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Perfil antigênico do vírus da raiva isolado de diferentes espécies de morcegos não hematófagos da Região de Presidente Prudente, Estado de São Paulo

Avelino AlbasI; Edson Aroldo Novaes de SouzaI; Rúbia Anzolin LourençoI; Silvana Regina FavorettoII; Miriam Martos SodréIII

IAgência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, Pólo da Alta Sorocabana, Presidente Prudente, SP IILaboratório de Virologia Clínica e Molecular, Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP IIICentro de Controle de Zoonoses, Prefeitura de São Paulo, SP

DOI: 10.1590/S0037-86822009000100004


RESUMO

O Laboratório de Virologia Clínica e Molecular do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, utilizando-se da técnica de anticorpos monoclonais, tipificou 18 amostras de vírus rábico provenientes de morcegos não hematófagos de várias espécies provenientes da Região de Presidente Prudente, SP, Brasil. Destas amostras, 15 (82,3%) foram definidas como variante 3 (compatível com amostras isoladas de morcegos Desmodus rotundus) e 3 (16,7%) como variante 4 (compatível com amostras isoladas de morcegos Tadarida brasiliensis).

Palavras-chaves: Raiva. Anticorpos monoclonais. Tipificação antigênica. Morcegos.


ABSTRACT

Using the monoclonal antibody technique, the Clinical and Molecular Virology Laboratory of the Institute of Biomedical Sciences of the University of São Paulo typed 18 rabies virus samples from non-hematophagous bats of several species from the region of Presidente Prudente, SP, Brazil. Among these samples, 15 (82.3%) were defined as variant 3 (compatible with samples isolated from Desmodus rotundus bats) and three (16.7%) as variant 4 (compatible with samples isolated from Tadarida brasiliensis bats).

Key-words: Rabies. Monoclonal antibodies. Antigen typing. Bats.


 

 

Segundo dados da Organização Panamericana de Saúde (OPAS)14, os morcegos (hematófagos ou não) já ocupam o segundo lugar quanto à transmissão da raiva ao homem, sendo superados apenas pelos cães. Albas e cols1 realizaram estudo da presença do vírus rábico na Região de Presidente Prudente, SP, no período de 1996 a 2003 e detectaram a presença de 74 amostras positivas, sendo que destas, 58 (78,4%) foram referentes a morcegos não hematófagos.

Há muitos anos que a Região de Presidente Prudente mantinha estado de zona silenciosa com relação à raiva, sem apresentar casos positivos da doença, seja em animais ou pessoas. Porém, uma mulher de 53 anos de idade no município de Dracena, veio a óbito por raiva, com uma história epidemiológica de agressão por gato que havia tido contato com morcego. A tipificação antigênica resultou em variante 3 do Desmodus rotundus (morcego hematófago) que provavelmente, transmitiu o vírus a um morcego não hematófago, que por conseguinte, transmitiu ao gato, visto que esta variante tem sido isolada de inúmeras espécies envolvendo morcegos não hematófagos, cães, gatos e herbívoros12.

Desde 1995, o laboratório do Pólo da Alta Sorocabana foi credenciado pelo Ministério da Saúde a fim de realizar o diagnóstico laboratorial da raiva para, aproximadamente, 53 municípios que compõem a 10ª Região Administrativa do Estado de São Paulo. Presidente Prudente é a sede administrativa dessa região, e geograficamente localiza-se a Sudoeste de São Paulo, latitude 22º07’04” e longitude 51º22’57”.

Os estudos sobre a antigenicidade do vírus da raiva têm contribuído muito na vigilância epidemiológica e, neste sentido, vários pesquisadores têm feito novas descobertas utilizando-se do teste de anticorpos monoclonais, tanto na América Latina e Caribe4 5 19 22, como no Brasil6 7 9 15 17.

Portanto, neste trabalho, os autores tiveram como objetivo estudar o perfil antigênico do vírus rábico em diferentes espécies de morcegos não hematófagos que foram encaminhados ao laboratório do Pólo da Alta Sorocabana para diagnóstico laboratorial cujos resultados foram positivos.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Amostras para exame e testes para diagnóstico laboratorial da raiva. As amostras para exame foram provenientes de morcegos não hematófagos encaminhados ao laboratório da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), Pólo da Alta Sorocabana de Presidente Prudente, SP. Foram utilizados fragmentos do sistema nervoso central para o preparo de lâminas e inóculos. Para o diagnóstico laboratorial da raiva, empregou-se o teste de imunofluorescência direta, conforme descrito por Dean & Abelseth3 e a prova biológica (inoculação em camundongos) de acordo com o método preconizado por Koprowski11, ambas as técnicas são recomendadas pela Organização Mundial da Saúde.

Caracterização antigênica. Foi utilizado um painel com oito anticorpos monoclonais anti-nucleoproteína fornecidos pelo CDC (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA, USA), para tipificação antigênica das cepas de vírus rábico isoladas nas Américas. Cada Amostra foi testada frente a esse painel pelo menos duas vezes, em lotes e dias diferentes para verificar a reprodutibilidade da caracterização5 6.

Identificação e classificação das espécies de morcegos. Utilizou-se algumas chaves dicotômicas onde as características externas e morfométricas de cada grupo são analisadas, tais como: tamanho de antebraço, cabeça-corpo, orelha, membrana interfemural, arcada dentária, cor de pelo, presença ou não de apêndice nasal e de outras estruturas que possam distinguir cada espécie8 13 20 .

 

RESULTADOS

Foram analisadas 18 amostras positivas para raiva, provenientes de morcegos não hematófagos, usando-se para tal, a técnica de anticorpos monoclonais. Destas, 15 (83,3%) foram definidas como variante 3 (compatível com amostras isoladas de morcegos Desmodus rotundus) e 3 (16,7%) como variante 4 (compatível com amostras isoladas de morcegos Tadarida brasiliensis). Quanto às espécies de morcegos positivas, houve predominância do gênero Artibeus com 13 amostras, representando 72,2% do total e todas elas foram portadoras da variante 3 (Tabela 1).

 

 

DISCUSSÃO

Nos últimos anos, os casos de raiva em morcegos tem aumentado em São Paulo e outros estados do Brasil1 2 18 21 alertando os órgãos oficiais responsáveis pela vigilância epidemiológica para possíveis riscos de contágio de animais e pessoas. A tipificação antigênica do vírus tem sido importante instrumento de controle desta doença.

Favoretto e cols6 realizaram tipificação antigênica de amostras brasileiras do vírus rábico isolado de animais e humanos no período de 1989 a 2000 e detectaram maior variabilidade entre as amostras isoladas de morcegos insetívoros e a variante mais comum isolada entre as espécies foi a variante 3 (Desmodus rotundus), observação esta, que corrobora com os resultados encontrados na Região de Presidente Prudente.

A variante 3 tem sido identificada em várias espécies animais, principalmente cães, gatos e bovinos10 15 17. Smith20 recomenda especial atenção ao morcego Desmodus rotundus que mantém o vírus em espécies animais terrestres. No caso da morte de uma pessoa na Região de Presidente Prudente em 2001, após exaustiva investigação epidemiológica, concluiu-se que a vítima adquiriu a doença pela agressão de um gato, que deve ter adquirido o vírus de um morcego não hematófago, que por conseguinte deve ter adquirido do Desmodus rotundus, uma vez que a tipificação do vírus que vitimou a mulher foi da variante 312 .

O estudo realizado na Região de Presidente Prudente identificou apenas a variante 3 (Desmodus rotundus) e variante 4 (Tadarida brasiliensis). Todas as amostras referentes ao gênero Artibeusforam portadoras da variante 3, resultado esse, que corrobora o encontrado por Delpietro e cols4. Foram analisadas somente amostras provenientes de morcegos não hematófagos porque representam a maioria absoluta de materiais encaminhados para diagnóstico laboratorial1. Os resultados encontrados reforçam a necessidade dos órgãos responsáveis pelo controle da raiva na região concentrar esforços no sentido de encaminhar maior número possível de amostras para análise laboratorial, uma vez que, o vírus rábico se faz presente na região, principalmente em morcegos não hematófagos que têm contatos diretos com animais domésticos e pessoas, submetendo os mesmos ao risco de contágio.

 

REFERÊNCIAS

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 Endereço para correspondência: 
Dr. Avelino Albas
Rua Fernão Sales 555
19570-000 Regente Feijó, SP
Telefax: 55 18 3222-8688
e-mail: avealbas@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 15/05/2008
Aceito em 03/02/2009
Apoio financeiro: FAPESP, processo nº 05/59818-6