Home » Volumes » Volume 42 March/April 2009 » Escorpionismo por Tityus pusillus Pocock, 1893 (Scorpiones; Buthidae) no Estado de Pernambuco

Escorpionismo por Tityus pusillus Pocock, 1893 (Scorpiones; Buthidae) no Estado de Pernambuco

Cleide Maria Ribeiro de AlbuquerqueI; Tiago Jordão PortoII; Maria Lucineide Porto AmorimIII; Pedro de Lima Santana NetoI

IDepartamento de Zoologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE IIPrograma de Pós-Graduação em Diversidade Animal, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA IIICentro de Assistência Toxicológica, Hospital da Restauração, Recife, PE

DOI: 10.1590/S0037-86822009000200023


RESUMO

Apresentamos neste trabalho os primeiros relatos de acidente escorpiônico causado pela espécie Tityus pusillus (Buthidae). Os acidentes ocorreram no ambiente doméstico, na área rural situada nas cidades de Paudalho e São Lourenço da Mata, Pernambuco, Brasil. Os dois casos descritos, uma criança e uma mulher grávida, foram classificados como leve e moderado, respectivamente. Os sintomas clínicos apresentados foram distúrbios locais (dor e parestesia) e distúrbios sistêmicos (calafrios, tontura, cefaléia e vômito). Esses registros permitem incluir Tityus pusillus como uma espécie de importância médica no Brasil.

Palavras-chaves: Acidente escorpiônico. Envenenamento. Pernambuco.


ABSTRACT

This paper presents the first reports on scorpion accidents caused by Tityus pusillus (Buthidae). The accidents took place within the home environment, in rural areas located in the municipalities of Paudalho and São Lourenço da Mata, Pernambuco, Brazil. The two cases described (a child and a pregnant woman) were classified as mild and moderate, respectively. The clinical symptoms presented were local disorders (pain and paresthesia) and systemic disorders (chills, dizziness, headache and vomiting). These records make it possible to including Tityus pusillus as a species of medical importance in Brazil.

Key-words: Scorpion accident. Poisoning. Pernambuco.


 

 

Os escorpiões são aracnídeos terrestres bem distribuídos globalmente e com registros de acidentes em todos os continentes onde ocorrem: África33 34, Américas8 14 15 16, Ásia2, Europa1 30 e Oceania19 20.

O escorpionismo tornou-se um problema de saúde pública em alguns países pela alta incidência e/ou gravidade dos casos, e dificuldade de gestão pelos serviços de saúde, ultrapassando 1.200.000 casos anuais com mais de 3.250 mortes no mundo12. No Brasil, diversas espécies de escorpiões podem provocar acidentes, sendo estas pertencentes principalmente ao gênero Tityus C.L. Koch, 1836, destacando-se as espécies Tityus serrulatus Lutz & Mello, 1922, Tityus bahiensis (Perty, 1833) e Tityus stigmurus (Thorell, 1876)4 10 13 17 18 como as principais responsáveis pelos acidentes que podem levar a óbito. Embora com menor intensidade, casos de escorpionismo por outras espécies têm sido relatados na região Nordeste, incluindo acidentes com outros gêneros além do Tityus. Dentre estas encontram-se Bothriurus asper Pocock, 1893, Rhopalurus rochaiBorelli, 1910, Tityus neglectus Mello-Leitão, 193221Isometrus maculatus (DeGeer, 1778), Tityus mattogrosenssis Borelli, 19017 21, Tityus brazilae Lourenço & Eickstedt, 19847 9 21 Rhopalurus agamemnon(C.L. Koch, 1839)11. Os acidentes causados por essas espécies têm sido classificados como leve ou moderado com base nas manifestações clínicas apresentadas pelos pacientes.

Em geral, a gravidade dos acidentes escorpiônicos depende de fatores como a espécie e tamanho do escorpião, a quantidade de veneno inoculado, a massa corporal do acidentado e a sensibilidade do paciente ao veneno18. A maior parte desses sintomas e sinais clínicos é causada pela liberação de adrenalina, noradrenalina e acetilcolina decorrente da atuação da toxina do veneno em sítios específicos dos canais de sódio31 32. Outros fatores como, o tempo decorrido entre a picada e a administração do soro e a manutenção das funções vitais podem interferir na evolução e no diagnóstico precoce18.

Apresentamos neste trabalho o relato dos dois primeiros casos de envenenamento atribuídos a Tityus pusillus, ocorridos no Estado de Pernambuco, contribuindo para a ampliação do registro de espécies de interesse médico no Brasil.

 

RELATO DOS CASOS

Caso 1. Paciente do sexo feminino, com idade de 23 anos, gestante de sete meses, com história de picada de escorpião em mão esquerda ocorrido no domicílio 3 horas antes do atendimento no Hospital da Restauração (HR) no setor do Centro de Assistência Toxicológica de Pernambuco (CEATOX), no dia 8 de julho de 2007. A paciente referiu ter apresentado calafrios, tontura, cefaléia e vômito. O acidente ocorreu no município de São Lourenço da Mata, distante 18km ao norte da cidade do Recife, Estado de Pernambuco. O tratamento incluiu a administração de 2ml de dipirona endovenosa para alívio da dor. De acordo com a sintomatologia relatada para acidentes escorpiônicos18, o caso analisado foi classificado como moderado.

Caso 2. Criança de 11 anos, sexo feminino, deu entrada no CEATOX do HR no dia 27 de setembro de 2007, com história de picada de escorpião na parte superior da coxa esquerda, há 4 horas, referindo dor e dormência no local. O acidente ocorreu na residência do paciente, município de Paudalho, localizado a cerca de 40km do Recife, Estado de Pernambuco. O tratamento incluiu uso de anestésico local com xilocaína. O paciente foi liberado 12 horas após o acidente, o qual foi classificado como leve, de acordo com o quadro clínico conhecido para acidentes com escorpiões18.

 

DISCUSSÃO

Os exemplares dos escorpiões responsáveis pelos acidentes descritos nesse trabalho foram capturados e levado pelos pacientes ao CEATOX, sendo identificados como Tityus pusillus, com base em Lourenço (1982) (Figura 1). Os espécimes encontram-se depositados na Coleção de Aracnologia da Universidade Federal da Pernambuco (UFPE). De acordo com Lourenço 1982, Tityus pusillus apresenta colorido geral amarelado com manchas pretas por todo o corpo, com cerca 4cm de comprimento total23. Sua ocorrência tem sido registrada para os Estados da Bahia (TJ Porto: dados não publicados), Pernambuco23 e Paraíba25. A fauna escorpiônica do Estado de Pernambuco ainda é pouco conhecida, havendo registro da ocorrência de 13 espécies: Bothriurus asper e Bothriurus rochai29Ananteris franckei Ananteris mauryi25Isometrus maculatus25Physoctonus debili26Rhopalurus agamemnom Rhopalurus rochai25Tityus anneae24Tityus brazilae (TJ Porto: dados não publicados), Tityus neglectus27Tityus pusillus23 Tityus stigmurus17.

 

 

O registro de Tityus pusillus em Pernambuco foi feito com base em exemplares coletados na região de Igarassu, em ambiente natural de Mata Atlântica, refugiado sob pedra23. Os espécimes responsáveis pelos acidentes analisados nesse trabalho foram provenientes dos municípios de Paudalho e São Lourenço da Mata, ambos possuindo áreas de mata. Paudalho apresenta vegetação constituída de matas secundárias e dispersos resquícios de Mata Atlântica primitiva5 e limita-se ao sul pelo município de São Lourenço da Mata, localizado na microrregião conhecida como Floresta Tropical da Encosta. Originalmente, essa região tem vegetação característica de floresta tropical, a qual tem sido sistematicamente destruída para o plantio da cana de açúcar, monocultura quase exclusiva da região6. Esses registros sugerem que alterações ambientais como a fragmentação do hábitat original de Tityus pusillus, podem aumentar a incidência de encontros deste escorpião com o homem, ocasionando uma elevação no número de acidentes.

Até o presente, os casos de envenenamento no Estado de Pernambuco têm sido associados unicamente a Tityus stigmurus17escorpião endêmico do Nordeste do país, registrado para áreas com alta densidade populacional4 18 22. Esse fato pode ter três possíveis explicações: em geral, o acidentado procura atendimento médico somente quando os sintomas do envenenamento são graves; o paciente, na maioria das vezes, não captura o escorpião causador do acidente; ou o espécime apresentado não é identificado28.

O quadro clínico considerado leve e moderado observado nos acidentes registrados nesse trabalho mostrou-se similar ao causado por outras espécies, como Tityus adrianoiTityus stigmurus21. Nesses casos é comum o relato de dor no local da ferroada pelos pacientes logo após o acidente e parestesia na área atingida21.

Esse trabalho registra uma nova espécie de escorpião responsável por acidente em humanos em Pernambuco e sugere que alterações no habitat de Tityus pusillus podem elevar o número desses acidentes.

 

REFERÊNCIAS

1. Adiguzel S, Ozkan O, Inceoglu B. Epidemiological and clinical characteristics of scorpionism in children in Sanliurfa, Turkey. Toxicon 49:875-900, 2007.         [ Links ]

2. Al-Sadoon MK, Jarrar BM. Epidemiological study of scorpion stings in Saudi Arabia between 1993 and 1997. Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases 9:54-64, 2003.         [ Links ]

3. Álvares ESS, Maria M, Amâncio FF, Campolina D. Primeiro registro de escorpionismo causado por Tityus adrianoi Lourenço (Scorpiones: Buthidae). Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 39:383-384, 2006.         [ Links ]

4. Alves RS, Martins RD, Sousa DF, Alves CD, Barbosa PSF, Queiroz MGR, Martins AMC, Monteiro HSA. Aspectos epidemiológicos dos acidentes escorpiônicos no estado do Ceará no período de 2003 a 2004. Revista Eletrônica Pesquisa Médica 1:14-20, 2007.         [ Links ]

5. Andrade MS, Brito MEF, Da Silva ST, Lima BS, Almeida EL, Albuquerque EL, Marinho-Júnior JF, Cupolillo EIE, Brandão-Filho SP. Leishmaniose tegumentar americana causada por Leishmania (Viannia) braziliensis, em área de treinamento militar na Zona da Mata de Pernambuco. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 38:229-233, 2005.         [ Links ]

6. Barbosa CS, Silva CB. Epidemiology of Mansonic Schistosomiasis in Bela Rosa Sugar Mill, Municipality of São Lourenço da Mata, Pernambuco, Brazil. Caderno de Saúde Pública 8:83-87, 1992.         [ Links ]

7. Barbosa MGR, Bavia ME, Silva CEP, Barbosa FR. Aspectos Epidemiológicos dos acidentes Escorpiônicos em Salvador – Bahia. Ciência Animal Brasileira 4:155-162, 2003.         [ Links ]

8. Bernabe RC. First case report of scorpion sting in Puerto Rico. Caribbean Journal of Science 22:213-214, 1986.         [ Links ]

9. Biondi-de-Queiroz I. Scorpion envenoming in the State of Bahia: epidemiological and clinical study of the envenomings treated at the center for antivenom information (CIAVE) between 1995 and 1997. Journal of Venomous Animals and Toxins 7:314-315, 2001.         [ Links ]

10. Candido DM. Escorpiões. In: Brandão CRF, Cancello EM (eds) Biodiversidade do Estado de São Paulo, Invertebrados Terrestres, p. 23-34, 1999.         [ Links ]

11. Carvalho LS, Santos MPD, Dias SC. Escorpionismo na zona rural de Teresina, Estado do Piauí: relato de casos de envenenamento. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 40:491, 2007.         [ Links ]

12. Chippaux JP, Goyffon M. Epidemiology of scorpionism: A global appraisal. Acta Tropical 107:71-79, 2008.         [ Links ]

13. Cupo P, Azevedo-Marques MM, Hering SE. Acidentes por animais peçonhentos: Escorpiões e aranhas. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 36:490-497, 2003.         [ Links ]

14. Cupo P, Jurca M, Azevedo-Marques MM, Oliveira JSM, Hering SE. Severe scorpion envenomation in Brazil: Clinical, laboratory and anatomicopathological aspects. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 36:67-76, 1994.         [ Links ]

15. De Sousa L, Parrilla-Alvarez P, Quiroga M. An epidemiological review of scorpion stings in Venezuela: the Northeastern region. Journal of Venomous Animals and Toxins 6:128-166, 2000.         [ Links ]

16. Dehesa-Dávila M, Possani LD. Scopionism ans serotherapy in México. Toxicon 32:1015-1018, 1994.         [ Links ]

17. Eickstedt VRD. Escorpionismo por Tityus stigmurus no Nordeste do Brasil (Scorpiones; Buthidae). Memórias do Instituto Butantan 47/48:133-137, 1983.         [ Links ]

18. Fundação Nacional da Saúde. Escorpionismo. In: Ministério da Saúde (org) Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos, 2ª edição, Brasília, p. 37-44, 2001.         [ Links ]

19. Isbister GK, Volschenk ES, Balit CR, Harvey MS. Australian scorpion stings: a prospective study of definite stings. Toxicon 41: 877-883, 2003.         [ Links ]

20. Isbister GK, Volschenk ES, Seymour JE. Scorpion stings in Australia: five definite stings and a review. Internal Medicine Journal 34:427-430, 2004.         [ Links ]

21. Lira-da-Silva RM, Amorim AM, Brazil TK. Scorpions of medical importance in Bahia, Brazil. Journal of Venomous Animals and Toxins 3:250, 1997.         [ Links ]

22. Lira-da-Silva RM, Amorim AM, Brazil TK. Envenenamento por Tityus stigmurus (Scorpiones; Buthidae) no Estado da Bahia. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 33:289-245, 2000.         [ Links ]

23. Lourenço WR. Contribuição ao conhecimento sistemático e biológico de Tityus pusillus Pocock, 1893 (Scorpiones, Buthidae). Revista Nordestina de Biologia 5:35-43, 1982.         [ Links ]

24. Lourenço WR. Finding lost diversity in old collections: Tityus anneae a new species of scorpion from Brazil found in the old Simon collection deposited in the Natural History Museum, Paris. Biogeographica 73:135-140, 1997.         [ Links ]

25. Lourenço WR. Scorpions of Brazil. Les Éditions l’ If, Paris, France, 2002.         [ Links ]

26. Lourenço WR. New considerations on the taxonomic status of the genus Physoctonus Mello-Leitão, 1934 (Scorpiones, Buthidae). Boletín Sociedad Entomológica Aragonesa 40:359-365, 2007.         [ Links ]

27. Lourenço WR, Eickstedt VR. Sinopse das espécies de Tityus do Nordeste do Brasil com a redescrição de Tityus neglectus Mello-Leitão (Scorpiones; Buthidae). Revista Brasileira de Zoologia 5:399-408, 1988.         [ Links ]

28. Lourenço WR, Eickstedt VRD. Escorpiões de importância médica. In: Cardoso JL, Siqueira-França FO, Wen FH, Sant’ana-Málaque CM, Haddad Jr V (eds) Animais Peçonhentos no Brasil, Biologia, Clínica e Terapêutica dos Acidentes, 1ª edição, São Paulo, p.182-197, 2003.         [ Links ]

29. Maury EA. Dos Bothriurus del nordeste brasileño (Scorpiones, Bothriuridae). Revista de la Sociedad Entomológica Argentina 41:253-265, 1982.         [ Links ]

30. Ozkan O, Uzun R, Adiguzel S, Cesaretli Y, Ertek M. Evaluation of scorpion sting incidence in Turkey. Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases 14 :128-140, 2008.         [ Links ]

31. Rodríguez de la Vega RCR, Possani LD. Current views on scorpion toxins specific for K+-channels. Toxicon 43:865-875, 2004.         [ Links ]

32. Rodríguez de la Vega RCR, Possani LD. Overview of scorpion peptides specific for Na+ channels: biodiversity, structure-function relationships and evolution. Toxicon 46:831-844, 2005.         [ Links ]

33. Soulaymani-Bencheikh R, Idrissi M, Tamim O, Semlali I, Mokhtari A, Tayebi M, Soulaymani A. Scorpion stings in one province of morocco: epidemiological, clinical and prognosis aspects. Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases 13:462-471, 2007.         [ Links ]

34. Touloun O, Slimani T, Boumezzoughj A. Epidemiological survey of scorpion envenomation in Southwestern Morocco. Journal of Venomous Animals and Toxins 7:199-218, 2001.         [ Links ]

 

 

 Endereço para correspondência:
Dra. Cleide Maria Ribeiro de Albuquerque
Departamento de Zoologia/UFPE
Av. Morais Rego s/n
50570-420 Recife, PE
e-mail: cleide.ufpe@gmail.com

Recebido para publicação em 05/01/2009
Aceito em 20/03/2009