Home » Volumes » Volume 41 July/August 2008 » Distribuição geográfica de Lutzomyia (Nyssomyia) whitmani (Antunes & Coutinho, 1939) no Estado de Mato Grosso

Distribuição geográfica de Lutzomyia (Nyssomyia) whitmani (Antunes & Coutinho, 1939) no Estado de Mato Grosso

Nanci Akemi Missawa; Giovana Belém Moreira Lima Maciel; Hilda Rodrigues

Laboratório de Entomologia, Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso, Cuiabá, MT

DOI: 10.1590/S0037-86822008000400009


RESUMO

No Estado de Mato Grosso, 100% dos municípios apresentam registros de casos autóctones de leishmaniose tegumentar americana. O presente trabalho objetivou verificar a distribuição geográfica de Lutzomyia whitmani no estado. Mato Grosso possui três ecossistemas distintos, o cerrado, o pantanal e área de domínio amazônico. Os dados sobre a ocorrência de Lutzomyia whitmani foram obtidos a partir de relatórios de pesquisa entomológica realizados pelo Núcleo de Entomologia da Fundação Nacional de Saúde no período de 1996 a 2000 e de 2001 a 2006 pelo Laboratório de Entomologia da Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso. Foram realizadas pesquisas entomológicas em 83 (59,7%) dos 139 municípios de Mato Grosso. Lutzomyia whitmanifoi capturado em 70 (84,3%) municípios, com ampla distribuição em todos os tipos de vegetação.

Palavras-chaves: Lutzomyia whitmani. Leishmaniose tegumentar americana. Mato Grosso.


ABSTRACT

In the State of Mato Grosso, 100% of the municipalities have records of autochthonous cases of American cutaneous leishmaniasis. The present study had the aim of investigating the geographical distribution of the Lutzomyia whitmani in the state. Mato Grosso has three distinct ecosystems: the savannah, the marshland and the area of the Amazon domain. Data on occurrences of Lutzomyia whitmani were obtained from reports on entomological surveys carried out by the Entomology Group of the National Health Foundation between 1996 and 2000 and by the Entomology Laboratory of the Mato Grosso State Health Department between 2001 and 2006. Entomological surveys were performed in 83 (59.7%) of the 139 municipalities of Mato Grosso. Lutzomyia whitmani was caught in 70 (84.3%) municipalities, with widespread distribution in all types of vegetation.

Key-words: Lutzomyia whitmani. American tegumentary leishmaniasis. Mato Grosso.


 

 

A leishmaniose tegumentar americana (LTA) é uma zoonose de ambientes e de animais silvestres e encontra-se entre as seis doenças infecto-parasitárias de maior importância por representar um dos grandes problemas de saúde pública, devido ao crescente processo de urbanização5 9. É registrada em todos os estados do Brasil7, a região Centro-Oeste ocupa o terceiro lugar dentre as regiões brasileiras em incidência e o primeiro em crescimento da doença13. No Estado de Mato Grosso, 100% dos municípios apresenta registro de casos autóctones6 e segundo dados da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso, no período de 2002 a 2006 foram notificados 26.392 casos da doença.

Os insetos implicados na transmissão da LTA em Mato Grosso provêm de ecótopos diversos (Floresta Amazônica, Cerrado e Pantanal). A fauna flebotomínica é variada, sendo assinaladas no estado, espécies relevantes implicadas na transmissão da LTA no Brasil, como Lutzomyia flaviscutellata, Lutzomyia intermedia, Lutzomyia migonei, Lutzomyia umbratilis, Lutzomyia wellcomei Lutzomyia whitmani18.

Lutzomyia whitmani é considerado vetor da Leishmania (Viannia) braziliensis no nordeste, sudeste, centro-oeste e sul do Brasil, sendo também um vetor de Leishmania (Viannia) shawi no norte7 17 e de Leishmania (Viannia) guianenses na Amazônia17. É uma espécie de ampla distribuição na América do Sul23 e na região Centro-Oeste, Galati e cols11 observaram a antropofilia da espécie, destacando-a como prática exofílica. A espécie apresenta grande freqüência na mata e em galinheiros, sugerindo processo de adaptação ao ambiente antrópico16. É oportunista e possui ecletismo alimentar, ajustando seus hábitos à disponibilidade de hospedeiros nos ambientes antrópicos15. Segundo Souza e cols21Lutzomyia whitmani pode ser considerada totalmente adaptada a áreas urbanas, sendo capaz de se reproduzir nesses ambientes, e que a LTA pode ser transmitida tanto no peridomicílio quanto no intradomicílio.

O processo de urbanização da LTA está relacionado a vários fatores como as características ecológicas de cada região, a infectividade das espécies de Leishmanias e os hábitos dos flebotomíneos na transmissão da doença. No Estado de Mato Grosso, Ribeiro e cols19 estudaram flebotomíneos de interesse médico na área de influência da Usina de Manso, onde capturaram exemplares de Lutzomyia whitmani. Azevedo e cols3 pesquisaram no município de Peixoto de Azevedo, norte do estado, caracterizando 26 espécies de flebotomíneos característicos da região Amazônica, discutindo que a alta densidade de Lutzomyia whitmani poderia estar associada às modificações na cobertura da vegetação original e à plasticidade do vetor às novas condições ambientais, com atividade laboral voltada para a agricultura e mineração.

Rodrigues e cols20 realizaram pesquisa entomológica e de domiciliação na região centro-norte e centro-sul de Mato Grosso, onde constataram Lutzomyia whitmani no peridomicílio, em altas densidades. De Luca e cols8 estudaram a distribuição de flebótomos em Alta Floresta, região norte do estado, onde detectaram a espécie em remanescentes florestais e em áreas de pastagem.

Missawa e Maciel14 listaram 106 espécies de flebotomíneos no Estado de Mato Grosso e observaram que Lutzomyia whitmani ocorreu em áreas de floresta, cerrado e pantanal, assim como em trabalho de Ribeiro e Missawa18. A espécie apresentou ampla e uniforme distribuição, registrada em ambiente intra e peridomiciliar, sendo provavelmente a mais adaptada do estado18 20. Em Mato Grosso do Sul, a ínfima densidade de Lutzomyia whitmani numa área rural do pantanal sul-matogrossense, não indicou risco real de transmissão da LTA naquela área4.

O presente trabalho objetivou verificar a distribuição geográfica do principal vetor da LTA, Lutzomyia whitmani, no Estado de Mato Grosso, visando orientar as ações de prevenção e controle desta endemia.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O Estado de Mato Grosso (Figura 1) localiza-se na região centro oeste do país, apresenta área geográfica de 903.386,1km2 e é dividida em 139 municípios e o número de habitantes chega à 2.502.260. Possui três ecossistemas distintos, o cerrado, o pantanal e área de domínio amazônico. Grande parte de seu território é ocupada pela Amazônia Legal, sendo que o extremo sul do estado pertence ao Centro-Sul do Brasil. Tem como limites Amazonas e Pará, ao norte; Tocantins e Goiás, a Leste; Mato Grosso do Sul, ao Sul; Rondônia e Bolívia, a Oeste. Possui extensa rede hidrográfica, abrangendo grande parte das duas maiores bacias do Brasil, a Amazônica e a Platina. O clima é tropical quente e subúmido, com chuvas concentradas em janeiro, fevereiro e março e temperatura média anual varia de 24ºC a 42ºC. O estado é considerado a maior fronteira agrícola em expansão no Brasil e destaca-se também o turismo, pois a região é muito rica em recursos naturais10.

Os dados foram obtidos a partir de relatórios de pesquisa entomológica realizados pelo Núcleo de Entomologia da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) no período entre 1996 e 2000 e entre 2001 a 2006 pelo Laboratório de Entomologia da Gerência de Vigilância de Vetores e Antropozoonoses/Coordenadoria de Vigilância em Saúde Ambiental/Superintendência de Vigilância em Saúde/Secretaria Estadual de Saúde/Mato Grosso (GEVVAN/COVSAM/SUVSA/SES/MT) em municípios prioritários para a vigilância das leishmanioses. As coletas foram realizadas em levantamentos entomológicos realizados com armadilhas de luz CDC22 e o resultado qualitativo da distribuição espacial foi indicado por presença de Lutzomyia whitmani, ausência de Lutzomyia whitmani ou como município não pesquisado.

 

RESULTADOS

No período de estudo, foram realizadas pesquisas entomológicas para flebotomíneos em 83 (59,7%) dos 139 municípios do Estado de Mato Grosso. O principal vetor da LTA, Lutzomyia whitmani, foi capturado em 70 municípios, que corresponde a 84,3% dos municípios pesquisados, evidenciando uma ampla distribuição da espécie (Figura 2).

A relação entre o tipo de vegetação e a ocorrência de Lutzomyia whitmani evidencia a presença da espécie em todos os tipos de vegetação como áreas de floresta, cerrado e pantanal, incluindo zonas de transição.

 

DISCUSSÃO

Espécies de flebotomíneos relacionadas ao processo de urbanização e a transmissão da doença são encontradas em áreas alteradas como plantações de monoculturas, mas também no peridomicílio e no intradomicílio9. A expansão da doença para novas fronteiras, provavelmente se deva ao desmatamento das áreas situadas entre as grandes cidades, em função de implantação de diversos projetos de desenvolvimento6 12, enviesados por uma extensa rede de rodovias de acesso.

Costa e cols7 destacaram que Lutzomyia whitmani pode ser encontrado nas cinco regiões do Brasil, presentes em grande número de municípios dos Estados de Roraima, Acre, Tocantins e Mato Grosso do Sul, em associação com uma variedade de tipos de vegetação como florestas, cerrado e caatinga.

Entre as pesquisas entomológicas realizadas no Estado de Mato Grosso, Aguiar e Medeiros2apresentaram várias listas de flebotomíneos entre as quais, Lutzomyia whitmani foi considerada em processo de domiciliação e de ampla distribuição, particularmente pela sua adaptação a habitats menos especializados ou mais diversificados.

O conhecimento da ocorrência da LTA em todos os municípios do estado e a ampla distribuição deLutzomyia whitmani sugere que esta espécie possa estar envolvida no ciclo de transmissão da Leishmania (Viannia) braziliensis, visto que pesquisa com sondas de DNA, realizada por Andrade e cols1 demonstraram que o complexo Leishmania braziliensis é o grupo predominante infectando pacientes humanos no Estado de Mato Grosso.

A distribuição de Lutzomyia whitmani nos diferentes ecótopos de Mato Grosso reflete o entendimento sobre a cadeia de transmissão e seus diferentes perfis eco-epidemiológicos, importantes para direcionar as ações de controle da doença mais adequadas à situação local.

 

AGRADECIMENTOS

Aos técnicos do Laboratório de Entomologia da Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso pelos trabalhos de campo e de laboratório, e também pela amizade e agradável convivência.

 

REFERÊNCIAS

1. Andrade ASR, Fernandes O, Hueb M, Carvalho MLR, Fontes CJ, Melo MN. The use of radionuclide DNA probe technology for epidemiological studies of tegumentary leishmaniasis in Mato Grosso State. Brazilian Archives of Biology and Technology 48:201-204, 2005.         [ Links ]

2. Aguiar GM, Medeiros WM. Distribuição e Habitats. In: Rangel EF, Lainson R (eds) Flebotomíneos do Brasil, Editora Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, p. 207-255, 2003.         [ Links ]

3. Azevedo ACR, Souza NA, Meneses CRV, Costa WA, Lima JB, Rangel EF. Ecology of sand flies (Diptera: Psychodidae: Phlebotominae) in the north of State of Mato Grosso, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 97:459-464, 2002.         [ Links ]

4. Braga-Miranda LC, Miranda M, Galati EAB. Phlebotomine fauna in a rural area of the Brazilian Pantanal. Revista de Saúde Pública 40:324-326, 2006.         [ Links ]

5. Camargo LB, Langoni H. Impact of leishmaniasis on public health. Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases 12:527-548, 2006.         [ Links ]

6. Costa JML. Epidemiologia das leishmanioses no Brasil. Gazeta Médica da Bahia 75:3-17, 2005.         [ Links ]

7. Costa SM, Cechinel M, Bandeira V, Zannuncio JC, Lainson R, Rangel EF. Lutzomyia (Nyssomyia) whitmani s.l. (Antunes & Coutinho, 1939) (Diptera: Psychodidae: Phlebotominae): geographical distribution and the epidemiology of American cutaneous leishmaniasis in Brazil – Mini review. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 102:149-153, 2007.         [ Links ]

8. De Luca AS, Vasconcelos HL, Barrett TV. Distribution of sandflies (Diptera: Phlebotominae) in forest remnants and adjacent matrix habitats in Brazilian Amazonian. Brazilian Journal of Biology 63:401-410, 2003.         [ Links ]

9. Dias ES, França-Silva JC, Silva JC, Monteiro EM, Paula KM, Gonçalves CM, Barata RA. Flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) de um foco de leishmaniose tegumentar do estado de Minas Gerais. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 40:49-52, 2007.         [ Links ]

10. Ferreira JCV. Mato Grosso e seus municípios. Editora Buriti. Cuiabá/MT, 2001.         [ Links ]

11. Galati EAB, Nunes VLB, Dorval MEC, Oshiro ET, Cristaldo E, Espíndola MA, Rocha HC, Garcia WB. Estudo dos flebotomíneos (Diptera, Psychodidae), em área de leishmaniose tegumentar, no estado de Mato Grosso do Sul, Brasil. Revista de Saúde Pública 30:115-128, 1996.         [ Links ]

12. Leonardo FS, Rebêlo JMM. A periurbanização de Lutzomyia whitmani em área de foco de leishmaniose cutânea, no Estado de Maranhão, Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 37:282-284, 2004.         [ Links ]

13. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Manual de vigilância da leishmaniose tegumentar americana. Brasília, 2007.         [ Links ]

14. Missawa NA, Maciel GBML. List of species in the genus Lutzomyia, França, 1924 (Psychodidae, Phlebotominae) from the state of Mato Grosso. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 40:11-14, 2007.         [ Links ]

15. Muniz LHG, Rossi RM, Nietzke HC, Monteiro WM, Teodoro U. Estudo dos hábitos alimentares de flebotomíneos em área rural no sul do Brasil. Revista de Saúde Pública 19:1087-1093, 2006.         [ Links ]

16. Oliveira AG, Andrade Fº JD, Falcão AL, Brazil RP. Estudo dos flebotomíneos (Diptera, Psychodidae, Phlebotominae) na zona urbana da cidade de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil, 1999-2000. Cadernos de Saúde Pública 19:933-944, 2003.         [ Links ]

17. Rangel EF, Lainson R. Ecologia das leishmanioses. In: Rangel EF, Lainson R (eds) Flebotomíneos do Brasil, Editora Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, p.291-309, 2003.         [ Links ]

18. Ribeiro ALM, Missawa NA. Spatial distribution of phlebotomine species in the state of Mato Grosso, Brazil, in the period of 1996 to 2001. Entomología y Vectores 9:33-34, 2002.         [ Links ]

19. Ribeiro ALM, Oliveira RC, Miyazaki RD, Pignat WA. Inventário dos vetores da leishmaniose (Diptera: Psychodidae: Phlebotominae) em Área de Aproveitamento Múltiplo de Manso, Chapada dos Guimarães, Nobres, Rosário Oeste e Nova Brasilândia/Mato Grosso/Brasil (Dados preliminares). Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 35:313, 2002.         [ Links ]

20. Rodrigues H, Missawa NA, Costa LB, Lima GBM, Ramos SR, Moraes Filho VC, Souza CO, Ribeiro ALM, Silva AM, Barros IM. A interferência humana como fator de agravamento ambiental e a domiciliação dos vetores da leishmaniose tegumentar americana no estado de Mato Grosso, no período de 2001 e 2002. Revista da Abrasco 8: 414, 2003.         [ Links ]

21. Souza CM, Pessanha JE, Barata RA, Monteiro EM, Costa DC, Dias ES. Study on phlebotomine sand fly (Diptera: Psychodidae) fauna in Belo Horizonte, State of Minas Gerais, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 99:795-803, 2004.         [ Links ]

22. Sudia WA, Chamberlain RW. Battery-operated light trap: an improved model. Mosquitoes News 22:126-129, 1962.         [ Links ]

23. Young DG, Duncan MA. Guide to the identification and geographic distribution of Lutzomyiasand files in México, the West Indies, Central and South America (Diptera: Psychodidae). Associated Publishers American Entomological Institute. Florida, USA, 1994.         [ Links ]

 

 

 Endereço para correspondência:
Dra. Nanci Akemi Missawa
Laboratório de Entomologia/SES/MT
Av. Adauto Botelho s/nº, Parque da Saúde, Bairro Coophema
78085-200 Cuiabá, MT
Tel: 55 65 3661-2934
e-mail: nanci.am@terra.com.br

Recebido para publicação em 26/07/2007
Aceito em 07/07/2008