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Italo Rodrigues de Araujo Sherlock (*1936 †2009)

Geraldo Leite

Professor titular de Parasitologia, ex-Diretor da Escola Bahiana de Medicina e ex-Reitor da Universidade Estadual de Feira de Santana

DOI: 10.1590/S0037-86822009000300027


 

Perdeu o Brasil, em março último, um de seus maiores entomologistas: Ítalo Rodrigues de Araújo Sherlock.

No século passado, década de quarenta, o casal Deane e o Prof. Samuel Pessoa, percorrendo o nordeste do Brasil em viagem de estudo, chegaram a cidade de Sobral e tiveram conhecimento que ali existia um menino prodígio. Era um adolescente, de 14 anos, dotado de uma habilidade extraordinária para lidar com insetos e outros animais. Essa paixão pela investigação ele herdara do seu avô, o qual cultivava a mania de pesquisar tudo o que encontrava. Daí o nome de Sherlock, nome que passou para a família.

O casal Deane e O Prof. Samuel Pessoa procuraram o pequeno cientista e ele, com o entusiasmo dos predestinados, mostrou seu museu e suas coleções de insetos.

Os visitantes convidaram Ítalo para trabalhar com eles, e o menino prodígio deixou Sobral para exercer o mister de auxiliar de entomologista.

Ingressou na campanha contra a leishmaníase, ajudando os Deane em suas pesquisas, no interior do Ceará.

Depois, os Deane levaram Ítalo para São Paulo e conseguiram uma licença especial para que o jovem, apesar da pouca idade, realizasse um curso de entomologia na Universidade de São Paulo (USP).

Concluído o curso, Ítalo publicou seu primeiro trabalho científico, sob a orientação de Leônidas e Maria Deane.

De São Paulo, o jovem foi encaminhado para o Rio de Janeiro, onde frequentou o Instituto Oswaldo Cruz. No Instituto, conheceu o Dr. Otávio Mangabeira Filho, grande entomologista recém-chegado dos Estados Unidos. O Dr. Otávio Mangabeira Filho convidou Ítalo para vir para a Bahia.

Aqui chegando, ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, pela qual foi diplomado em 1963.

Após alguns cursos de pós-graduação, realizados em Salvador, Ítalo voltou para São Paulo e especializou-se em entomologia, na USP.

Durante o regime militar, o Prof. Samuel Pessoa, acusado de ser comunista, refugiou-se, com a esposa, na casa de Sherlock, em Salvador. Observando que Sherlock era um pesquisador e, como pesquisador, não tinha como se manter, Samuel Pessoa e sua esposa induziram-no a seguir uma especialidade clínico-cirúrgica. Assim impulsionado, Ítalo fez um curso de otorrinolaringologia e tornou-se, além de pesquisador, um profissional conceituado.

Em 1971, foi para Londres e especializou-se em Medical Entomology and Protozoology, na London School of Hygiene Tropical Medicine.

Nos anos de 1995, 1996 e 1997, fez o doutorado em Biologia Parasitária, na Fundação Oswaldo Cruz.

Como pesquisador titular do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, em Salvador, Ítalo desenvolveu intensa atividade científica, notabilizando-se como um dos maiores entomologistas do Brasil.

Dedicou-se, nas horas de lazer, à pintura (herança de seus pais, os quais também eram pintores, nas horas vagas). Produziu cerca de trinta telas artísticas, inclusive uma tela a óleo, intitulada Monalisa da Conceição Santos, exposta em 1988.

Ítalo é autor de 166 trabalhos científicos, 12 capítulos de livros e 195 trabalhos apresentados em congressos. Sua área de atuação era leishmaníases, esquistossomíase, peste e outras endemias tropicais.

Dentre seus trabalhos, ressalto os referentes ao levantamento dos triatomíneos e dos flebotomídeos da Bahia, os dos reservatórios silvestres do calazar, os da periodicidade epidêmica decenal da leishmaníase visceral, os da endemia canina do calazar e os da transmissão das leishmânias pelo Rattus rattus, Didelphys albiventris e Ripicephalus sanguineus.

Ítalo descobriu e descreveu várias espécies de flebótomos e de triatomíneos.

Muitos dos seus trabalhos tiveram repercussão internacional.

Perdemos assim, em 2009, um dos maiores pesquisadores do Brasil.