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Paracoccidioidomicose e gastrectomia

Patrícia Zambone da Silva; Flávio de Mattos Oliveira; Luiz Carlos Severo

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

DOI: 10.1590/S0037-86822003000600018


RESUMO

Em revisão feita em protocolos de 757 casos de paracoccidioidomicose foram encontrados 11 (1,5%) pacientes que previamente haviam sido submetidos à gastrectomia. É sugerido que à semelhança do que ocorre na tuberculose, os indivíduos submetidos à gastrectomia apresentam maior risco para o desenvolvimento dessas infecções.

Palavras-chaves: Tuberculose. Paracoccidioidomicose. Gastrectomia. Doença granulomatosa infecciosa.


ABSTRACT

In a review of the clinical records of 757 cases of paracoccidioidomycosis 11 (1.5%) of the patients had been previously submitted to gastrectomy. It is suggested that after gastrectomy individuals present a higher risk for the development of such infections, similar to that which occurs in tuberculosis.

Key-words: Tuberculosis. Paracoccidioidomycosis. Gastrectomy. Infectious granulomatous disease.


 

 

Em 1985, Snider4 , em Editorial publicado na Revista Chest, informa que 17 autores verificaram , no período de 1946 a 1954, a ocorrência de tuberculose em pacientes gastrectomizados e concluíram que a incidência da doença havia sido maior entre esses do que na população geral. E que, no período de 1948 e 1979, doze casuísticas, com material variando entre 135 a 1.000 pacientes, comprovaram a alta incidência de tuberculose em indivíduos gastrectomizados; nas três maiores séries, a incidência variou de 1,4% a 2,5%.

Foi investigada a possível associação entre gastrectomia com outra doença granulomatosa, a paracoccidioidomicose (PCM).

Foram revistos os protocolos de 757 casos de PCM, diagnosticados em Porto Alegre (RS), no período de 1966 a agosto de 2002. O diagnóstico da micose foi fundamentado no encontro dos elementos fúngicos multibrotantes característicos do Paracoccidioides brasiliensis nos espécimes clínicos.

Onze (1,5%) dos 757 pacientes com PCM haviam sido submetidos anteriormente à gastrectomia, devido à úlcera péptica. A micose ocorreu entre 2 e 20 (média 12,6) anos após a cirurgia. A gastrectomia parcial dos pacientes foi confirmada radiologicamente (Figura1).

 

 

Todos os 11 pacientes eram homens com idade entre 35 e 69 anos. Em todos havia comprometimento pulmonar, sendo que em cinco o único órgão envolvido eram os pulmões. Nos outros pacientes havia lesões em outros órgãos (Tabela 1). No tratamento, foram usados cetoconazol, itraconazol e sulfametoxazol-trimetoprim (Tabela 1).

 

 

A relação observada entre a maior prevalência de tuberculose em pacientes gastrectomizados (1,9%)5 assemelha-se à obtida nos pacientes com paracoccidioidomicose submetidos à gastrectomia (1,5%). No entanto, o curso natural das duas doenças não apresentou modificação. A evidência de que a gastrectomia predispõe à tuberculose e à paracoccidioidomicose é apenas presuntiva. Na literatura brasileira já foi relatada associação de gastrectomia e paracoccidioidomicose2. Contudo, mais estudos merecem ser feitos na tentativa de verificar essa hipótese. Por outro lado, esses achados levam a questionar se a gastrectomia não constituirá fator de risco para outras doenças granulomatosas.

Além de influir na incidência da tuberculose e da paracoccidioidomicose, a gastrectomia tem influência real sobre a eficácia das drogas usadas no tratamento dessas infecções. A resistência ao cetoconazol ou ao seu uso em doses maiores e em períodos maiores de tratamento1, deve-se ao fato de que a droga necessita de meio ácido para ser eficaz. Além disso, pacientes gastrectomizados apresentam decréscimo de ferro, cálcio e da absorção de sais biliares no trato gastrointestinal3, o que potencialmente pode alterar a farmacocinética da medicação, levando a níveis sistêmicos subterapêuticos6. Por falha de absorção adequada em gastrectomizados, a resistência à rifampicina tem sido observada em tuberculosos6.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Brummer E, Castaneda E, Restrepo A. Paracoccidioidomycosis: an update. Clinical Microbiology Reviews 6:89-117, 1993.         [ Links ]

2. Gabellini GC, Martinez R, Ejima FH, Saldanha JC. Módena JLP, Velludo MAL, Figueiredo JFC. Paracoccidioidomicose do estômago. Relato de caso e considerações sobre a patogenia desta lesão. Arquivos de Gastroenterologia 29:147-152, 1992.         [ Links ]

3. Pryor JP, O’Shea MJ, Brooks PL, Datar GK. The long term metabolic consequences of partial gastrectomy. American Journal of Medicine 51:5-10, 1971.         [ Links ]

4. Snider DE. Tuberculosis and gastrectomy (editorial). Chest 87:414-415, 1985.         [ Links ]

5. Steiger Z, Nickel WO, Shannon GJ, Nedwicki EG, Higgins RF. Pulmonary tuberculosis after gastric resection. The American Journal of Surgery 131:668-671, 1976.         [ Links ]

6. Welsh CH. Drug-resistant tuberculosis after gastrectomy – double jeopardy? Chest 99:245-247, 1991.         [ Links ]

 

 

 Endereço para correspondência
Dr. Luiz Carlos Severo
Laboratório de Micologia/Hospital Santa Rita, Santa Casa Complexo Hospitalar
Annes Dias 285
90020-090 Porto Alegre, RS, Brasil
Fax: 55 51 3214 8435
E-mail: severo@santacasa.tche.br

Recebido para publicação em 16/12/2002
Aceito em 28/8/2003