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Fasciolíase: relato de dois casos em área rural do Rio de Janeiro

Ricardo Pereira IgrejaI; Magali Gonçalves Muniz BarretoII; Marisa da Silveira SoaresII

IFaculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil IILaboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental do Departamento de Biologia do Instituto Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ

DOI: 10.1590/S0037-86822004000500010


RESUMO

São descritos dois casos de fasciolíase em áreas rurais do Rio de Janeiro, endêmicas para esquistossomose, sendo ambos surpreendidos durante inquéritos coprológicos. O paciente de Paracambi queixava-se de tonteira. A paciente de Sumidouro queixava-se de tonteira, cansaço e tosse, tendo sido tratada com praziquantel; seus exames de controle foram negativos.

Palavras-chaves: Fasciolíase. Zoonose. Paracambi. Sumidouro.


ABSTRACT

We describe two cases of fascioliasis from rural areas of Rio de Janeiro that are endemic for schistosomiasis, both of which were found during a coprological survey. The patient from Paracambi complained of dizziness. The patient from Sumidouro complained of dizziness, tiredness and cough. She was treated with praziquantel and her stool parasitological examination became negative.

Key-words: Fasciolíasis. Zoonosis. Paracambi. Sumidouro.


 

 

A fasciolíase é uma zoonose causada por um trematódeo parasito de herbívoros, a Fasciola hepatica, e que acomete principalmente o fígado, a vesícula biliar e as vias biliares2. Os ovos, que são levados pela bile ao intestino e eliminados pelas fezes, eclodem ao ganhar o ambiente aquático, dando origem aos miracídios. Estes infectam o hospedeiro intermediário, um molusco do gênero Lymnaea, que liberará posteriormente as cercárias, que evoluem para cistos. Tais cistos, que passam a ser denominados metacercárias, localizam-se agora na superfície de plantas aquáticas, como o agrião. Quando ingeridos pelo hospedeiro definitivo, as metacercárias são liberadas na porção superior do intestino, alcançam a cavidade peritoneal e penetram no fígado através da cápsula de Glisson, aonde atingirão os ductos biliares e se tornarão adultos2.

Até recentemente, a fasciolíase humana era considerada uma zoonose secundária. Entretanto, a importância da doença humana ao nível de saúde pública aumentou nos últimos anos. Em 25 anos foram descritos 7.071 casos da doença, em 51 países de todos os continentes, sendo o maior número de casos, 3627, no continente americano8. Estima-se que possam existir até 17 milhões de pessoas infectadas com Fasciola hepatica no mundo8.

No Brasil, foram descritos 57 casos da doença em seres humanos, nos estados do Paraná (a grande maioria), São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Bahia, Rio Grande do Sul e Santa Catarina2 9. Há um único relato, de dois casos, no estado do Rio de Janeiro10.

 

RELATO DOS CASOS

São descritos dois casos de fasciolíase ocorridos em área rural do Estado do Rio de Janeiro onde há limneídeos. Nos últimos 12 anos, nossa equipe tem realizado inquéritos coprológicos nos municípios de Sumidouro e Paracambi, em busca de casos de esquistossomose. Foram realizados cerca de 20.000 exames em 4.000 pessoas (algumas delas examinadas mais de uma vez) pelos métodos de Hoffman cols5 e Kato-Katz6, com até três amostras por pessoa obtidas em dias diferentes e 4 lâminas por amostra. O primeiro caso, diagnosticado em 2001, em Paracambi, era um agricultor de 32 anos, com história de etilismo, positivo em duas amostras, que se queixava de tonteiras e recusou o tratamento para a fasciolíase. Apresentava, também, ancilostomíase. O outro caso foi diagnosticado em 2003, em Sumidouro, em uma das amostras de fezes de uma dona de casa de 48 anos, com hábito de comer vegetais crus cultivados no município e que criava bovinos e outros animais. Queixava-se de tonteira, cansaço e tosse, mas no exame físico apresentava apenas obesidade e varizes. O caso foi tratado com praziquantel, na dose de 75mg/kg dividida em três tomadas (em um único dia). Os 3 exames parasitológicos de controle foram negativos. Não pode ser descartada a hipótese de ovos do parasita estarem apenas passando pelo trato intestinal.

 

DISCUSSÃO

Relatamos dois indivíduos com queixas inespecíficas, compatíveis com fasciolíase, mas sem os sintomas mais clássicos da doença, ao contrário da maior parte dos relatos de caso, que descrevem pacientes com as formas graves de fasciolíase7. Resultados falsos positivos poderiam ocorrer quando o paciente, antes da realização do exame, ingerisse fígado ou outros alimentos que pudessem conter extratos hepáticos e biliares contaminados11. Nós não dispomos de tal informação dos nossos pacientes. Todavia, ambos moravam em áreas rurais, em contato com bovinos, e a paciente tinha o hábito de comer vegetais crus, condições favoráveis à transmissão da doença1 8.

A apresentação clínica da infecção pela Fasciola hepatica se dá sob uma forma aguda e outra crônica. A fase aguda inicia poucos dias após a ingestão de metacercárias e os sintomas apresentados são febre, dor abdominal, cefaléia, prurido e urticária. Após 2 a 4 meses a fase biliar crônica substitui gradualmente a fase aguda. O paciente pode tornar-se assintomático ou ter episódios de cólica biliar, dor abdominal e fadiga, que podem persistir por muitos anos7. A confirmação diagnóstica é realizada através da visualização dos ovos do parasita nas fezes ou no suco duodenal e também através de métodos imunológicos3.

De acordo com Haswell-Elkins e Elkins, como a fasciolíase tem sido descrita principalmente em relatos de caso, mais do que em estudos baseados em comunidades, é difícil avaliar a extensão da infecção nas áreas em que os casos foram relatados4. Tal raciocínio não se aplica aos nossos pacientes, já que os diagnósticos foram realizados através de amplos estudos coprológicos das populações. As razões que explicariam a baixa freqüência da infecção no Brasil seriam a subnotificação, a falta de diagnóstico ou mesmo o fato da doença ser realmente rara1.

Ainda não existe tratamento específico que tenha apresentado resultados satisfatórios2, sendo utilizado o bithionol, a deidroemetina e o triclabendazol3 7. Embora o praziquantel tenha uma eficácia controversa3, optamos pelo seu uso devido à falta de acesso imediato às demais medicações e obtivemos sucesso.

Este relato descreve duas novas áreas de fasciolíase no Estado do Rio de Janeiro, endêmicas para esquistossomose, a partir de pacientes surpreendidos durante inquéritos coprológicos, sem sinais de gravidade da doença.

 

AGRADECIMENTOS

Marli Tex Paulino, Susana Balmant Emerique Simões e Weslley Rodrigues Abreu pela leitura das lâminas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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 Endereço para correspondência
Dra. Magali Gonçalves Muniz Barreto
Deptº de Biologia/FIOCRUZ
Av. Brasil 4365, Pavilhão Lauro Travassos
Manguinhos. 21045-900 Rio de Janeiro, RJ
e-mail: mbarreto@cives.ufrj.br
Tel: 21 2560-6474

Recebido para publicação em 24/5/2004
Aceito em 10/7/2004
Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz. Apoio: PAPES / FIOCRUZ e CNPq