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Fauna de flebotomíneos (Diptera: Psychodidae) em um foco de leishmaniose tegumentar americana na área periurbana de Manaus, Estado do Amazonas

Maria das Graças Vale BarbosaI, II, III; Nelson Ferreira FéI; Alexandre Herculano Ribera MarciãoIV; Ana Paula Thome SilvaIV; Wuelton Marcelo MonteiroI, II, V; Jorge Augusto de Oliveira GuerraI, II

IGerência de Entomologia e Leishmaniose, Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, Manaus, AM IIEscola Superior de Ciências da Saúde, Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, AM IIICentro Universitário Nilton Lins, Manaus, AM IVFaculdade de Medicina, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM VSecretaria Estadual de Saúde do Amazonas, Manaus, AM

DOI: 10.1590/S0037-86822008000500010


RESUMO

No período de agosto de 2001 a julho de 2002, usando armadilhas CDC e Disney, realizaram-se coletas de flebotomíneos, na base de árvores no peridomicílio e nas matas da Comunidade São João, área periurbana de Manaus, Amazonas. Foram capturados 4.104 espécimes, pertencentes a quatro subtribos, 13 gêneros e 49 espécies da subfamília Phlebotominae. Predominou a subtribo Psychodopygina com 3.403 (83%) espécimes, destacando-se Nyssomyia umbratilis, Nyssomyia anduzei, Trichophoromyia eurypyga, Bichromomyia olmeca nociva e Bichromomyia flaviscutellata. O registro de Nyssomyia umbratilis e Nyssomyia anduzei, incriminadas como vetoras deLeishmania (Viannia) guyanensis, e de Bichromomyia flaviscutellata e Bichromomyia olmeca nociva, de Leishmania (Leishmania) amazonensis, indicam risco de infecção para os moradores da área. A grande maioria (98,5%) dos flebotomíneos foi capturada na área de mata. Nyssomyia anduzei e Bichromomyia olmeca nociva foram coletadas no peridomicílio. A riqueza de espécies vetoras de Leishmania nessa área revela a necessidade de uma vigilância entomológica constante.

Palavras-chaves: Phlebotominae. Leishmaniose tegumentar americana. Diversidade de espécies.


ABSTRACT

From August 2001 to July 2002, sand flies were collected from the bases of trees and, using CDC and Disney traps, from areas surrounding homes and forested areas in the São João community, on the urban periphery of Manaus, State of Amazonas. 4,104 specimens belonging to four subtribes, 13 genera and 49 species of the Phlebotominae subfamily were collected. The subtribe Psychodopygina predominated, with 3,403 (83%) specimens, especially of Nyssomyia umbratilis, Nyssomyia anduzei, Trichophoromyia eurypyga, Bichromomyia olmeca nociva and Bichromomyia flaviscutellata. The occurrences of Nyssomyia umbratilis and Nyssomyia anduzei, which have been incriminated as vectors for Leishmania (Viannia) guyanensis, and of Bichromomyia flaviscutellata and Bichromomyia olmeca nociva, for Leishmania (Leishmania) amazonensis, indicate that there is a risk of infection for people living in this area. Most (98.5%) of the sand flies were caught in the forested area. Nyssomyia anduzei and Bichromomyia olmeca nociva were collected from areas surrounding homes. The richness of vector species for Leishmania in this area shows the need for constant entomological surveillance.

Key-words: Phlebotominae. American cutaneous leishmaniasis. Species diversity.


 

 

A incidência da leishmaniose tegumentar americana (LTA) tem aumentado na América Latina, principalmente no Brasil, onde o número de casos chegou a 610.256, de 1980 a 2005. Nesse período, realizaram-se 226.252 notificações na Região Norte, representando 37,1% dos casos do Brasil, dos quais 50.740 (22,4%) ocorreram no Estado do Amazonas28. Neste estado, a incidência da LTA vem aumentando significativamente, acompanhando principalmente a instalação de novos núcleos residenciais em áreas onde previamente existia densa floresta tropical22.

No município de Manaus, onde se registra mais da metade dos casos de LTA do Estado do Amazonas10 22, há nítido predomínio da doença causada pela Leishmania (Viannia) guyanensis, cujo principal transmissor é Nyssomyia umbratilis, sendo Nyssomyia anduzei um vetor secundário3 19 20 24 30. A Leishmania (Leishmania) amazonensis é outro agente de LTA na região, cujos transmissores são Bichromomyia flaviscutellata e Bichromomyia olmeca nociva3 30. Neste município, principalmente na periferia, o grau de exposição dos indivíduos acometidos está relacionado diretamente a processos de ocupação desordenada ou às invasões10 22, Assim sendo, geralmente a LTA ocorre em lugares de assentamentos populacionais recentes2 10 13. Possivelmente a transmissão também ocorra no intra e peridomicílio na região periurbana e rural de Manaus, pela proximidade das residências com as áreas de floresta, que pode ser considerado como um padrão periflorestal2 10 21 23.

O processo de modificação ambiental, decorrente da ação antrópica alterou os habitats dos flebotomíneos, resultando num aumento do risco de transmissão da LTA, devido à adaptação de algumas espécies ao ambiente modificado. Na região Amazônica, foram realizados vários estudos enfatizando os aspectos biológicos, taxonômicos e ecológicos dos flebotomíneos, observando-se que as alterações ocorridas em áreas de floresta influenciam na composição e comportamento da fauna flebotomínica4 5 11 12 33.

Grande parte dos casos de LTA registrados em Manaus provém de áreas rurais adjacentes à rodovia AM-010, que liga o município de Manaus aos de Rio Preto da Eva e Itacoatiara e à BR-174, que liga Manaus ao município de Presidente Figueiredo e ao Estado de Roraima21 23. No período em que esse trabalho foi realizado, foram diagnosticados 17 casos de LTA na Comunidade São João23. Este fato demonstra a necessidade de se estudar a diversidade da fauna e a freqüência de flebotomíneos no ambiente domiciliar e peridomiciliar e nas matas remanescentes, nestas localidades endêmicas, tendo em vista a busca de meios para diminuir o contato entre homem e vetor.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo. A área estudada compreendeu a Comunidade de São João, no km 4 da BR-174, que liga Manaus a Boa Vista (RR), no município de Manaus (03º08’07″S, 60º 01’34″O). Nessa área, viviam aproximadamente 450 famílias, distribuídas em uma área aproximada de 500m de largura por 1.200m de comprimento. Limita-se a oeste com a Rodovia BR-174; à leste e ao sul, com áreas de floresta primária, semifragmentada, devido às atividades de extração madeireira; e ao norte, com uma área sem cobertura vegetal, onde são desenvolvidas atividades de avicultura e piscicultura. As matas vizinhas da comunidade são freqüentadas por muitos moradores para o desenvolvimento de atividades de extrativismo. Seu clima é tropical chuvoso e úmido, com temperatura média de 26°C.

Coleta e identificação dos flebotomíneos. As coletas de flebotomíneos foram realizadas durante doze meses consecutivos, de agosto 2001 a julho 2002, no domicílio, peridomicílio e nas matas. As residências foram construídas muito próximas à área de mata, em alguns casos, até cerca de 20m, em outros, entre 100 e 500m. Foram programados cinco dias consecutivos de coleta em cada mês. Empregaram-se coletas ativas, usando rede entomológica e tubos de vidro e coletas passivas, utilizando cinco armadilhas de luz do tipo CDC38 (modificada), colocadas a um metro acima do solo, e armadilhas Disney39. As coletas ativas no intradomicílio e peridomicílio foram realizadas em dois dos cinco dias do período mensal de coletas, no horário de 18:00 às 21:00h. As coletas na base de árvores foram realizadas do segundo ao quarto dia, durante três horas diárias pela manhã, de 8:00 às 11:00h, em diversos pontos dentro da mata delimitada para execução do estudo.

As coletas passivas na mata, utilizando armadilhas CDC, foram realizadas durante cinco dias consecutivos, iniciando às 17:00h e encerrando às 08:00h do dia seguinte; no peridomicílio, as armadilhas foram colocadas ao lado das casas para as capturas noturnas. As armadilhas Disney foram colocadas a partir do primeiro dia, trocando-se as bandejas untadas com óleo mineral diariamente às 08:00h e retirando-as no quinto dia.

Todo material foi acondicionado em caixa de isopor e levado para triagem e identificação pelo segundo autor, no Laboratório de Entomologia da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, onde os espécimes estão depositados. A nomenclatura das espécies segue Galati17.

As informações sobre a precipitação pluviométrica mensal no município de Manaus para o período do estudo foram fornecidas pelo 1° Distrito de Meteorologia de Manaus, órgão do Instituto Nacional de Meteorologia.

Os dados analisados são apresentados de forma descritiva, incluindo-se análises da correlação entre a abundância de espécies vetoras de leishmaniose e a média mensal da precipitação pluviométrica, através do Coeficiente de Pearson.

 

RESULTADOS

Foram capturados 4.104 espécimes, pertencentes a quatro subtribos, 13 gêneros e 49 espécies da subfamília Phlebotominae. O predomínio entre as subtribos foi nitidamente de Psychodopygina com 3.403 (83%) espécimes, destacando-se as espécies Nyssomyia umbratilis, com 1.325 (32,3%) espécimes, Nyssomyia anduzei, com 820 (20%), Trichophoromyia eurypyga, com 492 (12%),Bichromomyia olmeca nociva, com 207 (5%) e Bichromomyia flaviscutellata, com 185 (4,5%). Foram coletados 613 (15%) flebotomíneos da subtribo Lutzomyiina, a segunda com maior número de espécimes. Dentre eles, Trichopygomyia trichopyga foi a espécie mais freqüente 191 (4,7%), seguida por Sciopemyia sordellii 81 (2%), Pressatia triacantha 72 (1,8%) e Evandromyia monstruosa 70 (1,7%). Da subtribo Sergentomyiina, foram coletados 84 (2%) flebotomíneos, com destaque para Micropygomyia rorotaensis (1,9%). De Brumptomyiina, foram coletados quatro espécimes de Brumptomyia pintoi (Tabela 1).

 

 

Verificou-se que do total de flebotomíneos, 4.044 (98,5%) espécimes foram capturados no interior da mata e 60 (1,5%) no peridomicílio. Do total de espécies, 38 (77,6%) foram coletadas apenas no interior das matas e 11 (22,4%) foram coletadas tanto no interior das matas quanto no peridomicílio. Nenhum flebotomíneo foi capturado no intradomicílio.

No peridomicílio, a armadilha CDC coletou 44 (1,1%) espécimes, enquanto 16 (0,4.%) foram capturados nas coletas ativas, com destaque para as espécies Nyssomyia umbratilis, Trychophoromyia eurypyga, Bichromomyia olmeca nociva, Nyssomyia anduzei (Tabela 1).

No interior da mata, maior número de flebotomíneos foi capturado nas armadilhas CDC (3.484 espécimes), seguidas pelas coletas ativas nas bases das árvores (506) e pelas armadilhas Disney (54). Nas coletas passivas com armadilhas CDC foram registrados 3.484 flebotomíneos, destacando-se as espécies Nyssomyia umbratilis (842), Nyssomyia anduzei (798), Bichromomyia olmeca nociva (201) e Bichromomyia flaviscutellata (144). Nas coletas ativas na base das árvores destacam-se as espécies Nyssomyia umbratilis, (459 espécimes) e Nyssomyia anduzei (19). Nas coletas com armadilhas Disney, as espécies mais freqüentes foram Bichromomyia flaviscutellata (39) e Bichromomyia olmeca nociva (5).

A distribuição temporal das quatro espécies incriminadas como vetoras mais freqüentes demonstrou que estas ocorreram durante todos os meses do ano (Figura 1). Nyssomyia umbratilisNyssomyia anduzei ocorreram durante todo o ano com maior número entre novembro e maio, quando ocorreu maior precipitação pluviométrica; Bichromomyia flaviscutellata e Bichromomyia olmeca nociva foram mais abundantes nos meses de abril a julho. Observou-se uma correlação positiva entre a precipitação pluviométrica mensal e variação temporal da abundância de Nyssomyia umbratilis (r=0,692, p-valor=0,013) e Nyssomyia anduzei (r=0,664, p-valor=0,018), o que não foi verificado para Bichromomyia olmeca nociva (r=-0,439, p-valor=0,154) e para Bichromomyia flaviscutellata (r=0,162, p-valor=0,616) (Figura 2).

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os dados obtidos evidenciaram uma fauna flebotomínica diversificada e abundante. As espécies assinaladas na Comunidade São João já o foram anteriormente no Estado do Amazonas4 5 6 8 12 14 15 36, exceto Evandromyia andersoni. Esta espécie não antropofílica foi descrita na Bolívia27 e, no Brasil, existe o registro da sua ocorrência no estado do Mato Grosso29. Destaca-se a importância deste relato sobre seu primeiro registro na Região Norte do Brasil.

A abundância de espécies dos gêneros Nyssomyia, Bichromomyia, Trichophoromyia ePsychodopygus, vetores de Leishmania, demonstraram risco para infecção humana nas matas da localidade. São gêneros predominantes na Região Amazônica, com diversidade de espécies maior do que em outras regiões do Brasil, incluindo espécies incriminadas como vetoras de LTA, tanto no ciclo enzoótico, quanto no ciclo zoonótico18 19. A menor abundância de espécimes das espécies de Psychodopygus (5,6%), em comparação com Nissomyia (52,7%), estão de acordo com os resultados de coletas realizadas em Manacapuru, município limítrofe de Manaus36. Porém difere dos resultados encontrados em áreas de floresta primária amazônica, onde predominou Psychodopygus4 5 34 35.

A espécie predominante tanto no ambiente florestal quanto no peridomiciliar, foi Nyssomyia umbratilis, principal vetora de Leishmania guyanensis6 24, responsável pela maioria casos de LTA na região Amazônica. Pode ser encontrada em grande quantidade no estágio de repouso sobre o tronco das árvores9 e apesar de sua principal atividade hematofágica ser crepuscular e noturna, pode atacar o homem nas primeiras horas do amanhecer. Em Manaus, predomina em regiões de florestas de terra firme3 4 5 16. A espécie Nyssomyia anduzei, incriminada como vetor secundário da leishmaniose cutânea causada pela Leismania guyanensis na Região Amazônica3 26, foi a segunda mais abundante.

No gênero Trichophoromyia, destacou-se Trichophoromyia eurypyga, incluindo 19 espécimes no ambiente peridomiciliar. Apesar de nunca ter sido registrada sua infecção natural por parasitos do gênero Leishmania, este flebotomíneo tem sido coletado no estado do Amazonas36, requerendo estudos que venham esclarecer seu papel na epidemiologia da leishmaniose neste Estado. A espécie Trichophoromyia ubiquitalis, apesar de ter sido coletada em menor quantidade e apenas no ambiente florestal, já foi encontrada naturalmente infectada por Leishmania lainsoni25 37.

As espécies Bichromomyia olmeca nociva e Bichromomyia flaviscutellata foram mais freqüentes no ambiente florestal. Um exemplar de Bichromomyia olmeca nociva foi coletado no peridomicílio.Bichromomyia flaviscutellata é incriminada como vetora de Leishmania (Leishmania) amazonensis,causadora de formas cutâneas e difusas da leishmaniose. Foi a espécie mais coletada nas armadilhas Disney, corroborando a eficiência deste método para coleta dessa espécie. Bichromomyia olmeca nociva já foi encontrada naturalmente infectada com Leishmania amazonensis em coletas realizadas na área periurbana de Manaus7.

Para o gênero Psychodopygus destaca-se Psychodopygus davisi, cuja distribuição geográfica abrange toda a Amazônia, é uma espécie envolvida na transmissão de Leishmania naiffi, da qual também já foi isolada Leishmania (Viannia) braziliensis19Psychodopygus ayrozai, Psychodopygus paraensis e Psychodopygus squamiventris squamiventris também foram referidos como transmissores de Leishmania naiffi31.Neste gênero, apenas Psychodopygus hirsutus hirsutus foi observado no ambiente peridomiciliar, esta espécie já foi encontrada infectada por Leishmania (Viannia) braziliensis32.

No peridomicílio, foram assinaladas 11 espécies de flebotomíneos. Feitosa e cols5 registraram 16 e Paes30 13 espécies no peridomicílio na região de Manaus, em áreas de transmissão de LTA15 30. O encontro de espécimes de Psychodopygus hirsutus hirsutus, Nyssomyia anduzei, Psathyromyia dendrophyla no peridomicílio pode ser porque estas espécies têm como habitats áreas marginais e anexos de animais domésticos1. Destaca-se o encontro de Evandromyia georgii, Bichromomyia olmeca nociva, Micropygomyia pilosa, Pressatia triacantha, e Trichopygomyia trichopyga. Considerando que essas espécies têm como principais habitats tocas de animais silvestres, folhas, troncos e raízes tabulares, seu encontro no peridomicílio juntamente com Nyssomyia umbratilis, pode ser devido à proximidade das residências com as áreas de mata, merecendo maiores estudos para verificar seu real potencial de domiciliação na área. Embora com número reduzido de indivíduos, algumas espécies de flebotomíneos podem estar se adaptando aos ambientes antrópicos, pois foram detectadas em todos os ambientes de coleta deste estudo.

A importância do padrão periflorestal de transmissão na cidade de Manaus já foi ressaltada anteriormente2 10. Guerra e cols23 sugerem que na localidade do estudo ocorrem dois diferentes padrões epidemiológicos de transmissão de LTA. O primeiro, de transmissão silvestre, devido à penetração dos moradores da comunidade na mata para a realização de atividades extrativistas. Um segundo padrão, periflorestal, com um ciclo de transmissão no peridomicílio e nas áreas marginais em áreas de ocupação situadas dentro do raio de vôo dos vetores silvestres2 10. Entretanto, a maioria dos casos de infecção por Leishmania guyanensis é contraída dentro da floresta, durante o dia, quando espécimes de Nyssomyia umbratilis são perturbados nos seus refúgios nas bases dos troncos das árvores3 6, principalmente em atividades de desmatamento24.

As observações sobre sazonalidade sugerem que as espécies coletadas têm grande plasticidade, com populações ora predominando em períodos mais secos, ora em períodos mais chuvosos. Registrou-se que Nyssomyia umbratilis Nyssomyia anduzei foram muito freqüentes durante o ano todo, especialmente nos meses com maior precipitação pluviométrica, permitindo-se inferir que a população está mais sujeita à infecção pela Leishmania guyanensis nestes meses. A distribuição sazonal dos casos humanos na região de Manaus mostra maior número de casos no período chuvoso, onde se observa incremento dessas populações de vetores22 30. Entretanto, as espécies Bichromomyia flaviscutellata e Bichromomyia olmeca nociva ocorreram em períodos relativamente mais curtos, e sua distribuição não mostrou relação com a pluviosidade. O registro de maior freqüência de Bichromomyia flaviscutellata, entre maio e julho, confirmam trabalhos realizados em áreas situadas na periferia da cidade de Manaus, dentre elas a Reserva Florestal Adolpho Ducke e áreas do bairro da Cidade Nova7.

A riqueza de espécies relacionadas à transmissão de LTA nessa área, revela a necessidade de uma vigilância entomológica constante. Os estudos da fauna flebotomínica e de comportamento de algumas espécies são de grande relevância epidemiológica, pois podem fornecer dados que irão subsidiar a escolha, pelos órgãos competentes, dos métodos de controle da doença mais adequados à situação atual. Além disso, a verificação da taxa de infecção por Leishmania das espécies de flebotomíneos com potencial vetorial, nos focos periurbanos de Manaus merece atenção em investigações futuras.

Em relação à transmissão florestal deve-se aplicar medidas que reduzam o contato homem-vetor. Como uma maior densidade de vetores ocorre no período chuvoso, a adoção de medidas de proteção individual, como o uso de repelentes naturais de baixo custo e o uso de roupas que não exponham o corpo podem eventualmente ser úteis, embora esta última medida possa ser pouco utilizada no calor da Amazônia. A redução das atividades que envolvam manejo florestal neste período também é pouco factível para esse tipo de comunidade, pois o extrativismo vegetal faz parte de suas estratégias de subsistência. Na transmissão periflorestal o ideal seria construir as habitações com no mínimo 200m de distância da orla de floresta, além da telagem das casas e uso de mosquiteiros com redes de trama fina.

A aplicação de medidas de prevenção alternativas, baratas, práticas e que possam ser incorporadas no dia-a-dia das populações que vivem em áreas de risco devem ser propostas e avaliadas, pois estas estratégias podem ser aplicadas de maneira distinta para cada situação ou foco. Pressupõe-se que a prevenção e o controle das leishmanioses requerem estudos de avaliação da efetividade com componentes da promoção à saúde e participação imprescindível da comunidade em sua implementação, para assegurar sua sustentabilidade.

 

AGRADECIMENTOS

Aos técnicos de entomologia Flávio Augusto Andrade Fé, Orleans Furtado Pastor e ao motorista Elcimar Neves Cavalcante, pelo auxílio nas coletas de campo. Aos moradores da Comunidade São João, particularmente ao Mauro Silva, pelo auxílio durante a execução do Projeto.

 

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 Endereço para correspondência:
Dra. Maria das Graças Vale Barbosa
Gerência de Entomologia/FMTAM
Av. Pedro Teixeira 25, Dom Pedro
69040-000 Manaus, AM
Fax: 55 92 3656-8269
e-mail: gbarbosa@fmt.am.gov.br

Recebido em: 02/04/2008
Aceito em 08/07/2008