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Leishmaniose visceral canina em Maricá, Estado do Rio de Janeiro: relato do primeiro caso autóctone

Cíntia Cristiane de PaulaI; Fabiano Borges FigueiredoII; Rodrigo Caldas MenezesII; Eliame Mouta-ConfortI; Alessandra BogioI; Maria de Fátima MadeiraI

ILaboratório de Vigilância em Leishmanioses, Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ IILaboratório de Pesquisa Clínica em Dermatozoonoses em animais domésticos, Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ

DOI: 10.1590/S0037-86822009000100016


RESUMO

Leishmaniose visceral é uma zoonose de importância em Saúde Pública, onde os cães representam um dos maiores problemas. Este trabalho visa relatar o primeiro caso autóctone da leishmaniose visceral canina no município de Maricá, fornecendo elementos relacionados à distribuição geográfica de Leishmania (Leishmania) chagasi no Estado do Rio de Janeiro.

Palavras-chaves: Leishmaniose visceral. Leishmania chagasi. Cão. Maricá.


ABSTRACT

Visceral leishmaniasis is a zoonosis of public health importance, and dogs represent one of the main problems. This paper describes the first autochthonous case of canine visceral leishmaniasis in the municipality of Maricá. It provides new facts regarding the geographical distribution of Leishmania (Leishmania) chagasi in the State of Rio de Janeiro.

Key-words: Visceral leishmaniasis. Leishmania chagasi. Dog. Maricá.


 

 

A leishmaniose visceral (LV) é uma zoonose, de transmissão vetorial que tem como agente etiológico o protozoário Leishmania (Leishmania) chagasi.No Brasil, esta doença continua sendo um grande desafio nas questões de saúde pública, principalmente pelo potencial endêmico que vem assumindo em vários estados brasileiros9. Cães são considerados os principais reservatórios domésticos, sendo monitorados por meio de inquéritos sorológicos, preconizados pelo Ministério da Saúde (MS),que visa a eliminação dos animais sororreatores9.

O Estado do Rio de Janeiro está classificado como área de transmissão esporádica para LV9 com casos caninos diagnosticados apenas na capital1 6 8, entretanto, recentemente foram relatados casos de leishmaniose visceral canina (LVC) nos municípios de Angra dos Reis e Mangaratiba, demonstrando a expansão da doença para outras regiões do estado6.

O Município de Maricá está localizado na vertente litorânea do Estado do Rio de Janeiro (Latitude 22º55’10” S Longitude 42º49’07″O)3, cuja característica geográfica proporciona atividades de veraneio favorecendo o processo de ocupação com severas conseqüências para o meio ambiente10, fato associado ao aparecimento de casos de leishmaniose tegumentar americana (LTA) neste município7 10 14.

Os autores visam relatar o primeiro caso autóctone de LVC no município de Maricá, Rio de Janeiro.

 

RELATO DE CASO

Um Cão de 7 anos de idade, proveniente do bairro de Inoã foi encaminhado ao Laboratório de Pesquisa Clínica em Dermatozoonoses em animais domésticos (Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas/Fundação Oswaldo Cruz) para confirmação diagnóstica, por suspeita de LVC. Segundo o proprietário, o cão havia nascido no local e possuía hábitos limitados ao quintal da residência sem nunca ter se ausentado. Ao exame clínico o animal apresentou emagrecimento, onicogrifose, adenite generalizada, esplenomegalia e pêlo opaco. Embora tais sinais sejam clássicos na LVC, podem ser confundidos com outras doenças, razão pela qual diferentes amostras biológicas foram coletadas para exames sorológicos e parasitológicos. Anticorpos IgG anti-Leishmania foram pesquisados utilizando kits de imunofluorescência indireta (IFI) e ensaio imunoenzimático (EIE) para LVC (Bio-Manguinhos/FIOCRUZ/MS). Para o diagnóstico parasitológico, empregou-se o exame direto em aspirado de linfonodo poplíteo e cultivo de fragmentos de pele íntegra. A caracterização da amostra isolada, foi feita através da técnica de isoenzimas2, utilizando 7 sistemas enzimáticos.

O resultado do exame direto evidenciou inúmeras formas amastigotas. Entretanto, foi o cultivo de fragmentos de pele que possibilitou o isolamento do parasita, identificado como Leishmania chagasi, comprovando tratar-se de um caso de LVC.

Todos os procedimentos foram aprovados pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA-FIOCRUZ) sob o protocolo P.0298-06.

 

DISCUSSÃO

Em áreas urbanas, cães domésticos são considerados os principais reservatórios de Leishmania chagasi e embora a doença possa manifestar-se de maneira bastante variável, o parasitismo da pele constitui uma das características mais importantes, fazendo desse animal um elo no ciclo epidemiológico13. A retirada de cães sororreatores das áreas endêmicas, ainda é um assunto polêmico. Apesar de resultados sorológicos serem determinantes para eutanásia dos animais, em áreas de sobreposição com a forma tegumentar, tais resultados possuem valor limitado, já que não apresentam poder discriminatório para ambas as doenças,as quais possuem estratégias de controle diferenciadas para os cães infectados. O animal deste estudo apresentou reatividade tanto na IFI (1:80) como no EIE, no entanto, por tratar-se de uma área onde até então não havia registros da doença, a identificação etiológica foi fundamental para confirmação do caso, indicando a eutanásia do animal.

Os movimentos migratórios do homem com seus animais, associado às alterações ambientais são fatores importantes na disseminação geográfica de certas doenças11. Maricá é um município que enfrenta tais alterações, vinculadas principalmente às atividades de veraneio10, o que talvez possa ter favorecido a introdução da doença, entretanto não foram feitos maiores estudos nesse sentido.

Em várias regiões de Maricá, observam-se desmatamentos que dão lugar a construções humanas, como observado em Inoã7 10, local de residência do animal. Nesse contexto, o tipo de ocupação territorial foi associado ao surgimento de casos de LTA, verificado tanto em Maricá10, como no município do Rio de Janeiro4, tornando essas áreas vulneráveis à transmissão peridomiciliar de Leishmania braziliensis.

Um fato importante a ser destacado é a capacidade de domiciliação de Lutzomyia longipalpis5 em ambientes modificados. Souza e cols12 detectaram Lutzomyia intermedia em Inoã, no entanto, L. longipalpis ainda não foi descrita nessa localidade. A proximidade da residência do animal com a mata favorece o contato com animais sinantrópicos, que podem atuar como elo de transmissão de Leishmania chagasi1.

Os resultados apresentados demonstram pela primeira vez a presença de Leishmania chagasi em caso autóctone em Maricá e sinalizam a importância de estudos relacionados a fauna flebotomínica local, assim como a avaliação de outros cães, constituindo um alerta para vigilância epidemiológica, devendo ser considerada nas estratégias de controle da LVC.

 

REFERÊNCIAS

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 Endereço para correspondência: 
Dra. Cíntia Cristiane de Paula
Laboratório de Vigilância em Leishmanioses/IPEC/FIOCRUZ
Av. Brasil 4365
21045-900 Rio de Janeiro, RJ
Tel: 55 21 3865-9541; Fax: 55 21 3865-9541
e-mail: cintia.paula@ipec.fiocruz.br

Recebido para publicação em 04/09/2008
Aceito em 20/01/2009
Apoio financeiro: Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro(FAPERJ)