Home » Volumes » Volume 39 January/February 2006 » Aspectos sociodemográficos da soroprevalência de marcadores do vírus da hepatite A no povoado de Cavunge, região do semi-árido do Estado da Bahia

Aspectos sociodemográficos da soroprevalência de marcadores do vírus da hepatite A no povoado de Cavunge, região do semi-árido do Estado da Bahia

Delvone AlmeidaI; José Tavares-NetoI; Marcony Queiroz-AndradeI; Camila DiasI; Terezinha RibeiroII; Francisco SilvaII; Jailson Silva-AraújoI; Fernando TatschIII; Raymundo ParanáI

IFaculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Curso de Pós-graduação em Medicina e Saúde, Salvador, BA IIHospital Aliança, Salvador, BA IIILaboratório Roche Divisão de Hepatites e Divisão Diagnóstica, Salvador, BA

DOI: 10.1590/S0037-86822006000100015


RESUMO

No Povoado de Cavunge, semi-árido da Bahia, foi realizado estudo sobre as hepatites com objetivo de avaliar a prevalência de portadores de IgG anti-VHA. Foram avaliados 891 moradores e 85,9% foram soropositivos. A prevalência foi semelhante entre os sexos. Na zona urbana houve aumento da prevalência com a idade.

Palavras-chaves: Vírus da hepatite A. Epidemiologia. Marcadores sorológicos de hepatite. Cavunge. Bahia.


ABSTRACT

In Cavunge community, a rural pvillage of the dry tropic in Bahia State, Brazil, a sentinel study on viral hepatitis was developed to characterize the seroprevalence of hepatitis A. The presence of IgG anti-HAV was analyzed in 891 citizens and 85.9% were positive. The prevalence was similar between genders and increased with age.

Key-words: hepatitis A virus. Epidemiology. Serological markers of hepatitis. Cavunge. Bahia.


 

 

A hepatite A costuma ser assintomática e apenas cerca de 20% dos casos desenvolve doença clinicamente manifesta, com graus variáveis de gravidade. Ocorre esporadicamente ou de forma epidêmica e a disseminação viral ocorre, sobretudo, em ambientes com precárias condições sociohigiênicas2.

A infecção é mais freqüente na infância, especialmente entre os menores de 5 anos de idade6. Em conseqüência disto e das características da transmissão do vírus da hepatite A (VHA), a melhoria dos indicadores de desenvolvimento humano tem grande impacto sobre a disseminação e transmissão viral7.

O diagnóstico laboratorial da infecção pelo VHA se faz na fase aguda, com a pesquisa dos anticorpos IgM anti-VHA, os quais tem títulos elevados até a 4ª e a 6ª semana pós-infecção e que desaparecem após o 4º mês do início da mesma5. Os anticorpos neutralizantes IgG, anti-VHA, têm títulos perceptíveis desde o início do processo infeccioso e que perduram por longo tempo, ou por toda a vida9. Por conta desta característica do anti-VHA IgG e pelas características associadas à transmissão do VHA, foi planejado o estudo de soroprevalência na população do Povoado de Cavunge (município de Ipecaetá, Estado da Bahia), onde também a investigação das condições sanitárias e ambientais permite avaliar possíveis inter-relações com aquela infecção viral.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo seccional de base populacional foi realizado no ano de 2000. A população de referência é de 2.049 pessoas, com idades entre 7 dias e 95 anos. Aqueles que aceitaram participar do estudo assinaram o termo de consentimento pós-informado e responderam ao questionário sócio-demográfico, desde que observados o critério de inclusão (residência fixa há mais de 6 meses no Povoado de Cavunge) e exclusão (portadores de doença psiquiátrica ou crônico-degenerativa associadas a incapacidade de compreender os objetivos do estudo, independente da idade e desde que não tivessem responsáveis legais).

Uma amostra de sangue venoso foi colhida e a equipe do projeto analisava as condições de moradia.

As amostras séricas de todos os moradores que participaram do estudo (n=1.843) tiveram iguais chances de serem sorteadas para a pesquisa do anti-VHA (IgG), utilizando Kit comercial (Roche Diagnóstica). Para isto, foram sorteadas aproximadamente 50% dos espécimes séricos (n=923).

As análises estatísticas foram realizadas com auxílio do software SPSS (Statistical Package for Social Science). As associações foram consideradas estatisticamente significantes se a probabilidade do erro a foi <0,05 (<5%).

 

RESULTADOS

Das 923 amostras séricas, sorteadas aleatoriamente, em 24 (2,6%) havia hemólise e em 8 (0,9%) a quantidade de plasma era insuficiente e foram excluídas do estudo.

Entre as 891 amostras séricas, 85,9% (n=765) apresentaram sorologia anti-VHA (IgG) positiva (Tabela 1). As pessoas soropositivas foram mais freqüentes (p<0,01) entre as residentes (87,4%) do Povoado do que na área rural (79,7%). A distribuição de soropositivos foi semelhante (p>0,47) entre as pessoas do sexo masculino (86,7%) e feminino (85,1%).

 

 

A soropositividade anti-VHA (IgG) aumentou proporcionalmente com a idade (Tabela 1), sendo a média de idade dos soropositivos (39,69 ± 22,05 anos) estatisticamente maior (p<10-20) que a dos soronegativos (10,12 ± 11,12 anos).

Os 891 moradores com as amostras séricas estudadas residiam em 293 domicílios, mas apenas em 7 (2,4%) residências todos os seus membros foram soronegativos; não obstante, esses 7 domicílios tinham 1 ou 2 membros. Em 83 (28,3%) domicílios havia moradores com sorologia positiva e negativa e em 203 (69,3%) todos foram soropositivos.

Na Tabela 1, foram descritas as proporções de pessoas soropositiva sem vaso sanitário no domicílio (84,7%), fora de casa (87,3%) ou dentro de casa (85,9%) e que foram estatisticamente semelhantes (p>0,72). Também, não houve associação da soropositividade com condições do domicílio (p>0,15), se carente ou não.

 

DISCUSSÃO

A soroprevalência (85,9%) de portadores de anticorpos contra o vírus da hepatite A na região estudada do semi-árido do Estado da Bahia foi semelhante à de outras regiões do País, onde as freqüências são também elevadas1, especialmente nas localidades com condições passíveis à transmissão do vírus como aquelas com precários índices de desenvolvimento social e econômico3.

O significativo aumento da soroprevalência após os cinco anos de idade, não só pode evidenciar maior exposição ao VHA, como também é nessa faixa etária que ocorrem maior número de contatos extra-domiciliares. Nas localidades do semi-árido do Nordeste, especialmente os de menor porte, como Cavunge, a poluição ambiental é talvez o maior determinante de várias doenças de transmissão fecal-oral e decorrente de múltiplos fatores, tanto sanitários como culturais4.

A hipótese inicial era que na área rural, pela maior precariedade das condições sanitárias da população8, fosse encontrada maior percentual maior de soropositivos. No entanto, a seropositividade foi maior entre os residentes na zona urbana do Povoado, mostrando que, apesar de dispor de melhores indicadores de desenvolvimento humano8, são ainda bastante precárias as condições sanitárias e ambientais naquela localidade. Por uma vez, a maior proximidade dos domicílios na zona urbana e o maior acúmulo das deficiências sanitárias, talvez sejam os mecanismos facilitadores da disseminação do VHA.

Cerca de 70% dos domicílios apresentaram todos os seus moradores com sorologia positiva para o VHA, o que sugere que a transmissão intradomiciliar é outro fator contribuidor na disseminação da infecção. Estes indicadores reforçam a necessidade do controle das infecções entéricas por meio de medidas relacionadas à melhoria nas condições de saneamento e de vida da população. Ao mesmo tempo, a grande extensão territorial do Brasil e a variabilidade sociodemográfica da sua população justificam mais estudos dessa natureza, com instrumento de informações úteis ao planejamento de estratégias de saúde coletiva, voltadas ao controle e a profilaxia das doenças de transmissão fecal-oral.

 

AGRADECIMENTOS

A Roche Diagnóstica e ao Hospital Aliança.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Clemens S, Fonseca J, Azevedo T, Cavalcanti A, Silveira T, Castilho M, Clemens R. Hepatitis A and hepatitis B seroprevalence in four centers in Brazil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 33:1-10, 2000.         [ Links ]

2. Franco E, Giambi C, Ialaci R, Coppola RC, Zanetti AR. Risk groups for hepatitis A virus infection. Vaccine 21: 2224-2233, 2003.         [ Links ]

3. Poovorawan Y, Theambooniers A, Chumdermpadetsuk S. Changing seroepidemiology of hepatitis A virus infection in Thailand. Southeast Asian Jounal of Tropical Medicine and Public Health 24: 250-254, 1993.         [ Links ]

4. Rosentahl P. Cost-effectiveness of hepatitis A vaccination in children, adolescents and adults. Hepatology 37: 44-51, 2003.         [ Links ]

5. Sjogren M. Serologic diagnosis of viral hepatitis. Gastroenterologic Clinics of North America 23: 457-478, 1994.         [ Links ]

6. Staes C, Schlenker T, Risk I, Cannon K, Harris H, Pavia A, Shapiro C, Bell B. Sources of infection among persons with acute hepatitis A and no identified risk factors during a sustained community-wide outbreak. Pediatrics 106: 54, 2000.         [ Links ]

7. Tanaka J. Hepatitis A shifting epidemiology in Latin America. Vaccine 18 (supl I): S57-60, 2000.         [ Links ]

8. Tavares-Neto J, Barral A, Queiroz-Andrade M, Oliveira S. Caracterização Sócio-demográfica da População do Povoado de Cavunge, Bahia. Revista Baiana de Saúde Pública 27: 60-75, 2003.         [ Links ]

9. Vitral CL, Gaspar AMC, Yoshida CFT. Tow competitive enzyme immunoassays for the detection of IgG class antibodies to hepatitis A antigen. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 24:79-85, 1991.         [ Links ]

 

 

 Endereço para correspondência:
Prof. Raymundo Paraná
Av. Juracy Magalhães Jr, 2096, Sala 510
41920-000 Salvador, BA, Brasil
Telefax: 55 71 350-4651
E-mail: unif@svn.com.br

Recebido para publicação em 5/4/2004
Aceito em 8/9/2005
Órgãos financiadores: CNPq, Laboratório Roche, Capes/Cofecub 404/02.