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Eficiência do diagnóstico coproscópico de Schistosoma mansoni em fezes prensadas

Horacio Manuel Santana TelesI; Cláudio Santos FerreiraII; Maria Esther de CarvalhoI; Fabiana ZachariasI; Luiz Augusto MagalhãesIII

ISuperintendência de Controle de Endemias, SUCEN, São Paulo, SP IILaboratório de Investigação Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP IIIInstituto de Biologia do Departamento de Parasitologia da Universidade de Campinas, Campinas, SP

DOI: 10.1590/S0037-86822003000400012


RESUMO

A eficácia do controle da esquistossomose depende em grande parte da sensibilidade da coproscopia. Passamos a utilizar, além da técnica de Kato-Katz, a de prensagem de fezes entre lâmina e lamínula de polipropileno, segundo Ferreira. De 1.282 amostras fecais colhidas entre 1998 e 2000 no Bairro da Palha, Município de Bananal, São Paulo, Brasil, 105 (8,2%) resultaram positivas. A primeira técnica revelou 90 (7%) e a segunda, 88 (6,9%) amostras positivas. Os resultados concordaram, segundo a estatística kappa. Valores baixos de percentagens de positivos e de opg (ovos por grama) de fezes, em Bananal, demandaram aumento do volume de material a examinar. Além de permitir a observação da viabilidade dos ovos de Schistosoma mansoni, a segunda técnica dispensa o uso de glicerina, de placa medidora e de tamisação; esta última, responsável por ulterior perda de precisão nas determinações de opg.

Palavras-chaves: Schistosoma mansoni. Diagnóstico coproscópico. Sensibilidade. Esquistossomose. Morbidade.


ABSTRACT

The control of schistosomiasis depends mostly upon the sensitivity of stool examinations. We used both the Kato-Katz technique and the compression of samples between the slide and a polypropylene cover glass, according to Ferreira. Out of 1,282 samples collected between 1998 and 2000 in the Palha District, Municipality of Bananal, São Paulo State, Brazil, 105 (8.2 %) were positive. The first and second methods revealed 90 (7%) and 88 (6.9 %) positive cases, respectively. According to the kappa statistic, both methods were in agreement. In Bananal, the proportion of positive cases and egg per gram (epg) values are low, which calls for the examination of larger than usual volumes of feces. The viability of Schistosoma mansoni eggs can also be checked when using the second method, which dispenses with glycerin solution, measuring plates and sieves. The latter cause a further loss of precision in epg determinations.

Keywords: Schistosoma mansoni. Fecal examination. Sensitivity. Schistosomiasis. Morbidity.


 

 

O diagnóstico morfológico dos ovos de Schistosoma mansoni em amostras de fezes prensadas é uma das linhas de base da execução dos programas de controle da transmissão da esquistossomose mansônica, endemia ainda bastante freqüente em várias regiões do território brasileiro (SUCAM20 21). Afora a improbabilidade de falsos positivos, simplicidade e baixo custo constituem as principais vantagens do uso da coproscopia em inquéritos destinados à busca de portadores do parasita para ulterior tratamento.

A técnica usualmente adotada nos programas de controle da endemia é a de Kato & Miura12 apudKomiya & Kobayashi14 que, modificada por Katz et al13, passou a incluir o uso de um tamís para a remoção de resíduos macroscópicos e de placa medidora para controlar o volume das amostras fecais a examinar. Por permitir a obtenção de dados quantitativos em termos de ovos por grama de fezes (opg), o assim chamado método de Kato-Katz passou a ser recomendado pela Organização Mundial de Saúde22 e por vários autores, dentre eles Mott18, para emprego em programas de controle da esquistossomose mansônica. Anteriormente, Martin & Beaver16, Chaia et al4, Molina17, Coura & Conceição7 e Dantas & Ferreira8 haviam discutido vantagens e desvantagens de outras técnicas de diagnostico coproscópico de S. mansoni.

Em 1978, o Centro de Informações da Saúde (CIS)6 introduziu o método de Kato-Katz como procedimento de rotina no diagnóstico laboratorial da esquistossomose, além da técnica de sedimentação por gravidade descrita por Lutz15 e depois por Hoffman, Pons & Janer11, visando a reduzir a proporção da falsos negativos. A par dessa recomendação, o relatório da Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN21), sobre a situação epidemiológica da esquistossomose em território paulista, indica que o exame de amostras pela técnica de fezes prensadas já era utilizado em inquéritos coproscópicos de migrantes originários de áreas endêmicas situadas fora do Estado de São Paulo.

É necessário, indiscutivelmente, aprimorar as técnicas em uso, tendo-se em conta, além da redução da prevalência, a das cargas parasitárias. É importante salientar que a fácil identificação dos ovos de S. mansoni torna improvável a ocorrência de resultados falsos-positivos. Por outro lado, a relativamente baixa sensibilidade das técnicas de demonstração direta de formas evolutivas de parasitas pode ser atenuada por meio de refinamentos que aumentem as probabilidades de seu encontro em material onde sejam escassas. Para isto é freqüentemente necessário usar mais de uma técnica coproscópica. Dentre os fatores a ponderar, ao ser feita a escolha de procedimentos para uso rotineiro está a relação custo-benefício; é oportuno salientar que algumas técnicas tornaram-se desnecessariamente onerosas. O presente estudo é conseqüência de investigação deste problema; inclui a análise de resultados do emprego, dentro dos programas de controle da esquistossomose em São Paulo, de duas técnicas: a adotada rotineiramente e uma alternativa, ambas consistindo no exame de fezes prensadas.

 

MATERIAL E MÉTODOS

As amostras fecais foram colhidas por ocasião de três inquéritos coproscópicos da população residente no Bairro da Palha, como previsto no Plano de Intensificação do Controle da Esquistossomose Mansônica no Município de Bananal, São Paulo, Brasil, no período de 1998 a 2000. Uma equipe local da SUCEN executou os trabalhos de campo: distribuiu recipientes e os recolheu com as amostras de fezes. Chegaram ao laboratório 1282 amostras, processadas segundo as técnicas de Kato-Katz e de Ferreira apud Araújo2. No primeiro caso, empregou-se o kitAK®. Preparadas duas lâminas para a leitura, obteve-se o número de ovos por grama de fezes (opg) por meio do uso da tabela Vermi-Fec® que acompanha o kit. Pressupondo-se que a quantidade de fezes contidas no medidor corresponda a 41,7mg7 22, o valor mínimo de opg será 12. Amato Neto & Corrêa1 descrevem pormenorizadamente o método de Kato-Katz.

A técnica de Ferreira apud Araújo2, dispensa a tamisação, o uso de glicerina e placas medidoras. Transferem-se para a lâmina pequenas porções de fezes, sendo os resíduos macroscópicos afastados por meio de catação. A quantidade a ser transferida é avaliada por observação visual, de modo a permitir a obtenção de esfregaço fecal de tamanho conveniente, após compressão (em torno de 18mm de diâmetro). Após a transferência da amostra de fezes para a lâmina, coloca-se sobre esta uma lamínula de polipropileno incolor, de aproximadamente 24 por 24mm, fazendo-se então a compressão de modo semelhante ao usado na técnica de Kato-Katz. O exame pode ser feito imediatamente. Os volumes fecais neste caso são menores do que os usados nas preparações segundo Kato-Katz, tendo sido examinadas três lâminas de cada amostra. Para o cálculo do volume das fezes medem-se dois diâmetros do esfregaço perpendiculares entre si. A média aritmética desses diâmetros é usada para, com o auxílio de uma tabela, achar o fator a ser usado para calcular opg. A tabela teve como base o cálculo de regressão em que a variável independente foi o volume de fezes, medido em placa medidora (entre 13,6 e 55,3mm3) e a variável dependente o diâmetro do esfregaço prensado (em mm). Para o cálculo do volume a partir do diâmetro médio do esfregaço, usa-se a equação: Y = A + BX, onde Y = ln y (volume em mm3), X = ln x (diâmetro em mm), A = ln a e B = b, sendo a = 4,263×10-3 (coeficiente linear) e b = 2,980 (coeficiente angular). A tabela pode ser facilmente obtida com o uso de planilha eletrônica.

 

RESULTADOS

Como se observa nas Tabelas 1 e 2, pela técnica de Katz et al13 os exames revelaram 31 amostras positivas em 1998, 36 em 1999 e 23 em 2000, o que respectivamente corresponde a 8,1%, 8,0% e 5,2% do total de amostras colhidas a cada inquérito, enquanto pela técnica de Ferreira apudAraújo1, foram positivas 28, 40 e 20 amostras, isto é, 7,3%, 8,8% e 4,5%. As amostras positivas para ovos de S. mansoni em ambas as ténicas foram 34 dentre 384 amostras de fezes examinadas em 1998, 46 dentre 455 em 1999 e 25 dentre 443 em 2000 ou, respectivamente, 8,8%, 10,1% e 5,6% de positividade. A concordância anual em números absolutos foi de 25, 30 e 18 casos, como se deduz da Tabela 1. Assim, os percentuais de concordância bruta foram de 97,7% em 1998, 96,5% em 1999 e 98,4% em 2000. Durante os 3 anos da avaliação, a técnica de diagnóstico coproscópico desenvolvida por Katz et al13 possibilitou o diagnóstico de 90 portadores de S. mansoni e a de Ferreira apud Araújo2 revelou 88 casos. Por ambas as técnicas foram detectados 105 casos de esquistossomose entre a população examinada nos 3 inquéritos. Aplicada a estatística kappa, para a verificação da concordância sem o efeito do acaso, obtêm-se respectivamente os valores 0,835, 0,770 e 0,829, correspondentes aos graus de concordância quase perfeita no primeiro e no terceiro inquéritos e substancial no segundo.

Quanto às cargas parasitárias estimadas em termos de opg, as médias obtidas por meio da técnica usual dos programas de controle da esquistossomose e da segunda foram, respectivamente: 105,3 e 220,3 em 1998, 72,5 e 72,5 em 1999 e 78,9 e 107 em 2000.

Tabela 3 apresenta a distribuição das cargas parasitárias em intervalos que caracterizam a possibilidade do desenvolvimento das formas leves, moderadas ou intensas da doença, tendo em vista a probabilidade da ocorrência da hepatomegalia. Os parâmetros para as estimativas da morbidade indicados pela Organização Mundial de Saúde (OMS22) foram modificados nos limites inferiores de opg, dado o aumento do volume de fezes examinado por nós, correspondente a duas lâminas por amostra de fezes. Na Tabela 3 as cargas parasitárias estão distribuídas por classes, tendo-se em vista sua relação com a probabilidade de ocorrência de formas clínicas graves.

 

DISCUSSÃO

A pesquisa de formas evolutivas de parasitas em amostras de fezes tem pontos positivos inegáveis, dentre elas a improbabilidade de falsos resultados positivos, baixo custo e possibilidade de ser executada em laboratórios com escassos recursos. Não compete necessariamente com os métodos indiretos, de introdução recente, indicados para assinalar a presença de parasitas em seus hospedeiros, S. mansoni inclusive. Chieffi & Kanamura5, Barreto et al3, Rabelo19, Gryssels10e Engels et al9 discutiram causas da baixa eficiência e sensibilidade do diagnóstico coproscópico de S. mansoni relacionados com a biologia do parasita, destacando a ocorrência de infecções por pequeno número de vermes, eventualmente unissexuadas, irregularidade das posturas, distribuição heterogênea dos ovos no bolo fecal e desenvolvimento de imunidade por parte do hospedeiro. Tais fatores, bem conhecidos, podem ser compensados em parte, segundo a OMS22, com a utilização de maiores volumes do material a examinar ou colheita de mais de uma amostra por pessoa, dentro de pequenos intervalos de tempo. A colheita de várias amostras por pessoa pode aumentar consideravelmente os custos operacionais. Entretanto, tendo como base processos simples, é possível refinar as técnicas de coproscopia, treinar mais adequadamente o pessoal, demonstrando as bases teóricas das técnicas adotadas e o uso correto do equipamento, incluindo-se aí o microscópio. Todas as operações incluídas nos exames coproscópicos devem ser rigorosamente padronizadas, regra a ser aplicada a quaisquer outras técnicas de laboratório. O uso da coproscopia não exclui a adoção criteriosa de exames clínicos e laboratoriais, indicados para subsidiar os estudos epidemiológicos. No caso em questão, mesmo sendo admitidas as limitações da coproscopia, sua aplicação permitiu a identificação de problemas práticos e o delineamento de medidas profiláticas. Os dois processos empregados mostraram resultados equivalentes. A técnica de Ferreira apud Araújo2, por não acrescentar reagentes à massa fecal, permite observar os miracídios no interior dos ovos. Para facilitar a observação dos parasitas, recomenda-se usar, em cada lâmina, quantidades de material menores do que as usadas no processo de Kato-Katz, devendo ser portanto, examinado número correspondentemente maior de lâminas.

A comparação dos resultados de contagens em termos de opg revelou diferenças significativas quanto à avaliação em termos de gravidade (Tabela 3). O fato é importante porque dificulta avaliações, nos programas de controle, de riscos do desenvolvimento de formas graves da esquistossomose mansônica. Tais diferenças podem ser atribuídas ao fato de terem sido pequenas, em média, as quantidades de ovos eliminados. Deve-se ter em mente o fato de os resultados de exames de laboratório fornecerem subídios para a interpretação de problemas clínicos ou epidemiológicos; o diagnóstico de cada situação resulta de dados provenientes de muitas outras fontes. Os programas de controle, portanto, são dimensionados à base de informações válidas para populações, não necessáriamente para casos individuais, aos quais podem aplicar-se técnicas semiológicas especificamente indicadas como, entre muitas outras, a ultrassonografia (OMS23).

Nas condições estabelecidas para a presente pesquisa, a comparação dos resultados obtidos com a aplicação das técnicas desenvolvidas por Katz et al13 e Ferreira apud Araújo2, conclui-se que a segunda técnica, embora ainda não utilizada em grande escala tem as vantagens de ser mais simples e econômica, além de permitir observar a viabilidade dos ovos de S. mansoni. Quanto à tamisação das fezes, esta representa uma ponderável causa de erro em contagens, tendendo a superestimar os valores de opg, por motivos óbvios, embora possa ter influência positiva em exames qualitativos. Essa etapa pode ser suprimida quando realizados exames quantitativos.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem as inestimáveis colaborações do Prof. Dr. Vicente Amato Neto do Laboratório de Investigação Médica, Parasitologia do Hospital das Clínicas da Medicina Tropical da FM/USP, da Profª. Hilda Maria Solís Acosta da Universidad Mayor de San Marcos, Lima, Peru, dos técnicos Maria Diniz Barbosa e Valdecir Rodrigues de Almeida do Serviço Regional de Taubaté da SUCEN e das estagiárias da FUNDAP na SUCEN, Andréa Moreira da Cunha e Valquíria Rosa de Lima.

 

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Endereço para correspondência
Dr. Horacio Manuel Santana Teles
Rua Paula Souza 166
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Tel: 55 11 227-0622, Fax: 55 11 229-8292
e-mail: horacio@sucen.sp.gov.br

Recebido para publicação em 13/8/2001
Aceito em 6/6/2003