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Estão os médicos de fora da Amazônia preparados para diagnosticar e tratar malária?

Carlos Brisola Marcondes; Marco Jacometti Marchi

Departamento de Microbiologia e Parasitologia, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC

DOI: 10.1590/S0037-86822010000400032


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A imensa maioria dos casos de malária no Brasil ocorre na Amazônia, com 99,9% dos casos do país em 20061. No entanto, devido ao deslocamento de humanos entre esta região e o restante do Brasil, indivíduos infectados podem procurar diagnóstico e tratamento em áreas atualmente indenes. Se estes não forem tratados rapidamente, há risco de sérias consequências para a saúde, como um caso de malária cerebral causada por Plasmodium vivax no estado do Ceará2. Adicionalmente, como as populações de anofelíneos foram apenas temporariamente controladas, há vetores disponíveis em 80% do país (P Tauil: comunicação pessoal, 2010). Como exemplo, temos coletado milhares de exemplares de Anopheles cruzii em florestas na Ilha de Santa Catarina, em vários horários do período diurno, e um dos Autores (CBM) teve que interromper uma coleta com barraca de Shannon próximo à gruta de Botuverá, Santa Catarina, em 1994, pelo ataque de centenas de anofelíneos (provavelmente Anopheles cruzii) ao rosto.

Em 10 de julho de 2009, F.M., 23 anos, estudante de Ciências Biológicas da UFSC, após estar na Reserva Mamirauá (Município de Tefé, Amazonas), voltou para Santa Catarina e, por apresentar febre, dor de cabeça e tremores de 48 em 48 horas, a partir de 3 de abril de 2010, foi atendida consecutivamente por três médicos locais. Mesmo tendo a paciente dito que recentemente esteve na Amazônia, foi pedido apenas hemograma, raio X de tórax e de cabeça e exame de urina. Como este último mostrou aumento de leucócitos, foi sugerida infecção urinária, iniciando tratamento com fluorquinolona (LevofloxacinaTM), por dois dias, ocorrendo novo acesso. A seguir, outro médico a internou, por suspeita de meningite ou leptospirose, com punção raquidiana negativa. Foi então recomendado que fosse examinada por um infectologista, mas outro clínico geral supôs ter a paciente nefrite, aplicando ceftriaxona (RocefinTM), por via endovenosa, por quatro dias, ocorrendo mais dois acessos de febre. No entanto, só quando foi transferida pela família para outro hospital e atendida por um infectologista, foi pedido um exame de sangue e foi feito o diagnóstico de infecção por Plasmodium vivax. Nesta ocasião, a paciente estava com anemia (hematócrito foi de 40 no início dos acessos para 24) e bastante enfraquecida, recuperando-se após sete dias de tratamento com primaquina, cloroquina, ácido fólico e omeprazol. Entre 21 e 23 de março, a paciente esteve em Guarda do Embaú (27º54’15″S 48º35’31″W), e participou de atividades de campo em área com floresta na Ilha de Santa Catarina (Poção do Córrego Grande, 27º36’22″S 48º30’22″W) em 1º de abril, ficando, portanto exposta a picadas de anofelíneos num período com possível presença de gametócitos no sangue.

A dificuldade para o diagnóstico indica que profissionais de saúde de Santa Catarina não estão suficientemente atentos para a possibilidade de ocorrência de casos de malária no estado. Revisão recente indicou a ocorrência de 258 casos de malária, entre 1996 e 2001, neste estado, dos quais 84 autóctones e 174 importados3. Ainda que a infecção por Plasmodium vivax seja em geral relativamente benigna4, pode ocorrer anemia, ruptura de baço e, em casos sem tratamento por períodos longos, enfraquecimento e coma4, além de malária cerebral, como supracitado2. A quantidade de óbitos anuais no Brasil, causados por Plasmodium vivax, de 2004 a 2008, esteve pouco acima de 20, enquanto a dos causados por Plasmodium falciparum oscilou entre 19 e 505.

Este caso é similar, pelo longo período de incubação (pelo menos nove meses), aos três relatados no Distrito Federal6, mas nestes casos o diagnóstico e o tratamento foram feitos com maior presteza, sendo apresentadas hipóteses para este longo período de incubação. Se a paciente estivesse infectada por Plasmodium falciparum, correria sério risco de óbito, e o coeficiente de letalidade por malária fora da Amazônia, para os anos 2000 a 2005, foi 15,5 a 165 vezes maior que na Amazônia (P Tauil: comunicação pessoal, 2010).

Obras recentes, publicadas com o objetivo de facilitar o diagnóstico e o tratamento de doenças relacionadas a artrópodes7 deveriam ser consultadas, para evitar a ocorrência de graves consequências, especialmente fora da Amazônia. A ocorrência de febre alta e recorrente, especialmente em paciente que esteve recentemente nesta região, deve sugerir aos profissionais de saúde a possibilidade de malária.

 

REFERÊNCIAS

1. Tauil P, Fontes CJ. Malária. In: Marcondes CB, editor. Doenças transmitidas e causadas por artrópodes. São Paulo: Editora Atheneu; 2009. p. 209-228.         [ Links ]

2. Braga MDM, Alcântara GC, Silva CN, Nascimento CGH. Malária cerebral no Ceará: relato de caso. Rev Soc Bras Med Trop 2004; 37:53-55.         [ Links ]

3. Machado RLD, Couto AARA, Cavasini CE, Calvosa VSP. Malária em região extra-amazônica: situação no Estado de Santa Catarina. Rev Soc Bras Med Trop 2003; 36:581-586.         [ Links ]

4. Price RN, Tjitra E, Guerra CA, Shunmay Y, White NJ, Anstey NM. Vivax malaria: neglected and not benign. Am J Trop Med Hyg 2007; 77 (suppl 6):79-87.         [ Links ]

5. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Malária no Brasil. Disponível em [http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/situacao_da_malaria_site_svs_28_12.pdf]         [ Links ]

6. Tauil P, Luz FCO, Oliveira APL, Deckers FAL, Santos JB. Malária vivax com tempo de incubação prolongado, detectada no Distrito Federal: relato de três casos. Rev Soc Bras Med Trop 2010;43:213-214.         [ Links ]

7. Marcondes CB. Doenças transmitidas e causadas por artrópodes. São Paulo: Editora Atheneu, 2009.         [ Links ]

 

 

 Endereço para correspondência:
Dr. Carlos Brisola Marcondes
MIP/CCB/UFSC
Campus Universitário da Trindade, Caixa Postal 476
88040-900 Florianópolis, SC
Tel: 55 48 3721-5208
e-mail: cbrisola@mbox1.ufsc.br

Recebido para publicação em 05/05/2010
Aceito em 07/05/2010