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Modificações na prevalência das lesões intra-epiteliais escamosas cervicais e dos fatores de risco em pacientes HIV/AIDS atendidas em serviço especializado no sul do Brasil nos períodos 1995-1999 e 2006-2007

Regina Maria Carvalho GonçalvesI; Raúl Andrés Mendoza-SassiII; Márcia Silveira GraudenzIII

IDepartamento de Patologia, Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, RS IIDepartamento de Medicina Interna, Fundação Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, RS IIICurso de Pós- Graduação da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS

DOI: 10.1590/S0037-86822009000100008


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi estudar mudanças na prevalência de lesões intra-epiteliais escamosas cervicais entre mulheres HIV-1 positivas após a introdução da terapia antiretroviral altamente eficaz e avaliar modificações na prevalência de fatores de risco para lesões intra-epiteliais escamosas cervicais. Foram estudadas 50 pacientes em 1995-1999 e 120 pacientes em 2006-2007. Coletaram-se dados demográficos, comportamentais, laboratoriais. Calculou-se a prevalência de lesões intra-epiteliais escamosas cervicais entre os dois períodos, assim como as prevalências dos outros fatores de risco. No primeiro período, encontrou-se uma prevalência de lesões intra-epiteliais escamosas cervicais de 66% e no segundo de 43% (p=0,007). A média do CD4 em 1995-1999 foi de 275,71 (DP 283,23); a média do CD4 em 2006-2007 foi de 463,32 (DP 231.90), (p=0,001). Houve mudanças significativas nos fatores idade, cor, estado conjugal e fumo entre os dois períodos. A diminuição da prevalência de lesões intra-epiteliais escamosas cervicais pode estar relacionada ao uso da estratégia de terapia antiretroviral altamente eficaz assim como à mudança de fatores de risco para lesões intra-epiteliais escamosas cervicais ao longo do tempo.

Palavras-chaves: Lesões intra-epiteliais escamosas cervicais. Displasia do colo do útero. Neoplasia intra-epitelial cervical. Vírus da imunoideficiência humana/Síndrome de imunodeficiência adquirida. Terapia antiretroviral altamente eficaz.


ABSTRACT

TThe aim of this work was to study changes to the prevalence of cervical squamous intraepithelial lesions (CSIL) among HIV1-positive women following the introduction of highly active antiretroviral therapy (HAART), and to evaluate changes to the prevalence of risk factors for CSIL. Fifty patients were studied in 1995-1999 and 120 patients in 2006-2007. Demographic, behavioral and laboratorial data were collected. The prevalences of CSIL and other risk factors were calculated for the two periods. The prevalence of CSIL was 66% in the first period and 43% in the second period (p = 0.007). The mean CD4 in 1995-1999 was 275.71 (SD 283.23) and in 2006-2007 it was 463.32 (SD 231.90; p=0.001). There were significant changes to the factors of age, skin color, marital status and smoking between the two periods. The decrease in the prevalence of CSIL may be related to the use of the HAART strategy and to changes to the risk factors for CSIL over time.

Key-words: Cervical squamous intraepithelial lesions. Uterine cervical dysplasia. Cervical intraepithelial neoplasia. Human immunodeficiency virus/Acquired immunodeficiency syndrome. Highly active antiretroviral therapy.


 

 

A epidemia da síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) é importante causa de morbi-mortalidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde e The Joint United Nations Programme on HIV/AIDS27 até dezembro de 2007, 33,2 milhões de pessoas estão infectadas no mundo. Um terço das pessoas infectadas na América Latina vive no Brasil27; até junho de 2004, foram notificados 371.000 casos de AIDS18, e em 2005 estimava-se que 620 mil indivíduos estivessem infectados no Brasil18. Segundo o Boletim Epidemiológico AIDS/DST do SINAN18, o número de notificações de AIDS no Rio Grande do Sul é de 43.388 até 30 de junho de 2007. Na cidade de Rio Grande o número de notificações de AIDS é de 726 até dezembro de 200618. O número de casos de mulheres contaminadas pelo HIV é crescente, hoje segundo a OMS/UNAIDS27, são 15,4 milhões. Estudos têm mostrado que dentre esta população existe um risco aumentado de doença cervico-vaginal, incluindo uma prevalência aumentada de infecção pelo papilomavirus humano (HPV) e lesão intra-epitelial escamosa cervical (LIEC)1 9. Outros estudos têm relatado que existe uma relação direta entre a prevalência aumentada de HPV e de LIEC neste grupo de pacientes e graus severos de imunossupressão11 22 26. Ainda se desconhece o mecanismo pelo qual HPV e HIV interagem, mas a imunossupressão parece ter um papel fundamental nesta interação3.

Com o surgimento da highly active antiretroviral therapy (HAART), que combina várias drogas, observou-se uma melhora da situação imunológica do paciente13, o que alteraria o curso das lesões cervicais em mulheres HIV-I positivas. Vários estudos tem sido realizados para avaliar o efeito da HAART sobre as LIEC nessas pacientes, com resultados variados12 15 20 21

Além do HPV, outros co-fatores estão relacionados com o desenvolvimento de lesões intra-epiteliais e carcinoma da cérvice uterina como a idade da primeira relação sexual2 7 16, fumo4 17 23, uso de anticoncepcionais orais, promiscuidade22, infecções por patógenos de transmissão sexual 28.

No Brasil, ainda, não foi realizado nenhum estudo avaliando o que ocorreu com as LIEC nas pacientes HIV-I positivas após a introdução da HAART. Ao considerar as mudanças ocorridas com essa nova estratégia terapêutica, deve-se levar em conta também, modificações que possam ter ocorrido em outros fatores de risco conhecidos para LIEC e câncer de colo de útero. Desta forma, o presente artigo tem como objetivo estudar as mudanças na prevalência de LIEC após a introdução da HAART, mediante a comparação da prevalência encontrada em dois períodos diferentes, 1995-1999 e 2006-2007, assim como avaliar possíveis mudanças na prevalência de certos fatores de risco para o desenvolvimento de LIEC.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Para avaliar o impacto da HAART, na prevalência de LIEC entre mulheres HIV-I positivas, foram estudados dois períodos em que mulheres foram atendidas no Ambulatório de Ginecologia/Infectologia para pacientes HIV-I positivas do Hospital Universitário da Fundação Universidade Federal do Rio Grande e no serviço de HIV-AIDS do mesmo Hospital Universitário. Este serviço de referência para o atendimento ao paciente HIV positivo funciona desde 1990 e já atendeu em todo este período 1.635 pacientes. O Ambulatório de Ginecologia/Infectologia com atendimento às pacientes HIV positivas funciona desde abril de 1995. A estratégia HAART foi lançada em 1996 e no Serviço de HIV/AIDS da FURG, foi introduzida em 1997 de forma paulatina e em 1999 a maioria dos pacientes ainda se encontrava utilizando biterapia.

Neste trabalho, compara-se pacientes HIV positivas/AIDS atendidas no período 1995 a 1999 com pacientes atendidas no período 2006 a 2007. O período 1995-1999 foi composto por 50 pacientes HIV positivas/AIDS, que foram acompanhadas no serviço entre esses anos. Destas mulheres, 58% (29) foram incluídas até 1996 e 42% (21) foram incluídas de 1997 a 1999. No segundo período 2006-2007, foram entrevistadas 120 pacientes.

Além da entrevista, todas as pacientes dos dois períodos fizeram exame citopatológico. Embora essas pacientes fossem recomendadas a retornar ao Ambulatório a cada seis meses para acompanhamento, só o primeiro exame foi considerado neste estudo. Com esses valores, 50 pacientes no primeiro período e 120 no segundo período e tomando como parâmetro um nível de confiança de 95%, a amostra estudada teve um poder de 80% ou mais para encontrar diferenças de 25% ou superiores, entre os períodos, considerando prevalências que variassem de 70 e 50% no primeiro período e de 25 a 50% no segundo.

A presença de LIEC foi avaliada mediante a realização do exame citopatológico. Foi utilizado o Sistema Bethesda24 que estabelece as seguintes categorias: a) Normalidade; definida pela ausência de atipias ou discariose; b) Presença de reação inflamatória; c) Lesões escamosa de baixo grau que inclui displasia leve e presença de HPV (pelos critérios clássicos: coilocitose, disceratose, célula condilomatosa; pelos critérios não clássicos: disceratose discreta, bi ou multinucleação, células de citoplasma amplo e claro, paraceratose, entre outros); d) Lesões escamosas de alto grau, compostas por displasia moderada, displasia severa, carcinoma in situ; e) Células escamosas atípicas: de significado indeterminado (Atypical Squamous Cells Undetermined Significance – ASCUS); f) Presença de carcinoma invasor. Para fins de análise, as categorias “c-f” foram agrupadas.

Como no período 1995-1999 não era usada a classificação de Bethesda neste Serviço de Saúde, para fins de comparação, as prevalências de LIEC em 2006-2007 foram calculadas de três formas diferentes: incluindo os ASCUS como displasia; incluindo os ASCUS como resultado apenas inflamatório e excluindo os casos de ASCUS das análises.

Nos dois períodos, procedeu-se da mesma forma. As pacientes encaminhadas ao ambulatório de ginecologia eram previamente abordadas para saber se aceitavam participar da pesquisa. No estudo de 2006-2007 foi incluído também um termo de consentimento informado. Havendo concordância, era aplicado, pela pesquisadora, um questionário específico, com questões sócio-demográficas, de hábitos e costumes e laboratoriais. A continuação a paciente passava à consulta onde era realizada a anamnese e exame clínico, ginecológico/obstétrico, seguindo as normas do Serviço de Ginecologia/Obstetrícia. No transcorrer do exame ginecológico, era efetuada a coleta do material para o exame citopatológico. Os esfregaços cervicais obtidos foram corados pela técnica de Papanicolaou. Também era estudada a flora vaginal existente. A interpretação das lâminas foi realizada nas duas oportunidades pela mesma citopatologista.

Como controle de qualidade, 42% dos exames do estudo 2006-2007 foram vistos por uma segunda citopatologista, que não conhecia os diagnósticos da primeira.

Nos dois períodos, foram obtidas também informações sócio-demográficas (idade, cor e estado civil), comportamentais (fumo, idade da primeira relação sexual), forma de transmissão do HIV e número de células CD4 por µl (linfócitos T CD4) presentes em período próximo a entrevista da colheita de dados. Essa contagem foi feita pela técnica de citometria de fluxo, pelo Laboratório de Carga Viral do Hospital Universitário da FURG.

Quando foram detectadas leões pré-neoplásicas ou neoplásicas a paciente era submetida a colposcopia e biópsia. Havendo confirmação do diagnóstico pelo anatomopatológico, a paciente era submetida a tratamento cirúrgico, seguindo o protocolo correspondente.

Os dados coletados foram introduzidos em um banco específico construído no Epi Info versão 6.045. Após duas digitações independentes, os dados foram corrigidos em termos de erros de amplitude e consistência. Logo a seguir foram traduzidos para o Stata 9.025. A análise estatística consistiu no cálculo das prevalências para as variáveis categóricas e no cálculo das médias e desvios padrões para as variáveis contínuas. As diferenças quanto à presença de LIEC e as outras variáveis foram analisadas estatisticamente pela prova do qui quadrado. Nas situações em que o número de casos esperados não cumpria com os critérios para este teste, foi utilizado o teste exato de Fisher. Para avaliar a diferença entre variáveis contínuas foi utilizado o teste “t” de Student. Para todos os testes estatísticos foi adotado um ponto de corte de 0,05, bicaudal. O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição.

 

RESULTADOS

No período 1995-1999, foram identificadas 56 pacientes HIV/AIDS positivas. Todas as pacientes convidadas aceitaram participar do estudo, não havendo recusas. Seis pacientes não fizeram o exame citopatológico, permanecendo para análise 50. No período 2006-2007, das 140 pacientes identificadas no transcorrer da coleta de dados, quatro pacientes já tinham sido submetidas à histerectomia e uma paciente tinha um cisto congênito de vagina que impedia a visualização do colo do útero e a coleta de exame citopatológico; essas (3,6%) pacientes foram excluídas do estudo. Das 135 restantes, quatro (3%) se recusaram a participar do estudo e 11 (8,1%) não conseguiram realizar o exame citopatológico. Assim o total de perdas foi de 15 (11,1%) pacientes.

Na Tabela 1 estão apresentadas as prevalências de LIEC entre os dois grupos. Quando se considera o diagnóstico de ASCUS como possível LIEC, a diferença chega a 23% (66% vs 43,3%, p=0,007), representando uma redução no período estudado de 35%. Na simulação em que se considera a categoria ASCUS como inflamatório a redução foi de 28% (66% vs 38,3%, p=0,001). Na última simulação realizada, ao excluir os diagnósticos com ASCUS a diferença seria de 26% (66% vs 40,4%, p=0,002). Com respeito às lesões de alto grau, houve uma diferença de 6,8% entre os períodos, mas não foi significativa. Não foi registrado nenhum caso de lesão glandular ou carcinoma invasor nos períodos estudados.

 

 

Conforme a Tabela 2, pode se observar que houve uma mudança significativa no que se refere às idades das pacientes HIV-I positivas atendidas no serviço entre os dois períodos. Comparado com 1995-1999, onde 26% das mulheres estudadas tinham idade maior que 31 anos, em 2006-2007 esta categoria chegou a 45,8% (p=0,042). Também se observa uma diferença significativa na cor da pele das mulheres HIV-I positivas atendidas no Serviço. Enquanto em 1995-1999, 6,7% eram de cor não branca, em 2006-2007, 32,5%, apresentavam esta característica, um aumento de mais de 300%. A tabela também mostra uma mudança no estado civil, com um aumento das mulheres com companheiro (39,6% vs 61,7%) e uma redução das solteiras (43,8% vs 20%).

 

 

Nos hábitos e costumes, pode ser observada uma mudança com o fumo. Em 1995-1999, haviam 58,1% de fumantes, 4,7% de ex-fumantes e 37,2% de não fumantes. Já em 2006-2007, a categoria fumante passou para 38,3% (redução de 35%), a de ex-fumantes aumentou para 15% (aumento de 200%) e a de não fumantes aumentou para 46,7% (variação de 27%). A idade da primeira relação sexual mostrou uma discreta redução entre 1995-1999 e 2006-2007 na categoria menos de 15 anos (6,4%), na categoria 21 anos ou mais (5,2%) e aumento na categoria 15 a 20 anos (11,5%), mas a diferença não foi significativa. No que se refere à forma de transmissão, observa-se um incremento do grupo heterossexual, passando de 86,8% para 95,3%, com um valor de p limítrofe (p=0,06).

Com respeito à flora vaginal, observa-se que na comparação dos dois períodos não houve mudança significativa entre os diversos patógenos, e a prevalência total para a flora patogênica foi de 31% no primeiro período e 34% no segundo.

Na situação imunológica, percebe-se uma diferença importante no valor do CD4 no momento do diagnóstico da LIEC. Em 1995-1999 a média do grupo estudado situou-se em 275,71 cel/µl, enquanto em 2006-2007 essa medida subiu para 469,79 (p=0,001). Isto determina uma diferença de 175 cel/µl, equivalente a um aumento maior que 70%.

 

DISCUSSÃO

Ao analisar os resultados obtidos no período de 1995-1999 e comparando os mesmos com os obtidos em 2006-2007 observa-se que houve uma redução da presença de LIEC (66% vs 43,3%) no citopatológico das pacientes HIV-I positivas no último período, e que entre os fatores relacionados a essa diminuição encontram-se os níveis mais altos de CD4, provavelmente relacionados ao uso de HAART.

Como limitações metodológicas pode se assinalar em primeiro lugar que o estudo foi de demanda, não podendo, portanto, representar a totalidade das mulheres HIV-I positivas. Mas como o Serviço estudado é de referência, representa as mulheres HIV/AIDS atendidas em serviço de saúde especializado. Em segundo lugar devem ser consideradas as perdas ocorridas. Houve 10% de perdas em 1995-1999 e 11% em 2006-2007, valores limites para supor que não tenham afetado os resultados de forma expressiva. Considerando essas limitações, este estudo encontrou uma diferença importante e significativa na prevalência de LIEC, 66% em 1995-1999 vs 43,3% em 2006-2007. As prevalências encontradas em outros estudos situam-se próximas aos atuais achados14. O percentual de ASCUS encontrado (5%) também está dentro do valor esperado6.

Como em 1995-1999 não foi utilizada a categoria ASCUS, foram feitos cálculos de prevalência considerando varias possibilidades. Inicialmente consideraram-se as atipias de significado indeterminado (ASCUS) dentro do grupo das LIECs, obtendo-se a prevalência assinalada de 43,3%. As outras prevalências encontradas foram 38,3% (com ASCUS considerado não LIEC) e 40,4% (com casos de ASCUS excluídas da análise), mantendo-se a diferença significativa com respeito a 1995-1999; ou seja que independente da forma que foi tratada essa categoria, a redução significativa entre os períodos sempre existiu.

O aumento das médias do CD4 no estudo de 2006-2007 demonstra a melhora do estado imunológico dessas pacientes, evidenciando-se o provável efeito da terapia HAART na diminuição da presença de LIEC, como veremos mais adiante. Gingues and Gill8, referem importante redução nos casos de câncer/displasia cervical após a era HAART, de 24 casos por 1.000 pacientes/ano no período pré-HAART para 4 casos por 1.000 pacientes/ano na era HAART em Southern Alberta, Canadá. Isto também foi observado por Heard e colaboradores10 ao estudar pacientes HIV-I positivas, que recebiam terapia antiretroviral, por 5 meses. Por outro lado, Levi e cols14questionam se com o uso da terapia antiretroviral e maior sobrevida das pacientes, LIECs não terão mais tempo para progredir e se isso acontecer, esses autores questionam se poderá ocorrer um aumento da incidência de ca in situ e de carcinoma invasor nas pacientes HIV-I positivas que recebem HAART.

Além do efeito da terapia, a diminuição da presença de LIEC pode estar relacionada com a diminuição de pacientes tabagistas e aumento de pacientes ex-fumantes uma vez que o fumo é importante co-fator para o desenvolvimento de LIEC, como mostram vários estudos4 17 23. Neste estudo, houve uma mudança na proporção nas categorias de fumo entre os dois períodos.

Outros fatores sofreram mudanças entre os dois períodos, além do fumo. Comparando o período 1995-1999 com o segundo período, observou-se que neste último as pacientes tendem a ser mais velhas, que houve um aumento do número de pacientes não brancas e com companheiro. Não houve diferença significativa na idade da primeira relação sexual e na flora vaginal encontrada nos dois períodos quando se procedeu à análise bivariada.

Um aspecto importante na discussão dos resultados é o período do início da HAART e o período acompanhado 1995-1999, uma vez que se sobrepõem. Das 50 pacientes estudadas no Serviço de Ginecologia/Obstetrícia, nesse primeiro período, apenas 21 ingressaram a partir de 1997. Como a estratégia HAART foi introduzida no Serviço de HIV/AIDS da FURG nesse ano e sua implantação foi realizada de forma progressiva, a maioria das pacientes encontrava-se em uso de biterapia. Deve ser considerado também que a vinda ao ambulatório ocorre com periodicidade variável e que nem sempre as pacientes aderem ao tratamento. Considerando todos estes pontos, pode-se concluir que a possibilidade de que pacientes do período 1995-1999 estivessem expostas a HAART é muito pequeno. A relação entre os dois períodos com a introdução da HAART e o efeito na diminuição das LIECs se fortalece ainda mais, quando se observa que o nível de CD4 no segundo período foi 70% maior que o do primeiro período. Supondo que uma parte das pacientes de 1995-1999 estivesse em uso de HAART, o efeito na redução das LIECs seria um pouco menor do que o encontrado.

A terapia HAART seria, portanto, um dos fatores de melhora do estado imunológico das pacientes HIV-I positivas, fato que provavelmente contribuiu para a diminuição de patologia cervical. Não podem ser afastados outros fatores de risco que mostraram mudança temporal favorável à diminuição das LIECs, conforme evidenciado neste artigo.

Com respeito à melhora da imunidade, também não pode ser afastado o efeito que um diagnóstico precoce da infecção por HIV possa ter tido no segundo período, uma vez que, atualmente, no atendimento obstétrico e no pré-natal, o teste do HIV é feito de forma rotineira, o que não acontecia anteriormente.

As medidas de Saúde Pública que possibilitam o uso de terapêuticas que seguem bons protocolos têm trazido evidentes benefícios às mulheres infectadas pelo HIV-1, propiciando melhora na qualidade de vida e diminuindo as taxas de LIEC, que ainda são muito altas.

A questão que nos desafia no manejo dessas pacientes, é a necessidade de um acompanhamento mais regular que permita a realização de exames para confirmação dos achados sinalizados pela citopatologia e tratar precocemente essas lesões. Também é importante incentivar campanhas de educação em saúde que abordem mudanças de comportamento no que se refere à infecção pelo HIV/AIDS e naquelas mulheres já infectadas, a remoção dos fatores de risco associados às LIECs.

 

AGRADECIMENTOS

À Drª Jane Edactel Alves Rodrigues por gentilmente ter aceito realizar a releitura dos exames citopatológicos para controle de qualidade.

 

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 Endereço para correspondência: 
Dra. Regina Maria Carvalho Gonçalves
Rua Anunziato Filho 2435, Bairro Jardim do Sol
96216-140 Rio Grande, RS
Tel: 55 53 2125-3065
e-mail: reginamcg50@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 04/06/2008
Aceito em 14/01/2009