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Carlos Alberto Argento (*1936 †2005)

Luiz Fernando Ferreira

DOI: 10.1590/S0037-86822006000600019


Conheci Argento em 1954, quando nos preparávamos para o vestibular à Faculdade de Medicina.

Nesse tempo prestava-se exame de Física, Química e Biologia e havia prova prática. O curso ficava na praça São Salvador, e nós chegávamos cedo para praticar no pequeno laboratório. Argento tinha seus 18 anos, era um rapaz alegre, bem humorado, que fazia amizades com facilidade. Além disso era um bom jogador de basquete.

Nessa época consolidou-se a nossa amizade, que durou até a sua morte. Ele vinha pela manhã a minha casa em Botafogo, e nos estudávamos com afinco. Depois do almoço, seguiamos a pé para o cursinho. Era um grupo de grandes amigos, Delvaux Resende PenaSergio Coutinho,Sebastião MarinhoMarcio Santana Rios e David Kraskowi.

 

 

No final do ano, todos fomos aprovados. Comemoramos juntos. Eramos alunos da Faculdade Nacional de Medicina, da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro; estávamos orgulhosos.

Carlos Alberto Argento nasceu a 21 de março de 1936, no bairro do Estácio, no Rio de Janeiro. Estudou o curso secundário, no colégio Cardeal Arcoverde e fez sua carreira científica na cadeira de Doenças Tropicais inicialmente sob a chefia do grande mestre que foi José Rodrigues da Silva. Com a reforma, a cadeira passou a departamento de Medicina Preventiva, durante muito tempo regido por José Rodrigues Coura.

No 5º ano, prestou concurso para interno oficial da cadeira. Logo depois da formatura encontrei-o feliz:

___ “O Professor Rodrigues me convidou para continuar no serviço”, me disse. Não perguntou quanto ia ganhar, qual o horário de trabalho, o que teria que fazer. Estava contente porque iria continuar na cadeira. Assim era Argento. Não era ambicioso, nas questões monetárias, nem nas honras acadêmicas. Gostava de trabalhar na especialidade, e isso lhe bastava.

Sua linha principal de pesquisa, foi a esquistossomose. Sob a orientação de Rodrigues da Silva, no começo, e com a colaboração de diversos companheiros, fez estudos sobre o tratamento, desde os antimoniais injetáveis e bastante tóxicos, passando pelos tioxantônicos, até os resultados com o tratamento via oral por dose única.

Gostava dos trabalhos de campo, ficava feliz no trato com as populações rurais. Conhecia medicina. Nesses trabalhos, dava consulta a todos, crianças, velhos etc. Tinha uma maneira afetiva de tratar os pacientes. Costumava relatar com orgulho, os partos que havia feito em Sumidouro. Tinha histórias boas desse tempo.

É nesse município que se passa a história de Ceci Peri, o Guarani, o famoso romance de José de Alencar.

Quando apareceram os artistas para filmar o romance, o seu prestígio no local diminuiu um pouco. Rindo e referindo-se a artista principal dizia:

“Afinal de contas ela é muito mais bonita do que eu”. Era sempre bem humorado.

Foram inúmeros os trabalhos que publicou, ou apresentou em congressos. No O Hospital, nas Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Jornal Brasileiro de Patologia, American Journal of Tropical Medicine and Hygiene.

Em 1963, apresentou vários trabalhos nos Sétimos Congressos Internacionais de Medicina Tropical e Malária, reunidos no Rio de Janeiro, sob a presidência de José Rodrigues da Silva. Tinha um carinho especial com Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Esteve no Iran, levando seus resultados em Congresso Internacional.

Embora seus estudos principais fossem em esquistossomose, publicou em vários temas de medicina tropical, como isosporose, malária, dengue, hepatite.

Quando Edmar Terra Blois me convidou a montar o Departamento de Ciências Biológicas, na Escola Nacional de Saúde Pública, a primeira pessoa que convidei, foi o Argento.

____ “Não, me disse ele, quero continuar ligado à clínica. Mas você pode contar comigo, para orientar as pesquisas, para aulas e seminários para o que você precisar”. E assim foi. De inestimável valor a sua ajuda no início do Departamento. E sem ganhar nada. Assim era oArgento.

Quando o Departamento de Medicina Preventiva se mudou do Hospital São Francisco de Assis (Pavilhão Carlos Chagas) para o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, organizou um ambulatório de Esquistossomose e lá trabalhou com Maria José Conceição, até os últimos dias de sua vida.

Era um dos grandes conhecedores de ruas e igrejas do Rio, conseqüência dos anos em que trabalhou em ambulância, para atender pacientes no Serviço de Saúde do Estado.

Dessa época, contava que indo atender uma parturiente numa favela, defrontou-se com um parto complicado. Decidindo por transportá-la para o hospital, foi impedido pelo marido que era um marginal.

____ “Bem, contava ele, eu tinha que resolver tudo sozinho”. Competente esmerou-se, fez o parto, salvou a mulher e a criança. Contava com orgulho.

Além de pesquisador, que juntava com competência, a clínica, o laboratório e o trabalho de campo, Argento era também professor. Gostava de dar aula. Além da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde trabalhou a vida toda, foi durante um tempo professor da Faculdade de Medicina em Teresópolis. Preparava suas aulas com esmero. Agradava. Nunca teve clínica particular, toda a sua vida foi dedicada à pesquisa e ao ensino.

Ultimamente, participava do Conselho Deliberativo do Hospital Mario Kroeff.

Argento faleceu a 30 de setembro de 2005. Uma vida inteira dedicada à Medicina Tropical. Deixou inconsolável, a mãe Dona Judite, que aos 92 anos lamenta, sempre que a visitamos, a ausência do filho. Deixou também três filhos do primeiro casamento. Roberto Henrique professor de História e as gêmeas, Lúcia e Beatriz. Deixou também inconsolável, sua Segunda esposa Joselita, que foi de uma grande dedicação a ele, nos últimos anos de sua vida.

Talvez o que se caracteriza mais na sua personalidade, fosse a afetividade, a amizade que sempre dedicou aos parentes e amigos.

Sentimos e sentiremos sempre a sua falta.

Léa traduziu o sentimento de todos, no poema escrito poucos dias depois da sua morte.