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Clima e epidemias de dengue no Estado do Rio de Janeiro

Fernando Portela CâmaraI; Adriana Fagundes GomesI; Gualberto Teixeira dos SantosII; Daniel Cardoso Portela CâmaraI

ISetor de Epidemiologia, Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ IICentro de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, RJ

DOI: 10.1590/S0037-86822009000200008


RESUMO

As temperaturas dos primeiros trimestres do período de 1986-2003, especialmente as mínimas, mostraram-se significativamente mais altas nos anos em que as epidemias de dengue tiveram início na Cidade do Rio de Janeiro. Não houve relação significativa com o total das precipitações pluviométricas para os mesmos trimestres, contudo, as epidemias foram mais freqüentes nos anos em que o volume de chuvas no verão foi pequeno (abaixo de 200mm).

Palavras-chaves: Epidemias de dengue.Temperatura ambiente.


ABSTRACT

Temperatures in the city of Rio de Janeiro in the first quarter of the year over the period 1986-2003, especially the minimum, were significantly higher in the years in which dengue epidemics started in the city. There was no significant relationship with total rainfall for the same quarter of the year, but epidemics were more frequent in the years in which the volume of rain during the summer was small (less than 200mm).

Key-words: Dengue epidemics. Ambient temperature.


 

 

A febre dengue e suas formas graves (dengue hemorrágica e síndrome do choque da dengue) estão hoje presentes em quase todos os estados do Brasil, com os sorotipos Den-1, Den-2 e Den-3 circulando simultaneamente em 24 estados10. A persistência e a progressão desta virose estão condicionadas à sobrevivência e reprodução do seu vetor, a fêmea do mosquito Aedes aegypti, no ambiente. Dado que não existe ainda uma vacina para a dengue, o combate aos criadouros é tido ainda como a melhor estratégia.

As epidemias de dengue incidem nos meses mais quentes do ano, período do climax reprodutivo do Aedes Aegypti1. A taxa de metabolismo do vetor aumenta nos meses quentes, abreviando seu ciclo evolutivo em até oito dias, ou prolongando-o até 22 dias nos meses frios2. Também a replicação e maturação do vírus no inseto (período extrínseco) são aceleradas com o aumento da temperatura3 8 9 11.

A associação entre proliferação do Aedes aegypti, epidemias de dengue e estações chuvosas é contraditória5, contudo, há um consenso de que a temperatura climática está correlacionada às infestações por Aedes aegypti e epidemias de dengue1 4 7 10 11 13. Neste trabalho, investigamos o efeito de fatores climáticos (temperatura e precipitação) associados ao começo de epidemias de dengue, tomando como modelo uma cidade de clima tipicamente tropical, o Rio de Janeiro.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo. A Cidade do Rio de Janeiro, capital do estado de mesmo nome, está situada na região Sudeste entre a latitude 22º54’S e longitude 43º14’W, próxima ao trópico de Capricórnio, com um extenso litoral Atlântico. A cidade ocupa uma área de 1182,3km2 com uma população atual estimada em mais de seis milhões de pessoas6. O clima é tropical (quente e úmido), com temperatura variando entre 20ºC e 27ºC. Os meses mais quentes são os compreendidos entre novembro e abril e os mais frios, entre maio e outubro. As chuvas são mais freqüentes entre dezembro e março, sendo janeiro o mês mais chuvoso. O período mais seco vai de junho a setembro. No verão, a temperatura pode chegar a 40ºC, e nas noites de inverno pode cair a 15ºC. Ocasionalmente, um período de uma a duas semanas quente (o chamado veranico) pode ocorrer dentro do inverno, com temperaturas chegando a 30ºC. A primavera é a estação mais agradável, com temperaturas na faixa de 20 a 30ºC. Há duas grandes florestas urbanas na cidade: a Floresta da Tijuca e a Floresta da Pedra Branca.

Fonte dos dados. As séries históricas de casos notificados para o Rio de Janeiro foram obtidos da Assessoria de Doenças Transmitidas por Vetores e Zoonoses, do Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. Os dados de temperatura e precipitação foram fornecidos pelo Sexto Distrito de Meteorologia do Rio de Janeiro, disponíveis até o ano de 2003, provenientes de cinco estações de medição, localizadas nos bairros Centro, Alto da Boa Vista, Santa Cruz, Jacarepaguá e Bangu, dos quais somente os registros dos três últimos bairros estavam completos. Por tal razão, foram utilizadas neste trabalho as médias das temperaturas máximas, mínimas e médias para os primeiros trimestres anuais e as respectivas pluviometrias desses bairros.

Análise estatística. Utilizamos o aplicativo Minitab 14.0 para gerar informações gráficas e estatísticas. Os dados de temperatura (médias dos primeiros trimestres) e pluviometria (totais dos primeiros trimestres), relativos aos anos de início das epidemias ou não foram analisados segundo a distribuição t.

 

RESULTADOS

As médias das temperaturas (mínimas, máximas e médias) para os primeiros trimestres dos anos em que as epidemias se iniciaram (1986, 1990, 1995, 1998, 2001), no período de 1986 a 2003, foram comparadas (teste t) com as médias dos trimestres correspondentes dos demais anos do período, mostrando-se significativamente mais altas (Tabela 1). As temperaturas mínimas foram as que deram p-valores menores (p = 0,001). A Figura 1 mostra a coincidência dos picos de temperatura mínima com o início das epidemias de dengue na cidade.

 

 

 

 

Os volumes totais de chuvas não foram significativos, seja para cada bairro isolado, seja para a média deles.

Figura 2 mostra os casos mensais de dengue em relação às temperaturas mínimas mensais no período de 1986-2003, observando-se que a maioria dos casos ocorria acima de 22ºC. A Figura 3mostra os mesmos casos mensais de dengue no período para os índices pluviométricos mensais. Nota-se que os casos são mais freqüentes quando o volume de chuvas estava abaixo de 250mm.

 

 

 

 

DISCUSSÃO

No período de 1986 a 2003, houve cinco grandes epidemias na Cidade do Rio de Janeiro, uma das principais portas de entrada da dengue no Brasil. Isto se deu nos verões de 1986, 1990, 1995, 1998 e 2001. Cada epidemia era bianual, ou seja, tinha seu pico no verão do ano em que se iniciava, e um segundo pico no ano seguinte, portanto, manifestando-se em dois verões consecutivos. A duração de cada epidemia era de 5 ou 6 meses, de janeiro a maio ou junho1.

Observamos que nos anos em que as epidemias tiveram início, as temperaturas foram significativamente mais altas que nos demais anos, especialmente as mínimas, sugerindo ser a temperatura um fator crítico para o início das epidemias. As cinco epidemias do período tiveram seus inícios coincidentes com os picos de temperaturas mínimas. Sendo a temperatura mínima o fator que limita a maturação do vírus (período extrínseco) no culicídeo11, ela pode ser o parâmetro crítico para definir a possibilidade de uma epidemia, no caso em que a população seja suficientemente susceptível ao vírus circulante.

A temperatura do segundo ano da epidemia não parecia ser importante, sendo crítico apenas o valor médio da temperatura mínima do primeiro trimestre (Tabela 1) dos anos em que as epidemias tinham início. Isto sugere que, uma vez deflagrada a epidemia, ela seguia seu curso até esgotar-se com a redução de hospedeiros susceptíveis, o que se dava em dois verões sucessivos.

Em outro estudo (Figuras 2 e 3) os números mensais de casos notificados de dengue eram sempre maiores quando a média da temperatura mínima mensal estava acima de 22ºC e o volume mensal total de chuvas estava abaixo de 200mm. Concluímos que os verões quentes e secos parecem ser propícios à dengue na Cidade do Rio de Janeiro.

 

AGRADECIMENTOS

Ao técnico Fernando Gomes da Costa pelo auxílio prestado e a Marlon Vicente da Silva pelos dados climáticos.

 

REFERÊNCIAS

1. Câmara FP, Theophilo RLG, Santos GT, Pereira SRFG, Câmara DCP, Matos RRC Estudo retrospectivo (histórico) da dengue no Brasil: características regionais e dinâmicas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 40:192-196, 2007.         [ Links ]

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10. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Situação Epidemiológica da Dengue até Dezembro de 2006. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/boletim_dengue_dez2006.pdf acessado em 09/09/2008.         [ Links ]

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 Endereço para correspondência:
Dr. Fernando Portela Câmara
Rua Pinheiro Machado 25/405, Laranjeiras
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e-mail: portela@micro.ufrj.br
Tel: 55 21 2552-9873

Recebido para publicação em 07/10/2008
Aceito em 20/03/2009
Projeto financiado pelo MS/SUS/CNPq/UNESCO, processo # 501553/2003-7 e SUS/FAPERJ processo # E-26/170.621/2005