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Viabilidade, confirmação taxonômica e detecção enzimática de espécies de Acremonium preservadas sob óleo mineral na Coleção de Culturas University Recife Mycology

Suellen Carvalho de Moura Braz; Cristina Maria de Souza Motta; Débora Maria de Lima Massa; Rejane Pereira Neves; Oliane Maria Correia Magalhães

Departamento de Micologia, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE

DOI: 10.1590/S0037-86822009000100013


RESUMO

Enzimas hidrolíticas secretadas por fungos têm um papel importante na patogenicidade das infecções. Objetivando avaliar a atividade enzimática foram testados 31 isolados de Acremoniummantidos na Coleção de Culturas University Recife Mycology. Fragmentos das culturas foram transferidos para caldo glicosado para reativação e posterior crescimento em meio ágar batata dextrose, para verificar viabilidade, pureza e confirmação taxonômica pela observação das características macroscópicas e microscópicas. Para detecção enzimática foram utilizados substratos de caseína do leite e gelatina para protease, amido para amilase e lecitina de soja para fosfolipase. Das 31 culturas, 26 (83,9%) mantiveram-se viáveis e 24 (92,3%) foram confirmadas taxonomicamente. Das 24 culturas, 12 (50%) apresentaram atividade proteásica, duas (16,7%) em caseína do leite, uma (8,3%) em gelatina e nove (75%) em ambos os substratos; 16 (66,7%) degradaram amido. Nenhuma cultura apresentou atividade fosfolipásica. Conclui-se que espécies de Acremonium são capazes de produzir enzimas envolvidas na patogenicidade das infecções fúngicas.

Palavras-chaves: Acremonium. Protease. Amilase. Fosfolipase.


ABSTRACT

Hydrolytic enzymes secreted by fungi play an important role in the pathogenesis of infection. With the aim of evaluating the enzymatic activity, 31 isolates of Acremonium stored in the University of Recife Mycology (URM) Culture Collection were tested. Culture fragments were transferred to glycoside broth for reactivation and further growth in potato dextrose agar medium in order to investigate viability and purity and to confirm the taxonomy through observing the macroscopic and microscopic characteristics. To detect enzymes, milk casein and gelatin were used as substrates for proteinase, starch for amylase and soy lecithin for phospholipase. Among the 31 cultures, 26 (83.9%) remained viable and 24 (92.3%) were confirmed taxonomically. Out of these 24 cultures, 12 (50%) presented proteinase activity, of which two (16.7%) were on milk casein, one (8.3%) on gelatin and nine (75%) on both substrates; 16 (66.7%) degraded starch. None of the cultures presented phospholipase activity. It was concluded that Acremonium species are able to produce enzymes that are involved in the pathogenicity of fungal infections.

Key-words: Acremonium. Proteinase. Amylase. Phospholipase.


 

 

O gênero Acremonium compreende sapróbios do solo dispersos no meio ambiente que podem ocasionar patologias em humanos como agentes etiológicos de micoses oportunistas e subcutâneas5. Nos últimos anos, o número e a diversidade de infecções causadas por espécies de Acremonium têm aumentado8, sendo também crescente o número de espécies citadas como agentes de infecções localizadas e disseminadas em pacientes com condições predisponentes como doença de Addison’s, neutropenia, imunossupressão e abuso de drogas intravenosas, entre outras1 5 8.

De acordo com Hoog e cols9 Acremonium curvulum foi relatado em endoftalmites, Acremonium kiliense em endoftalmites, hialohifomicoses, micetomas, ceratites, endocardites, peritonites e Acremonium strictum em peritonites e infecções pulmonares e invasivas em pacientes com neutropenia.

Fungos secretam muitas enzimas hidrolíticas em meios de cultura. Essas enzimas têm um papel importante no metabolismo fúngico, podendo estar envolvidas na patogenicidade da infecção, causando danos para as células hospedeiras e provendo nutrientes em um ambiente restrito15 17.

Diante disto, o objetivo do presente estudo foi verificar a atividade enzimática de espécies de Acremonium mantidas na Coleção de Culturas University Recife Mycology (URM).

 

MATERIAL E MÉTODOS

Culturas. Foram testadas um total de 31 culturas de Acremonium preservadas sob óleo mineral22estocadas de 1964 a 2005 na Coleção de Culturas URM do Departamento de Micologia, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Pernambuco (Tabela 1).

Reativação. Fragmentos das culturas preservadas foram transferidos para caldo glicosado e mantidos a 28ºC ± 2ºC. Após crescimento foram transferidas para ágar batata dextrose (BDA) para verificar viabilidade, pureza e confirmação taxonômica.

Confirmação taxonômica. Foram utilizadas características macroscópicas e microscópicas de acordo com Domsch e Gams4, Gams6 e Hoog e cols9.

Atividade enzimática. Após sete dias de crescimento de culturas de Acremonium em BDA, discos de cinco milímetros de diâmetro foram retirados e inoculados centralmente nos meios específicos para cada enzima.

Protease. A detecção de protease foi realizada utilizando caseína do leite e gelatina como substratos de acordo com Lacaz e cols12. O diâmetro da zona transparente ao redor das colônias em caseína do leite foi mensurado para determinar a zona de atividade (ZA). Para interpretação foram considerados: ZA entre 0.9 e 1 (+) muito fraca, 0.89-0.80 (++) fraca, 0.79-0.70 (+++) forte e ZA menor que 0.69 (++++) muito forte segundo Serda e col21 que adaptaram a interpretação do método de Price e cols16. De acordo com esse sistema, uma ZA fraca significa uma alta expressão da enzima, enquanto uma ZA forte indica baixa expressão.

Amilase. O meio de cultura ágar Czapek, modificado segundo Cordeiro Neto e cols3 recebeu os seguintes tratamentos: a) meio controle negativo (CN) sem fonte de carbono (NaNO3 3g, MgSO40,5g, FeSO4 + 7H2O 0,01g, K2HPO4 1g, ágar 16g e água destilada 1.000mL); b) meio controle positivo (CP) (meio CN adicionado de 10g de glicose); c) meio A (meio CN adicionado de 10g de amido). Após 15 dias a 28ºC ± 2ºC, a taxa de crescimento das espécies de Acremoniuminoculadas em meio A foi comparada com a taxa observada nos meios CN e CP, utilizando a fórmula Tx = A x 100/G, onde A representa o diâmetro da respectiva colônia no meio A, e G representa o diâmetro da colônia no meio CP, onde o crescimento é considerado de 100%.

Fosfolipase. A detecção de fosfolipase foi realizada de acordo com Price e cols16.

 

RESULTADOS

Viabilidade e confirmação taxonômica. Das 31 culturas de Acremonium preservadas sob óleo mineral, 26 (83,9%) permaneceram viáveis e cinco (16,1%) (URM1929, URM3190, URM3563, URM3652, URM3785) inviáveis devido ao não crescimento em caldo glicosado e em BDA contido em tubos. Das 26 culturas viáveis 24 (92,3%) foram confirmadas taxonomicamente por apresentarem estruturas reprodutivas características de cada espécie4 6 9.

Protease. Das 24 culturas testadas, 12 (50%) foram protease positivas, com nove (75%) apresentando atividade em ambos os substratos, duas (16,7%) (URM3530, URM4029) degradando apenas o substrato de caseína do leite e uma (8,3%) (URM2765) apenas o substrato de gelatina (Tabela 1). Destas 11 culturas, três apresentaram ZA entre 0,93 e 0,97 (muito fraca), três com ZA entre 0,88 e 0,82 (fraca), quatro apresentaram ZA entre 0,75 e 0,72 (forte) e uma cultura (URM3070) demonstrou produção de protease muito forte com ZA=0,59.

Amilase. A taxa de crescimento de 16 (66,7%) das 24 culturas de Acremonium testadas apresentaram valor igual ou superior a 100%, indicativo de atividade amilolítica.

Fosfolipase. Neste estudo, nenhuma das culturas apresentou atividade fosfolipásica.

 

DISCUSSÃO

Os resultados demonstram que espécies de Acremonium preservadas sob óleo mineral em coleções de cultura mantêm a viabilidade com estruturas reprodutivas após longos períodos de estocagem. Rodrigues e cols18 obtiveram 100% de viabilidade de 14 culturas de Acremoniumpreservadas pelo método de água destilada esterilizada proposto por Castelanni2 por seis a 24 meses, demonstrando a eficácia da preservação de culturas de Acremonium por ambos os métodos.

Mahgoub14, estudando amostras de Acremonium kiliense como agentes de eumicetomas, verificou que a maioria das amostras apresentou atividade proteásica positiva ou fraca em meio contendo caseína do leite como substrato e negativa em gelatina. Esses resultados discordam dos obtidos neste trabalho, uma vez que uma das três culturas de Acremonium kiliense (URM3758) foi positiva em ambos os substratos.

A atividade proteásica tem um importante papel na patogenicidade de fungos oportunistas21, sendo a produção por fungos patógenos reconhecida como um importante fator de virulência11 20. Acredita-se que o papel fisiológico das proteases durante a colonização do hospedeiro ocorre pela degradação das barreiras da pele e mucosa, digestão das proteínas para obtenção de nutrientes e ataque dos linfócitos e macrófagos, afetando a defesas imunes10.

Segundo Mahgoub14, espécies de Acremonium kiliense isoladas de amostras clínicas de eumicetomas não são capazes de hidrolisar amido, estando estes resultados divergindo dos obtidos no presente trabalho, onde três amostras desta espécie (URM2459, URM3758, URM5131) apresentaram-se capazes de produzir amilase.

Fosfolipídios e proteínas são os principais constituintes químicos da membrana da célula do hospedeiro. Conseqüentemente, enzimas capazes de hidrolisar essas classes químicas, como fosfolipases e proteases, estão envolvidas no processo de ruptura da membrana celular19.

Na literatura não foram encontradas citações de produção de fosfolipase por espécies de Acremonium, contudo, a observação de que a fosfolipase também é relatada na virulência em fungos de interesse médico, semelhante a Candida albicans13 Aspergillus fumigatus7, faz com que essa enzima esteja envolvida na patogenicidade de infecções causadas por fungos.

Esta é a primeira vez que foram caracterizadas quanto à detecção de protease e amilase 24 culturas de Acremonium mantidas na Coleção de Culturas URM, demonstrando os diferentes padrões entre as mesmas culturas.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao RENNEBRA-CNPq/MCT (Processo 552410/2005-5) pelo suporte financeiro.

 

REFERÊNCIAS

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 Endereço para correspondência: 
Dra. Oliane Maria Correia Magalhães
Rua Oliveira Fonseca 350/Aptº101, Campo Grande
52040-250 Recife, PE
Fax: 55 81 2126-8480
e-mail: olimicomed@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 13/08/2008
Aceito em 10/12/2008
Suporte Financeiro: RENNEBRA-CNPq/MCT (Processo 552410/2005-5)