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Intradermorreação de Montenegro após sucessivas repetições do teste em Porteirinha, MG

Verônica Carneiro Borges; Miguel César Merino Ruiz; Patrícia Moreira Gomes; André Ratto Colombo; Luciana de Almeida Silva; Héctor Dardo Romero; Aluízio Prata

Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG

DOI: 10.1590/S0037-86822003000200009


RESUMO

Para avaliar a resposta a sucessivas aplicações da intradermorreação de Montenegro (IDRM), repetimos quatro vezes o teste em moradores de uma área endêmica de calazar que tiveram o exame negativo há 3-4 anos. Inicialmente, repetimos três IDRM nos que permaneceram negativos, com intervalo de 60 dias entre elas. Na segunda etapa, realizamos uma última reação em todos participantes do estudo. Do total de 49 indivíduos com IDRM prévia negativa, 19 (38,8%) positivaram o teste em alguma das vezes, 17 (34,7%) abandonaram o estudo e 13 (26,5%) permaneceram com resultado negativo em todas as aplicações. Na segunda etapa, a repetição da IDRM mostrou que dos 14 que eram positivos em algum dos testes, 8 assim permaneceram e 6 tornaram-se negativos. Nossos resultados confirmam a possibilidade de indução de hipersensibilidade tardia em alguns indivíduos pela aplicação da IDRM.

Palavras-chaves: leishmaniose visceral humana. Intradermorreação de Montenegro.


ABSTRACT

With the purpose of evaluating the response of sequential applications of Montenegro intradermoreaction (IDRM), we have repeated four times the test in the inhabitants of an endemic area for kala-azar, that resulted negative 3-4 years ago. Firstly, we have repeated three IDRM in those who remained negative, with a 60-day interval among them. In the second stage, we have performed a last reaction in all participants of the study. From the total of 49 individuals with prior negative IDRM, 19 (38.8%) have positivated the test in some of the times, 17 (34.7%) have given up the study and 13 (26.5%) remained with a negative result in all the applications. In the second stage, the repetition of IDRM has shown that from the 14 positive in some of the tests, 8 remained like this and 6 have become negative. Our results confirm the possibility of late hypersensitivity induction in some individuals as a consequence of IDRM application.

Key-words: Kala-azar. Montenegro intradermoreaction.


 

 

A intradermorreação de Montenegro (IDRM) é utilizada como teste diagnóstico na leishmaniose tegumentar, tendo sido mencionada sensibilidade variando entre 80 e 100% e especificidade chegando a 100%2 5 8 12. Na leishmaniose visceral, a IDRM tem outro comportamento, sendo negativa durante a doença ativa e tornando-se positiva após semanas ou até dois anos do tratamento7 9 13. A capacidade da IDRM sensibilizar o indivíduo, estimulando sua resposta imune, tem sido defendida por autores que demonstraram maior positividade do teste numa segunda aplicação, após curto intervalo, em voluntários sadios3 6 e negada por outros11 15. Neste contexto, temos como objetivo avaliar a resposta a sucessivas aplicações de IDRM em moradores de área endêmica de calazar sem antecedente de leishmanioses.

 

POPULAÇÃO E MÉTODOS

Em 1998 foi realizado na área endêmica de calazar, em Porteirinha, MG, um estudo tranversal com moradores de dois bairros – Vila União e Vila Vitória – onde havia registro do maior número de casos no município. Dos 1252 indivíduos estudados, 147 (11,7%) apresentaram IDRM positiva e 433 (42,5%) pelo menos um dos seguintes testes sorológicos para leishmânia positivos: teste em fita imunocromatográfica com antígeno rK39 (TRALd), ELISA com antígeno de promastigotas (ELISAp), ELISA com antígenos recombinantes (ELISArK39 e ELISArK26) e reação de imunofluorescência indireta com antígeno de promastigota (RIFI)10. Dos indivíduos com IDRM e todos os testes sorológicos negativos, foram selecionados 80 para compor nosso grupo de estudo. Todos apresentavam idade superior a 15 anos, distribuídos de forma semelhante em todas as faixas etárias. Foram convidados a participar do trabalho através de carta individual, entregue no domicílio por um funcionário da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). O período de estudo foi de março a outubro de 2002.

Em uma primeira etapa foi programada a aplicação de uma IDRM, seguida de duas outras, com intervalo entre elas de 60 dias, nos indivíduos que permanecessem negativos. Na segunda etapa, após 70 dias da última aplicação, todos os indivíduos do estudo deveriam repetir o teste.

Para a IDRM empregamos o antígeno da UFMG®, fabricado pela Biobrás em colaboração com o Instituto de Ciências Biológicas da UFMG – Belo Horizonte. É obtido de promastigotas de Leishmania (L.) amazonensis (IFLA/BR/67/PH8), apresenta concentração padronizada de 40mg de nitrogênio protéico/ml e utiliza como veículo solução salina mertiolatada 1/10.0001 4 5.

O antígeno foi injetado na face anterior do antebraço esquerdo, na quantidade de 0,1ml, via intradérmica. Procedemos a leitura após 48 a 72 h, delimitando o tamanho da pápula com caneta esferográfica14. Consideramos positivas as reações cuja média das medidas dos diâmetros transverso e longitudinal fossem iguais ou maiores que 5 mm. Tanto a aplicação quanto a leitura foram feitas pelo mesmo pesquisador.

A análise estatística foi feita pelo programa SigmaStat for Windows 2.0 (Jandel Corporation, San Raphael, CA), utilizando o teste qui-quadrado, com intervalo de confiança de 95%.

Todos os indivíduos do estudo assinaram o Termo de Consentimento após esclarecimento, em respeito à resolução 196 que regulamente pesquisa com seres humanos.

 

RESULTADOS

Dos 80 indivíduos inicialmente com IDRM negativa convidados a participar do estudo, 53 (66,3%) compareceram para a aplicação da 2ª IDRM, e apenas 49 procederam a leitura, sendo que 12 (24,5% [IC95%; 13,8%-39,2%]) positivaram o teste. O número de positivos nesta primeira repetição foi significativamente superior que o encontrado no estudo transversal prévio de 11,7% (p=0,02) Dos 37 indivíduos esperados para a 3ª IDRM, 14 faltaram, e dos 23 avaliados, 3 (13% [IC95%; 3,4%-34,7%]) apresentaram este teste positivo. Para a 4ª IDRM, mais 3 pessoas abandonaram o estudo e das 17 analisadas, 4 (23,5%[IC95%; 7,8%-50,2%]) positivaram o teste. Sendo assim, na primeira etapa, do total de 49 indivíduos com IDRM prévia negativa, 19 (38,8%) positivaram o teste em alguma das vezes, 17 (34,7%) abandonaram o estudo e 13 (26,5%) permaneceram com resultado negativo em todas as aplicações. A análise estatística mostrou diferença significativa de positividade nas repetições do teste (p=0,003) (Tabela 1).

 

 

Na segunda etapa, a 5ª IDRM foi realizada em 31 dos 49 indivíduos convocados. Em 14 dos que eram positivos em algum dos testes, 8 (58%) assim permaneceram e 6 (42%) tornaram-se negativos. Dos 17 negativos em uma ou mais vezes nenhum se positivou.

 

DISCUSSÃO

Nossos resultados confirmam os achados de Nascimento e cols6 e José e cols3 quanto à possibilidade de indução de reposta imunológica em alguns indivíduos pela aplicação da IDRM. Como trabalhamos em área endêmica, torna-se difícil afastar completamente a possibilidade de infecção assintomática em alguns destes indivíduos, no intervalo de 3-4 anos entre a primeira e a segunda IDRM. Entretanto, se esta ocorreu, a percentagem de positividade deveria ser, no máximo, semelhante à encontrada no estudo inicial de Romero10, que foi de 11,7%, já que no referido período não houve exacerbação da freqüência do calazar em Porteirinha. Contudo, na repetição do teste encontramos aumento significativo de positividade (24,5%). Mais difícil ainda seria explicar os aumentos de positividade nos curtos períodos entre os testes feitos posteriormente. Tais dados sugerem que outro fator deve estar interferindo nos resultados. Um efeito booster exercido em alguns indivíduos pela aplicação da primeira IDRM foi sugerido como explicação para o fato13. Indivíduos previamente sensibilizados teriam sua resposta imune ativada pela injeção de leishmanina ou pelo próprio conservante (timerosal), o que resultaria na positivação de reações posteriores.

Verificamos que 38% dos indivíduos tornaram-se positivos. Mas, fazendo-se a correção estimada, para os sucessivos testes, incluindo os que abandonaram a pesquisa, o número chegou a 61% de positividade. Após o 5º teste não houve novos exames positivos, mostrando que em 39% dos indivíduos a repetição do teste, em alguns até por cinco vezes não o tornou positivo, ao contrário dos 61% que possivelmente foram sensibilizados pela IDRM.

Considerando os 14 indivíduos que positivaram a reação, como explicar sua negativação posterior em 6 casos? Se estes indivíduos que tiveram a IDRM positiva foram realmente sensibilizados pela leishmanina ou pelo organomercurial usado como veículo, como perderiam esta resposta imunológica num intervalo de tempo tão pequeno.

No diagnóstico de leishmaniose tegumentar e em estudos epidemiológicos de leishmanioses, o teste de Montenegro positivo tem sido considerado como indicativo de infecção atual ou pretérita por leishmânia. A ocorrência de IDRM positiva induzida apenas pela inoculação de leishmanina deve ser levada em consideração.

 

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Recebido para publicação em 15/1/2003
Trabalho realizado com o auxílio do CNPq (Programa Centro Oeste de Pesquisa e Pós-Graduação) e da Fundação Nacional de Saúde

 

 

Endereço para correspondência: Dra Luciana de Almeida Silva. DIP/FMTM. Caixa Postal 118, 38001-970 Uberaba, MG
E-mail: tropicalfmtm@mednet.com.br