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Staphylococcus cohnii spp urealyticus: relato de caso de um patógeno incomum

Pedro Alves d'AzevedoI, II, III; Ana Lúcia Sousa AntunesIII; Marinês Dalla Valle MartinoIV; Antonio Carlos Campos PignatariI, II

ILaboratório Especial de Microbiologia Clínica, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP IIDepartamento de Microbiologia/Parasitologia, Fundação Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS IIICurso de Pós-Graduação em Ciências Médicas, Fundação Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, RS IVSetor de Microbiologia, Laboratório Clínico do Hospital Albert Einstein, São Paulo, SP

DOI: 10.1590/S0037-86822008000200013


RESUMO

Staphylococcus coagulase negativos tem surgido como importantes agentes em infecções de pacientes hospitalizados. Neste estudo, relatamos o caso de bacteremia associada a cateter venoso central devido a Staphylococcus cohnii spp urealyticus isolado em hemocultura de um paciente do sexo masculino, 53 anos, internado em hospital geral da cidade de São Paulo. Discutimos nesse relato a dificuldade em identificar rotineiramente esse microrganismo no Laboratório de Microbiologia Clínica. Staphylococcus cohnii spp urealyticus é um microrganismo encontrado na pele dos seres humanos como parte da microbiota normal, podendo em algumas situações causar sérias infecções em humanos.

Palavras-chaves: Staphylococcus cohnii spp urealyticus. Bacteremia. Identificação.


ABSTRACT

Coagulase-negative Staphylococcus has emerged as an important agent in nosocomial infections. In this study, we report a case of bacteremia associated with a central venous catheter, caused by Staphylococcus cohnii spp urealyticus that was isolated in blood cultures from a 53-year-old male patient who was admitted to a general hospital in the city of São Paulo. We discuss in this report the difficulty in routinely identifying this microorganism in the clinical microbiology laboratory. Staphylococcus cohnii spp urealyticus is a microorganism found in human skin as part of the normal microbiota, and it can cause serious infections in humans, in some situations.

Key-words: Staphylococcus cohnii spp urealyticus. Bacteremia. Identification.


 

 

Staphylococcus coagulase negativos (SCoN) tem surgido como importantes agentes em infecções de pacientes hospitalizados, principalmente na corrente sangüínea4. Dentre eles, o Staphylococcus cohnii é reconhecido como um microrganismo componente da microbiota normal de humanos e outros primatas, podendo estar envolvido em casos raros de endocardites, pneumonias, infecções do trato urinário, abscessos cerebrais, artrites sépticas, entre outras infecções3 5 9. Podem ser encontrados também no ambiente hospitalar5 7 8. É um coco Gram-positivo, catalase positivo, coagulase negativo, aeróbio e quando isolado de infecções em humanos apresenta um perfil de multi-resistência1 6. Esses microrganismos podem constituir reservatórios de genes de resistência em hospitais6. Existem atualmente duas subespécies descritas na literatura, o Staphylococcus cohnii spp cohnii Staphylococcus cohnii spp urealyticus. No laboratório clínico, a diferença entre estas duas subespécies pode ser feita pelo uso de algumas provas bioquímicas como a urease, a fosfatase alcalina, pirrolidonil arilamidase (teste PYR), beta-glicuronidase, fermentação da maltose/manitol/manose3. A análise morfológica das colônias isoladas em cultura pode ser útil para se diferenciar estas subespécies, pois a colônia do Staphylococcus cohnii spp urealyticuscostuma apresentar na maioria dos isolamentos um pigmento (bege-amarelado)3. Por outro lado, infecções humanas causadas pelo Staphylococcus cohnii raramente têm sido descritas na literatura7 9.

 

RELATO DO CASO

Paciente de 53 anos de idade, sexo masculino, admitido no Hospital 9 de Julho, hospital geral da Cidade de São Paulo, em 27/06/2005 com diagnóstico de psoríase e erisipela em membros inferiores. O paciente foi tratado inicialmente com ceftriaxone e evoluiu com febre e comprometimento importante do estado geral. No 6º dia de internação, foi inserido um cateter venoso na veia subclávia direita e associado o antimicrobiano ciprofloxacina. No 11º dia de internação, apresentou hemocultura positiva para Staphylococcus spp coagulase negativo, sendo introduzido o antimicrobiano teicoplanina. O paciente evoluiu com persistência da febre e no 20º dia de internação foi trocado o cateter venoso central sendo que a cultura do mesmo foi positiva para Staphylococcus spp coagulase negativo com mais de 15 unidades formadoras de colônias. Na ocasião, o ecocardiograma não mostrava evidências de endocardite bacteriana, mas o ultra-som de abdômen revelava trombose de veia cava inferior. Uma hemocultura colhida no 22º dia de internação foi positiva para Pseudomonas aeruginosa multi-resistente, inclusive a carbapenêmicos. O paciente evoluiu com sepse, progressão da trombose venosa de veia cava inferior e óbito no 25º dia de internação.

Os isolados das primeiras duas hemoculturas (sistema automatizado BacAlert®) foram identificados apenas como Staphylococcus spp coagulase negativo. Por terem algumas características fenotípicas incomuns, as duas amostras foram enviadas a dois centros de referência: o Laboratório de Cocos Gram Positivos da Fundação Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), RS, Brasil que utiliza o processo de identificação convencional e o Laboratório Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil, que rotineiramente, recorre aos sistemas automatizado VITEK® legacy 1 e 2 (bioMérieux).

 

DISCUSSÃO

No Laboratório de Cocos Gram Positivos da UFCSPA, a bacterioscopia dos isolados na coloração de Gram evidenciou cocos Gram-positivos isolados e em pequenos grupos, providos de catalase e ausência da coagulação em plasma de coelho. As amostras foram semeadas em agar-sangue de carneiro (Oxoid, Basingstoke, UK) e após a incubação a 35°C/24 horas apresentaram colônias lisas, não hemolíticas, opacas, de tonalidade bege-amarelada que se acentuou com 48h de observação. Esse pigmento pode ser melhor visualizado através da raspagem das colônias com uma alça de platina ou um swab. A chave para identificação deste microrganismo no Laboratório Clínico pode ser bastante confusa, pois segundo o Manual of Clinical Microbiology (1999), que sugere outros testes complementares, muitas reações como produção de hemólise, o teste do PYR (pirrolidonilarilamidase) e o teste da desferroxamina apresentam resultados variáveis. Testes adicionais foram realizados como a prova da urease (positiva) e da fosfatase alcalina (positiva) para estes isolados. O teste de suscetibilidade aos antimicrobianos foi realizado através do método de disco-difusão e os isolados apresentaram susceptibilidade à oxacilina (Oxoid, Basingstoke, UK) e concentrações inibitórias mínimas para vancomicina e teicoplanina de 1 e 3µg/ml, respectivamente, por E-test. Devido a dificuldade na identificação através dos métodos convencionais os isolados foram caracterizados pelos sistemas automatizados VITEK® 1 e 2 – Gram Positive Identification Card (BioMérieux) seguindo-se a orientação do fabricante. O VITEK®legacy 1 com software versão 10,01 e cartão GPI indicou com 53% Staphylococcus simulans e 34% Staphylococcus cohnii. Com esses percentuais, o Laboratório deveria lançar mão de outras provas para uma identificação conclusiva. Já o VITEK®2 com versão do software 4,03 e cartão GP identificou os isolados como sendo o Staphylococcus cohnii spp urealyticus com 99% de probabilidade. A diferença na probabilidade encontrada entre os dois sistemas decorre essencialmente pelo maior número de provas constituintes do VITEK®2. Salientam-se nesse particular os resultados positivos obtidos na alcalinização L-Lactato, na beta-glucoronidase, na beta galactosidase, na descarboxilação da arginina e na fermentação da D-Manose, substratos inexistentes no VITEK®1.

O paciente recebeu teicoplanina por duas semanas apesar da suscetibilidade à oxacilina devido à extensão das lesões cutâneas e gravidade do quadro clínico com possibilidade de infecção por Staphylococcus aureus resistente à oxacilina. A infecção foi considerada como relacionada ao cateter venoso central, que foi positivo para Staphylococcus spp coagulase negativo (SCoN) quando da sua retirada, com o mesmo perfil de suscetibilidade aos antimicrobianos que as amostras de hemoculturas. Na evolução clínica foi feito diagnóstico de trombose de veia cava inferior com comprometimento de veia supra-hepática e extensão até a confluência das veias renais e sepse por Pseudomonas aeruginosa. Apesar das medidas terapêuticas em unidade de terapia intensiva o paciente evoluiu a óbito.

A correta identificação de SCoN no Laboratório de Microbiologia Clínica é muito trabalhosa e poucos laboratórios o fazem. No entanto, cada vez mais descrições de casos e ou surtos mostram que cada espécie tem um papel importante na epidemiologia hospitalar, bem como um perfil diferenciado quanto à resistência aos antimicrobianos. Staphylococcus cohnii spp urealyticus é um patógeno incomum em infecções humanas e a sua correta identificação com testes de suscetibilidade a antimicrobianos pode auxiliar no rumo da terapêutica a ser tomada em cada caso.

 

REFERÊNCIAS

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 Endereço para correspondência:
Prof Pedro A. d’Azevedo
Deptartamento de Microbiologia/UFCSPA
Rua Sarmento Leite 245/204, Centro
90050-170 Porto Alegre, RS
Tel: 55 51 3303-8740
e-mail: pedro_dazevedo@yahoo.com.br

Recebido para publicação em: 06/03/2007
Aceito em: 07/03/2008