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Avaliação do sinal de dor à compressão do globo ocular nas síndromes meníngeas infecciosas

André Costa-MatosI; Eduardo Costa-MatosI; Alessandro H.T. FariasII; Claudionor S. OliveiraII; José Tavares-NetoI

IFaculdade de Medicina da Bahia e Programa Especial de Treinamento (PET-Medicina) da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA IIHospital Couto Maia, Salvador, BA

DOI: 10.1590/S0037-86822005000600016


RESUMO

As síndromes meníngeas infecciosas se constituem em emergência médica, cujo diagnóstico clínico-epidemiológico deve ser prontamente estabelecido para início precoce da terapêutica adequada. Entretanto, em muitos casos os dados clínicos não são suficientes para se confirmar ou afastar esse diagnóstico. Por isso, o objetivo de avaliar o sinal de dor à compressão do globo ocular em 57 pacientes com suspeita de síndrome meníngea infecciosa, de ambos os sexos e com idade igual ou superior a quatro anos. A sensibilidade (34,5%), especificidade (78,6%) e valores preditivos positivo (62,5%) e negativo (53,7%) da dor à compressão do globo ocular foram semelhantes à rigidez de nuca, sendo boa (Kappa=0,65) a concordância entre os dois observadores independentes. A dor à compressão do globo ocular, em conjunto com outros achados clínicos, pode ser de grande valia no processo diagnóstico de pacientes com síndromes meníngeas infeciosas.

Palavras-chaves: Globo ocular. Meningite. Sinais de irritação meníngea. Semiologia.


ABSTRACT

Infectious meningeal syndromes represent a serious medical emergency whose clinical-epidemiologic diagnosis must be immediately established for early initiation of appropriate treatment. However, in many cases data from the clinical exam are insufficient to confirm or rule out the diagnosis. Therefore, the aim of this work was to assess the value of the ocular globe compression sign in 57 patients with suspicion of infectious meningeal syndrome, both male and female and aged four years or older. The sensitivity (34.5%), specificity (78.6%) and positive (62.5%) and negative (53.7%) predictive values of ocular globe compression sign were similar to nuchal rigidity, and the agreement between two independent observers was fair (Kappa=0.65). Ocular globe compression sign in conjunction with other findings of the clinical examination could be of great value in the diagnostic process of patients with infectious meningeal syndromes.

Key-words: Ocular globe. Meningitis. Meningeal irritation signs. Semiology.


 

 

Na investigação do diagnóstico clínico da síndrome meníngea infecciosa, a análise do líqüor é procedimento básico2. Entretanto, na maioria das unidades públicas de saúde do Brasil, principalmente as de cidades do interior do País, aquele procedimento não é realizado. Não obstante, as infecções do sistema nervoso central se constituem em emergência médica, com grande risco de seqüela ou óbito, e assim sendo o diagnóstico clínico e a antibioticoterapia empírica, quando indicada, devem ser prontamente realizados, mas para isto é fundamental a precisão dos indicadores clínicos, epidemiológicos e laboratoriais.

Foi proposto por Holanda6 e Holanda e cols7, que a dor à compressão do globo ocular (DCGO), a exemplo dos sinais clássicos de irritação meníngea, pode ser facilmente pesquisada nos pacientes com síndrome meníngea. Esse sinal propedêutico alcançou, naquele estudo6 7, sensibilidade de 97,5%, especificidade de 98,8%, valor preditivo positivo de 98,7% e valor preditivo negativo de 98,1%. Esses resultados, no entanto, devem ser analisados com cautela, pois a literatura médica não faz qualquer referência a esse sinal, além de que o trabalho6 7 é passível de críticas metodológicas. Por isso, o presente estudo foi realizado para avaliar a DCGO em portadores de síndrome meníngea infecciosa, seguindo metodologia diferente do pioneiro estudo de Holanda6.

O estudo foi de corte transversal, para validação diagnóstica, e mantendo os 2 observadores desinformados dos resultados observados entre si. A amostra foi de conveniência e incluindo pacientes, com indicação clínica de punção lombar para o estudo do líqüor, que estivessem lúcidos e com resposta motora ou verbal aos estímulos dolorosos. Seguindo esses critérios, foram selecionados 59 pacientes, com 4 anos ou mais de idade e de ambos os sexos, atendidos no Pronto Atendimento (PA) do Hospital Couto Maia, HCMaia (hospital de referência em doenças infecciosas e parasitárias da Secretaria de Estado da Saúde, Salvador, Estado da Bahia), e após conhecerem e concordarem (ou o responsável legal) com o objetivo da pesquisa.

Os pacientes que satisfaziam aqueles critérios de seleção, previamente estabelecidos, eram avaliados pelo médico-plantonista que os admitia e, antes da realização da punção lombar, foi pesquisada a DCGO de forma independente pelos pesquisadores responsáveis (um médico-plantonista e um estudante de Medicina, ambos sob a supervisão de um terceiro pesquisador), mas de modo que um não presenciava o exame clínico do outro. Previamente, um Interno do Curso de Medicina da equipe, em estágio no PA do HCMaia, e o supervisor do estudo avaliavam o quadro clínico do paciente (história de síndrome febril, cefaléia, vômitos, tonturas, convulsão, presença de exantema, etc.), além de pesquisarem os sinais clássicos de irritação meníngea (Kerning, Brudzinski, Lasègue, rigidez de nuca e Lewinson).

A pesquisa do sinal da DCGO, foi realizada por meio da digito-pressão suave, por aproximadamente dois segundos, sobre os olhos fechados do paciente, posicionado em decúbito dorsal, e antes da realização da punção liqüórica6 7. A técnica utilizada foi assim descrita6 7: 1) colocar o paciente em decúbito dorsal; 2) quando em alerta, solicitar que o paciente feche os olhos; 3) com a face palmar dos polegares o examinador faz a digito-pressão suave sobre os dois globos oculares do paciente, de forma concomitante, por aproximadamente dois segundos; 4) observar a presença e o grau de reação à dor após aquele estímulo bilateral. O sinal foi considerado positivo quando o paciente apresentava mímica de dor ou alguma reação à mesma (e.g., tentativa de retirar a mão do examinador sobre os olhos; queixa verbal de dor à compressão do globo ocular), sendo negativo quando ausente a dor ou qualquer tipo de reação6 7.

O exame do líquor constou de análises de características físicas (aspecto e cor), citológicas (número e tipos celulares), bioquímicas (glicose, globulinas e proteína total) e microbiológicas (Gram, tinta da China e culturas, inclusive para Mycobacterium tuberculosis). De acordo com aquelas características, o líquor pôde ser classificado como: normal, portanto sem síndrome meníngea; ou alterado11. As pessoas desse último grupo foram subdivididas em portadoras de síndrome de meningite asséptica, de meningite bacteriana ou por outra causa (esses últimos excluídos do estudo).

Dos 59 pacientes selecionados, dois (3,4%) foram excluídos por terem líquido cefalorraquiano compatível com acidente vascular hemorrágico. Desse modo, foram incluídos 57 doentes com média de idade de 20,5 (±;11,5) anos, entre os quais 30 (52,6%) eram do sexo masculino. Nos 57 casos estudados, em 29 (50,9%) o exame do LCR foi compatível com o diagnóstico de meningite, sendo 24 (82,8%) com diagnóstico de síndrome de meningite asséptica e 5 (17,2%) de meningite bacteriana. Os outros 28 (49,1%) pacientes tiveram líquor com exames microbiológicos negativos e características físico-químicas e citológicas normais (LCR-normal).

Os sintomas mais freqüentes nos dois grupos de pacientes, segundo o resultado do exame do líquor, foram: cefaléia (meningite: 96,5% vs LCR-normal: 100%); febre (meningite: 79,3% vs LCR-normal: 67,8%); e vômitos (meningite: 82,7% vs LCR-normal: 64,2%). Em 3 (5,3%) casos, os sinais clássicos de irritação meníngea não foram pesquisados – um com meningite bacteriana e os outros dois com a síndrome de meningite asséptica. Em 57,7% (15/26) dos pacientes com infecção do sistema nervoso central não foi encontrado nenhum sinal de irritação meníngea e em 17,9% (5/28) daqueles sem alteração liqüórica (LCR-normal) foi encontrado ao menos um dos sinais de irritação meníngea. No conjunto dos pacientes (n=54), a rigidez de nuca foi o sinal mais freqüente (25,9%; n=14) e com sensibilidade de 34,6% (9/26), especificidade de 82,1% (23/28), VPP de 64,3% (9/14) e VPN de 57,5% (23/40). Os demais sinais de irritação meníngea apresentaram os seguintes valores de sensibilidade: Brudzinski 8% (2/25), Kernig 23,1% (6/26), Lasègue 23,1% (6/26) e Lewinson 16,7% (4/24). Àquela freqüência de 57,7% (15/26) de casos com líquor compatível com síndrome meníngea e sem nenhum desses sinais passou a ser de 37,9% (11/29) ao ser incluído o resultado da pesquisa da DCGO.

Na Tabela 1, constam os resultados da pesquisa da DCGO dos 2 observadores nos 57 pacientes incluídos no estudo, sendo boa a concordância (índice Kappa=0,65) entre os mesmos (86%), e com taxas semelhantes de sensibilidade (34,5%), especificidade (78,6%), VPP (62,5%) e VPN (53,7%). Naqueles casos com líquor alterado, estes resultados e os da pesquisa da rigidez de nuca foram detalhados na Tabela 2, sendo o resultado da pesquisa da DCGO distribuído por observador, conforme o tipo de infecção do sistema nervoso central (bacteriana versus síndrome de meningite asséptica).

 

 

 

 

Especialmente nas crianças menores de 12 meses de idade, o diagnóstico das infecções do sistema nervoso central é também dificultado pela ausência, quase sempre, de sinais de irritação meníngea, bem como de quadro clínico específico ou porque o mesmo é pouco característico4 10. Isto justificou a exclusão dos menores de 4 anos de idade neste estudo, bem como dos casos, de qualquer idade, com grave comprometimento do sensório, até pelas dificuldades inerentes à pesquisa dos sinais de irritação meníngea, inclusive da DCGO.

Por sua vez, o encontro de 57,7% dos casos estudados com infecção do sistema nervoso central sem nenhum dos sinais de irritação meníngea em parte pode ser explicado, porque em escolares ou em pessoas adultas, principalmente no período inicial da doença, o processo inflamatório pode não ser suficiente para o aparecimento daqueles sinais, o que pode confundir o diagnóstico clínico ou torná-lo ainda mais difícil12. Por conta de freqüências semelhantes ou até maiores, os sinais de irritação meníngea têm sido questionados em vários estudos, principalmente naqueles com a inclusão da faixa etária pediátrica3 5 8 9 13 14 15. Também, a baixa especificidade desses sinais ficou evidenciada pela observação de 5 (17,9%) casos com LCR-normal, ou sem infecção aparente do sistema nervoso central, mas com a presença de algum dos sinais de irritação meníngea. Mesmo assim, esses sinais continuam sendo extremamente úteis na investigação clínica dos casos suspeitos de infecção do sistema central, os quais associados aos outros indicadores clínicos, epidemiológicos e laboratoriais aumentam a chance do diagnóstico daquele tipo de infecção.

No presente estudo, os sinais clássicos de irritação meníngea (rigidez de nuca, Brudzinski, Kerning, Lasègue e Lewinson) apresentaram, cada um, baixas sensibilidade (<36%) e especificidade acima de 82%. Outros estudos confirmam estes dados, Thomas e cols12 mostraram, em investigação com metodologia semelhante a esta, que os sinais de Kerning e Brudzinski tiveram ambos sensibilidade de 5% e especificidade de 95%; outros pesquisadores1 encontraram para aqueles sinais sensibilidade, respectivamente, de 36% e 39%, porém os sinais foram pesquisados após a punção liquórica, o que pode ter influenciado os achados do exame clínico. Também, Thomas cols12 mostraram que a rigidez de nuca foi o sinal de maior sensibilidade (30%), com especificidade de 68%, sendo semelhantes aos resultados deste estudo.

Contudo, deve ser considerado que o presente estudo foi realizado em hospital de referência em doenças infecciosas, o que, muito provavelmente, aumentou a taxa de suspeição do diagnóstico de meningite e, conseqüentemente, do número de indicações de punção lombar. Sendo assim, é muito provável que em hospital geral a sensibilidade dos sinais de irritação meníngea seja ainda muito menor.

Mesmo com tais limitações, também descritas em outros estudos, a principal delas é o pequeno número de casos de meningite bacteriana pesquisado, mas a conclusão comum1 3 5 8 9 12 13 14 15é que se necessita de outros dados de exame clínico capazes de predizer com maior acurácia o diagnóstico de meningite, pois a imediata identificação dos casos e a introdução precoce do tratamento são fundamentais no prognóstico.

Por isso, o relato de Holanda6 sobre a dor à compressão do globo ocular parece promissor. Contudo, naquele estudo6 a pesquisa da DCGO foi realizada após o estudo do líquor, e assim os observadores poderiam ter sido influenciados pelo conhecimento de alguns dos dados auxiliares ao diagnóstico. Certamente esta possibilidade de viés foi reduzida pelo desenho do presente estudo e, talvez por isso, os atuais resultados tenham sido muito mais modestos. Por outro lado, os resultados de sensibilidade, especificidade, VPP e VPN da DCGO no presente estudo foram semelhantes aos da rigidez de nuca, sinal mais freqüente e de maior sensibilidade, por isso também há a perspectiva que o sinal da DCGO possa vir a ser de grande valia, como procedimento adicional, no diagnóstico clínico da síndrome meníngea infecciosa. Isso ficou evidenciado pela redução de 57,7% (15/26) para 37,9% (11/29) dos casos sem sinais de irritação meníngea quando o resultado da pesquisa da DCGO foi incluído entre os mesmos.

No entanto, necessita ser investigado o mecanismo fisiopatológico que explique o desencadeamento da DCGO em casos de irritação meníngea. Nesse contexto, a bradicardia reflexa não parece ocorrer, se a compressão do globo ocular for de intensidade leve e por pouco tempo, isso porque nos pacientes do presente estudo não foi observada alteração na freqüência cardíaca, logo após a pesquisa do sinal (DCGO). Também, futuros estudos de validação são necessários, com a inclusão de maior número de casos de meningite bacteriana e com pacientes em diversas fases do processo de doença. Em conclusão, apesar das limitações assinaladas e também pela falta de explicação fisiopatológica sobre a DCGO, a facilidade da sua pesquisa clínica e o bom índice de concordância verificado entre os observadores, justifica a recomendação da inclusão desse novo sinal na rotina do exame físico de pacientes com história clínica que sugira doença associada a processo inflamatório no sistema nervoso central.

 

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Recebido para publicação em 20/8/2004
Aceito em 12/7/2005

 

 

Endereço para correspondência: Dr. José Tavares-Neto. Faculdade de Medicina da Bahia. Largo do Terreiro de Jesus (Pelourinho), 40025-010 Salvador, BA, Brasil.
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