 pacientes e queixa gastrointestinal em quatro pacientes, diferindo dos nossos resultados, onde 75% dos pacientes finalizaram o tratamento e 25% tiveram o tratamento suspenso. Dos 33 pacientes que tiveram o tratamento suspenso por conta de dermatite alérgica 30 (90%) tomaram anti-histamínicos e, em três (10%), corticosteróides.

Fabbro e cols18 relataram a suspensão do tratamento de BNZ em quatro (12%) de 33 pacientes devido à presença de reações adversas, como eritema maculopapular, prurido e edema.

Levi e cols27 relataram à suspensão do tratamento com BNZ em 17 (41,5%) pacientes devido à presença das seguintes reações adversas (erupção vesicular, polineurite periférica e manifestações psiquiátricas). A taxa de suspensão do tratamento com BNZ encontrada em nosso estudo foi inferior (25%) a encontrada por outros autores22,28.

Em relação à gravidade, não foram encontradas reações graves ou fatais, uma vez que não houve necessidade de hospitalização, visto que os sintomas apresentados cessaram após a suspensão do BNZ e do uso de tratamento sintomático (anti-histamínicos e corticosteróides de uso sistêmico).

Julgamos de grande relevância o monitoramento terapêutico no sentido de evitar hospitalização e seqüelas devido ao aparecimento das RAMs. Alguns casos de RAM apresentavam complicações clínicas (edema, parestesia, entre outras) apesar de não ser classificada como grave de acordo com o padrão utilizado, demonstrando a necessidade de revisão no atual método de classificação de RAM.

No presente estudo, observou-se que o nível de conhecimento sobre BNZ estava relacionado à severidade das reações adversas ao medicamento (p< 0,05). É provável que esse achado deva-se ao conhecimento sobre o modo de usar o medicamento (finalidade de uso, posologia diária, tempo de tratamento e a ocorrência de RAM). O conhecimento sobre o uso do medicamento pode diminuir a frequência de RAM, por exemplo: o uso de BNZ deve ser administrado 30 minutos após as refeições a fim de não provocar reações indesejáveis no trato gastrintestinal do tipo irritação.

Concluindo, o acompanhamento farmacoterapêutico dos pacientes chagásicos é de grande relevância na prevenção e detecção precoce das reações adversas a medicamentos e no cumprimento da terapia e na adesão ao tratamento prescrito. O estudo também favoreceu o estabelecimento de uma comunicação efetiva entre farmacêutico e paciente.

 

AGRADECIMENTOS

Mestrado em Ciências Farmacêuticas e Ambulatório de Cardiologia do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC).

 

CONFLITO DE INTERESSE

Os autores declaram não haver nenhum tipo de conflito de interesse no desenvolvimento do estudo.

 

SUPORTE FINANCEIRO

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ministério da Saúde, da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico – FUNCAP -Ceará, Secretaria de Saúde do Estado do Ceará,

 

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 Endereço para correspondência: 
Profa Maria de Fátima Oliveira
Laboratório de Pesquisa em Doença de Chagas/Depto de Análises Clínicas e Toxicológicas/DACT/UFC
R. Capitão Francisco Pedro 1210, Rodolfo Teófilo
60430-370 Fortaleza, CE
Tel: 85 3366-8265
e-mail: fatimaufc@hotmail.com

Recebido para publicação em 19/08/2009
Aceito em 01/03/2009