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Creche: ambiente expositor ou protetor nas infestações por parasitas intestinais em Aracaju, SE

Ricardo Queiroz GurgelI; Gileno de Sá CardosoII; Ângela Maria SilvaIII; Lucio Novais dos SantosIV; Rosana Cristina Veiga de OliveiraIV

IDisciplina de Pediatria do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE IIDisciplina de Parasitologia Humana do Departamento de Morfologia da Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE IIIDisciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, SE IVAlunos de Medicina da Universidade Federal do Sergipe

DOI: 10.1590/S0037-86822005000300014


RESUMO

Para avaliar se creches são ambientes protetores ou propiciadores de infestação intestinal, foi feito exame coproparasitológico de crianças de creche e grupo controle. Creche relacionou-se à maior prevalência de parasitoses (63% x 41,4 % ; p<0,01), com risco de infestação 1,5 vez maior.

Palavras-chaves: Creches. Parasitose intestinal. Fator expositor.


ABSTRACT

The work aimed to evaluate whether child daycare centers are an environment that protects against or exposes children to intestinal parasite infestation. Stool samples were analyzed from children attending such centers and a control group. It was concluded that attending daycare centers is related to intestinal parasitosis (630% vs. 41.4 %; p <0.01) and the risk of infestation is 1.5 times higher.

Key-words: Child daycare centers. Intestinal parasitosis. Exposure factor.


 

 

As parasitoses intestinais estão intimamente relacionadas às condições sanitárias e representam um importante problema de saúde pública nos países subdesenvolvidos4. As crianças são as mais acometidas, podendo a maior prevalência de parasitas intestinais levar a déficit nutricional e do crescimento pôndero-estatural7.

Em função da maior urbanização e maior participação feminina no mercado de trabalho, as creches passaram a ser o primeiro ambiente externo ao doméstico que a criança freqüenta, tornando-se potenciais ambientes de contaminação1 2 3 9.

Este trabalho se propôs a verificar a prevalência de infestação intestinal por parasitas nas creches públicas da cidade de Aracaju, Nordeste do Brasil, e se esses estabelecimentos são protetores ou expositores para tal infestação.

Foi realizado um estudo com seleção de dois grupos. Um grupo de estudo (creche) e um grupo controle para determinar a prevalência de enteroparasitoses intestinais, na população de crianças usuárias de creches públicas de Aracaju, Nordeste do Brasil durante o ano de 2003. Foram estudadas dez creches, sendo sorteadas duas em cada um dos 5 distritos sanitários de Aracaju, com o objetivo de se conseguir uma distribuição mais abrangente da população da cidade. Foram estudadas 26 crianças em cada creche selecionada escolhidas de forma aleatória. Para o grupo controle foram selecionadas crianças não freqüentadoras de creche, de mesma faixa etária (1 a 5 anos de idade, mediana dos dois grupos 3,7 anos), moradoras das vizinhanças das crianças índice (a mais próxima encontrada independente do gênero), a fim de comparar a prevalência de enteroparasitoses entre os dois grupos. O tamanho da amostra foi calculado para um nível de confiança de 95%, poder do teste de 80%, relação 1:1 creche e não creche, prevalência estimada de 40% na população infantil e 30% na população de creche, que resultou no total de 260 crianças para cada grupo.

Foram aplicados questionários padronizados para avaliar as condições sócio-econômicas familiares e as características estruturais das creches estudadas. A pesquisa de helmintos e protozoários foi feita através do método de Blagg, com posterior pesquisa de ovos e cistos por microscopia ótica.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe-CEP/HU/UFS. O teste do Qui-Quadrado foi utilizado para comparação entre os grupos, tendo sido estabelecido o nível de significância de 5% (p< 0,05), e para calcular o risco ou proteção das crianças institucionalizadas foi calculado o Risco Relativo e seu Intervalo de Confiança (IC95%). Foi utilizado o programa EPINFO 2002 (CDC, EUA) para o cálculo do tamanho da amostra e para a análise estatística.

Do total de 520 amostras previstas para análise, houve um retorno de 468 (90%). Não houve diferença quanto ao gênero entre os dois grupos. No total foram estudados 228 meninos e 240 meninas. A prevalência geral para pelo menos 1 parasita encontrado foi de 51,5%. Houve maior prevalência de parasitose intestinal [63% x 41,4%; p< 0,01; RR=1,52 (IC95% – 1,27 a 1,82)] em crianças freqüentadoras de creches (Tabela 1). Esta diferença manteve-se tanto para helmintos [43% x 31,4%; p<0,01; RR=1,37 (IC 95% – 1,07 a 1,74)], como para protozoários [43,3% x 23,9%; p<0,01; RR=1,81 (IC 95% – 1,38 a 2,37)], quando estudados separadamente (Tabela 2).

 

 

 

 

O nível de instrução de ambos os pais foi significativamente maior no grupo de crianças que não freqüentam creche. Essas famílias eram menores e tinham mais acesso a bens de consumo doméstico (televisão e geladeira) e maior renda familiar. As crianças de creche significativamente moravam mais em ruas não calçadas, sem esgoto ou coleta de lixo e não lavavam as mãos antes das refeições.

Foi verificado que todas as creches se encontravam em rua calçada e tinham água encanada, mas que uma delas não tinha caixa d’água. Das outras nove, seis informaram que lavavam a caixa d’água anualmente e três não o faziam. Do total de creches, oito têm sistema de esgoto fechado, enquanto que duas têm fossa. Em todas foi verificado que as crianças têm banheiro exclusivo. Quanto às práticas de trabalho na cozinha, em nove creches as cozinheiras usam avental, mas em apenas seis as cozinheiras usam touca. Todas as creches informaram que lavam as mamadeiras de forma adequada, mas apenas sete informaram que as mamadeiras são fervidas. Quanto às práticas de higiene, em todas as creches há escova de dente individual para as crianças, em apenas metade delas foi referido que as crianças lavam as mãos após usar o banheiro e em oito delas que as crianças lavam as mãos antes das refeições. As fraldas utilizadas são lavadas nas próprias creches, sendo que apenas uma delas emprega o uso de fraldas descartáveis.

Os resultados desta pesquisa mostram uma alta prevalência de enteroparasitoses para essa faixa etária (crianças de 2 a 6 anos de idade) na Cidade de Aracaju, com uma chance 1,5 vezes maior das crianças de creche estarem parasitadas. Estudos em escolares5 e na comunidade do bairro Santa Maria dessa mesma cidade6 mostraram um perfil semelhante. Os valores relacionados às crianças que freqüentam creches estão de acordo com Moura et al8 que encontraram 63,3% de amostras positivas em crianças que freqüentavam um centro de convivência infantil, e semelhante ao de Rivero-Rodrigues et al10 que encontraram a presença de enteroparasitas em 83,7% dos escolares, com um marcado predomínio do poliparasitismo (71,6%).

Houve diferença significativa na prevalência de protozoários entre os grupos estudados (RR= 1,81 – IC95% – 1,38 a 2,37), esse fato provavelmente se deve ao mecanismo de disseminação dos mesmos, que difere dos helmintos, que também tiveram risco relativo de contaminação significativamente maior entre o grupo de creche (RR= 1,37 – IC95% -1,07 a 1,74) por terem transmissão pessoa-a-pessoa e através de comida, água e mãos contaminadas4. A aglomeração das crianças em creches pode ser um dos fatores que justificam a maior prevalência destes parasitas nesse grupo.

Houve diferença nas condições socioeconômicas das famílias, assim como nas condições de moradia, que em ambos os casos eram inferiores no grupo de creche. Os hábitos de higiene, entretanto, foram semelhantes entre os dois grupos, como lavar as mãos ao preparar a comida, ferver mamadeira e filtrar a água, mostrando tratar-se de um aspecto cultural da população.

O número de crianças por monitora variou de 10 a 30, o que excede em muito a quantidade recomendada. Também os procedimentos de manusear os alimentos e as crianças não eram sempre adequados.

O fato de freqüentar creche pode expressar mais uma característica de nível sócio-econômico pior, e como as creches não estão totalmente adequadas às normas, passam a ser mais um fator de exposição às enteroparasitoses, levando a uma maior chance de infestação entre as crianças que as freqüentam.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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10. Rivero-Rodriguez A, Chouro-Lozano G, Diaz I, Cheng R, Rucson G. Enteroparásitos en escolares de una institución publica del municipio de Maracaibo, Venezuela. Investigación Clinica 41: 37-57, 2000.        [ Links ]

 

 

 Endereço para correspondência
Dr. Ricardo Queiroz Gurgel
Avenida Beira Mar 2016/402, Bairro 13 de Julho,
49025-040 Aracaju, SE. Brasil
e-mail: ricardoqg@infonet.com.br

Recebido em 11/5/2004
Aceito em 5/3/2005