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Nova técnica para o estudo da fauna de mosquitos (Diptera: Culicidae) em internódios de bambus, com resultados preliminares

Carlos Brisola Marcondes; Hemerson Mafra

Laboratório de Entomologia Médica, Departamento de Microbiologia e Parasitologia do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

DOI: 10.1590/S0037-86822003000600022


Senhor Editor:

Os bambus e taquaras podem fornecer criadouros para mosquitos de várias espécies, principalmente de Sabethini4 6, e sua fauna tem sido estudada em vários continentes3 8 10. Os mosquitos podem efetuar postura em bambus cortados ou furados. Em bambus furados, em que há predominância de Sabethes (Culicinae: Sabethini), os ovos são pouco resistentes à dessecação3. O comportamento de postura de Sa. chloropterus foi observado em laboratório em bambus com pequeno furo2; a fêmea lança os ovos em vôo, através dos orifícios, e o autor considerou provável que tal comportamento ocorra em outros mosquitos que na natureza se desenvolvem em bambus. Mosquitos deste gênero, além de Haemagogus, têm sido incriminados como vetores de vírus de febre amarela silvestre11.

Tendo em vista esta utilização dos internódios de bambus para o desenvolvimento de mosquitos, sua biologia tem sido estudada em bambus naturalmente cortados ou furados5 6 7 ou em internódios retirados e utilizados como criadouros artificiais1 7 9. No entanto, ambos os tipos de estudos apresentam limitações. No ambiente natural, os bambus naturalmente cortados ou com internódios furados são muito raros, sendo difícil obter material suficiente para um estudo de dinâmica populacional. Adicionalmente, para a obtenção de material de alguns internódios perfurados é necessário cortar numerosas plantas. Os recipientes feitos com bambus, por sua vez, deixam de apresentar condições naturais e precisam de um período de maturação para passarem a atrair postura de mosquitos4 5.

Foi desenvolvida e testada uma técnica simples para o estudo de mosquitos que se criam em bambus, que permite obter dados volumosos, de forma controlada, para estudos de dinâmica populacional. Em janeiro de 2003, utilizando uma furadeira elétrica com bateria, foram feitos quase 300 furos de 5mm de diâmetro em bambus, num bambual situado na Unidade de Conservação Ambiental Desterro (27º31’51” S 48º30’44” W, 50-150m a. n. m., Florianópolis, Santa Catarina), à beira de uma trilha (Trilha do Jacatirão). Foi feito um furo em cada internódio, a 20cm do nó inferior, injetando 20ml de água de poço com uma seringa plástica; os furos (7-8) foram feitos do internódio mais baixo até a altura de 3,5-4,2m de altura, utilizando uma escada. A partir de fevereiro de 2003, têm sido cortados dois bambus a cada 14 dias, utilizando um facão; cada internódio é então cortado acima do furo, e a água, de cor amarela e com cheiro forte, é derramada numa bandeja plástica, lavando-se o internódio com cerca de 150-200ml de água de poço. A água de cada internódio é posta num frasco plástico e levada logo para o laboratório. Neste, as larvas visíveis são separadas, de modo a evitar predação e canibalismo, e postas em frascos com a mesma água10, mantidos em potes cobertos com tecido, para aguardar o desenvolvimento. Quando possível, são fornecidas larvas pequenas de Culex quinquefasciatus, de colônia mantida em laboratório (C.J. Carvalho-Pinto). A água de cada internódio é preservada por seis semanas, retirando-se semanalmente larvas provenientes de ovos e larvas pequenas, que tenham passado despercebidos na primeira análise. Para a feitura dos furos, despendeu-se cerca de quatro horas, e menos de uma hora para cada coleta. A disponibilidade de exúvias, além de auxiliar na identificação dos adultos, permite o desenvolvimento de estudos de morfologia e de quetotaxia, muito úteis para a taxonomia.

Com esta técnica, já foram obtidos mais de 200 exemplares de mosquitos, em sua maioria Sa. aurescens, com alguns exemplares de Wyeomyia limai e um de Sa. melanonymphe, além de algumas larvas de Syrphidae. Até o momento, foram obtidos 2,87 mosquitos por internódio, média similar à observada anteriormente para internódios com furos similares7. Há cerca de 80 imaturos, incluindo alguns de Toxorhynchites sp, desenvolvendo-se no laboratório, e o estudo será desenvolvido por um ano. O estudo mais prolongado de bambus nesta e em outras áreas certamente permitirá obter exemplares de várias outras espécies que se desenvolvem neste tipo de criadouro, de forma similar aos estudos desenvolvidos no Estado do Paraná6 7.

Este método de estudo permite a análise de preferência de postura por época do ano, altura, posição do bambu em relação à vegetação, aos pontos cardeais e a outros fatores. Os furos causados por lepidópteros noctuídeos6 foram provavelmente bem imitados por aqueles feitos pela presente técnica, e ambos provavelmente não causam modificações significativas na fisiologia dos bambus. Como os mosquitos encontrados nos internódios podem ser provenientes de ovos postos em várias ocasiões, há duas alternativas para determinar o período exato de postura: fazer os furos no início do período que se quer analisar ou fazer todos os furos no início do trabalho e manter fechados aqueles nos quais não se quer que ocorra postura. Como o primeiro método envolve o transporte freqüente da furadeira para o campo, estamos desenvolvendo método de fechamento temporário dos orifícios, por meio de anéis de borracha.

O método pode ser utilizado também para estudo em localidades em que se possa permanecer por alguns dias ou voltar algumas semanas após a feitura dos furos, para obter o material dos internódios.

 

REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Amerasinghe FP, Alagoda TSB. Mosquito oviposition in bamboo traps, with special reference to Aedes albopictus, Aedes novalbopictus and Armigeres subalbatus. Insect Science and its Application 5:493-500, 1984.

2. Galindo p. A note on the ovipositon behavior of Sabethes (Sabethoides) chloropterus Humboldt. Proceedings of the Entomological Society of Washington 59:287-288, 1957.

3. Galindo P, Carpenter SJ, Trapido H. A contribution to the ecology and biology of tree hole breeding mosquitoes of Panama. Annals of the Entomological Society of America 48:158-164, 1955.

4. Harris WV. Notes on culicine mosquitos in Tanganyika territory. Bulletin of Entomological Research 33:181-193, 1942.

5. Lopes J, Navarro-da-Silva MA, Oliveira VDRB, Borsato AM, Braga MCP. Ecologia de mosquitos (Diptera: Culicidae) em criadouros naturais e artificiais de área rural do norte do Estado do Paraná, Brasil. III. Viabilização de recipientes como criadouro. Semina Científica Biologia/Saúde 16:244-253, 1995.

6. Lozovei AL. Mosquitos dendrícolas (Diptera, Culicidae) em internódios de taquara na Floresta Atlântica, Serra do Mar e do Primeiro Planalto, Paraná, Brasil. Arquivos de Biologia e Tecnologia 41:501-508, 1998.

7. Lozovei AL. Microhabitats de mosquitos (Diptera, Culicidae) em internódios de taquara na Mata Atlântica, Paraná, Brasil. Iheringia, série Zoologia, 90:3-13, 2001.

8. Mogi M, Suzuki H. The biotic community in the water-filled internode of bamboos in Nagasaki, Japan, with special reference to mosquito ecology. Japanese Journal of Ecology 33:271-279, 1983.

9. Navarro JC, Machado-Allison C. Aspectos ecológicos de Sabethes chloropterus (Humboldt) (Diptera: Culicidae) en un bosque humedo de Edo. Miranda, Venezuela. Boletín de Entomología Venezolana 10:91-104, 1995.

10. Prado A. Contribuições ao conhecimento dos culicídeos de São Paulo. VI. Notas sobre os mosquitos originários das taquaras: Sabethoides intermedius (Lutz) e Megarhynus bambusicolaLutz & Neiva. Memórias do Instituto Butantan 9:195-199, 1935.

11. Vasconcelos PF. Febre amarela. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 36:275-293, 2003.

 

 

Recebido para publicação em 11/8/2003
Aceito em 1/9/2003