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Prevalência de anticorpos para o vírus da varicela-zoster em adultos jovens de diferentes regiões climáticas brasileiras

Alexanda Dias ReisI, II; Claudio Sérgio PannutiII; Vanda Akico Ueda Fick de SouzaII

IDepartamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP IILaboratório de Virologia do Departamento de Moléstias Infecciosas e parasitárias do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

DOI: 10.1590/S0037-86822003000300001


RESUMO

Para avaliar a prevalência da infecção pelo vírus da varicela-zoster, de regiões urbanas de diferentes regiões do Brasil, 975 amostras de soro provenientes de adultos jovens doadores de sangue com idade entre 20 e 29 anos, de cidades de clima tropical (Salvador e Fortaleza) e de clima temperado (São Paulo, Curitiba e Porto Alegre) foram processadas pelo teste imunoenzimático doméstico para pesquisa de anticorpos IgG anti-Vírus da varicela zoster. A soroprevalência global de anticorpos anti-virus da varicela zoster nas várias regiões estudadas foi de 94,2%. A menor taxa (88,7%) foi observada em Fortaleza e a maior em Curitiba (99,5%). A soroprevalência nas regiões de clima tropical (89,4%) foi significativamente inferior a soroprevalência nas regiões de clima temperado (97,3%), seguindo um padrão similar à infecção em outros países de clima tropical.

Palavras-chaves: Vírus da Varicela-zoster. Soroprevalência. Doadores de sangue.


ABSTRACT

To evaluate the prevalence of varicella-zoster virus infection in young adults from different Brazilian urban regions, 975 serum samples from blood donors aged 20 to 29 years, from tropical climate cities (Salvador and Fortaleza) and from temperate climate cities (São Paulo, Curitiba and Porto Alegre) were tested by an in-house ELISA for detection of anti-varicella-zoster virus IgG antibodies. The overall prevalence was 94.2%. The lowest rate was observed in Fortaleza (88.7%) and the highest in Curitiba (99.5%). Seroprevalence in tropical regions of Brazil (89.4%) was significantly higher than in temperate regions (97.3%), a similar pattern to that observed in other tropical countries.

Keyswords: Varicella-zoster Virus. Seroprevalence. Blood donors.


 

 

A varicela, uma doença comum na infância, resulta da infecção primária pelo vírus da varicela-zoster (VVZ). A varicela destaca-se por ser uma das doenças infecciosas de maior morbidade na infância e os sintomas em crianças sadias são usualmente benignos. A gravidade da doença está relacionada com o aumento da idade e a existência de imunodepressão3. A infecção pré-natal não é comum, pois a maioria das mulheres já adquiriram imunidade ao VVZ na infância. Contudo, a varicela em mulheres grávidas está associada a eventual transmissão ao feto e ao recém-nascido. Em adolescentes e adultos a varicela pode apresentar maior gravidade, existindo um aumento, dependente da idade, na freqüência de complicações, tais como encefalite e pneumonia, e nas taxas de hospitalizações e mortalidade2 5 15.

O VVZ apresenta distribuição mundial, mas epidemias anuais são comuns nos países de clima temperado com picos no inverno e na primavera. Nestas regiões, as crianças adquirem a doença durante os primeiros 5 a 10 anos de idade. Estudos soroepidemiológicos nestes países têm demonstrado que mais de 90% dos adultos são imunes ao VVZ 5 16.

Estudos clínico-epidemiológicos relatam ocorrência mais freqüente de varicela em adultos nos trópicos quando comparada a países de clima temperado, com picos de incidência nos períodos de temperaturas mínimas e umidade máxima12.Também tem sido relatados surtos em imigrantes de países tropicais para países de clima temperado. A alta densidade demográfica tem sido apontada como um dos principais fatores para aquisição da infecção10 14.

No Brasil, a varicela não é uma doença de notificação compulsória e os estudos no país são limitados6 17. Devido às suas dimensões e situação geográfica, o país possui diferentes características climáticas, apresentando clima temperado na região sul e sudeste e tropical nas regiões norte e nordeste.

O conhecimento da epidemiologia dessa doença em nosso meio é importante para se implantar medidas de prevenção nos grupos de maior risco, já que existem vacinas eficazes e seguras contra essa virose disponíveis atualmente.

O presente estudo tem como objetivo avaliar a prevalência de anticorpos anti- VVZ em adultos jovens de diferentes regiões climáticas do Brasil.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Soros. No presente estudo, foram utilizadas 975 amostras de soro de adultos jovens com idade entre 20 e 29 anos, doadores de sangue de cinco capitais de estados brasileiros localizados em diferentes regiões climáticas do Brasil: Salvador e Fortaleza (clima tropical) e São Paulo, Curitiba e Porto Alegre (clima temperado). Estas amostras foram coletadas em 1997, para determinação da prevalência de anticorpos anti-sarampo, e foram mantidas estocadas a -20o C. O projeto foi aprovado pela comissão de ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e pela comissão de ética do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (parecer 173/CEP – protocolo 158).

Detecção de anticorpos. Anticorpos anti-VVZ foram detectados através de teste imunoenzimático (ELISA) padronizado no Laboratório de Virologia do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo.

Para o preparo dos antígenos viral e controle, foram utilizadas garrafas contendo monocamada confluentes de fibroblastos humanos, obtidos a partir de prepúcio de crianças postectomizadas, mantidas em meio MEM (Minimum Essential Medium – Gibco BRL®) com 2% de soro fetal bovino (Gibco BRL®), adicionado de penicilina 100U/ml, estreptomicina 100ug/ml e anfotericina B (2ug/ml). As garrafas que foram utilizadas na produção do antígeno viral, foram inoculadas com VVZ (cepa Oka) e mantidas a 37oC até a observação de 100% de efeito citopático característico. Com pérolas de vidro, as células foram desprendidas da parede da garrafa e lavadas 2 vezes com solução salina tamponada com fosfatos pH 7,2 (PBS) gelado. A seguir, as células infectadas foram rompidas por ultra som em banho de gelo e os antígenos solubilizados com desoxicolato de sódio a 0,2% durante 30 minutos a 4oC. Após centrifugação, o sobrenadante foi dividido em alíquotas e estocado a -70oC. Simultaneamente, o antígeno controle foi preparado da mesma forma com células não infectadas.

As diluições ótimas do antígeno viral e controle para a sensibilização das placas foram determinadas por titulação em bloco, utilizando-se soros sabidamente positivos e negativos.

As placas foram sensibilizadas com 50µl das diluições ótimas do antígeno viral e controle, em colunas alternadas da placa (NUNC-Polysorp) durante 18-24hs a 40C. Para a realização da reação as placas foram lavadas 2 vezes com solução salina tamponada com fosfatos, pH 7,2 (PBS) contendo 0,1% de Tween 20 (PBS-T) e incubadas a 370C por 1 hora, com 200µl de solução bloqueadora (SB) constituída de PBS contendo 5% de leite desnatado (Molico-Nestlé®) e 0,1%Tween 20 (Sigma). Após o bloqueio desprezou-se a SB e adicionaram-se 50µl de soro previamente diluído a 1/100 em SB, nas cavidades contendo antígeno viral e controle. Após incubação durante 1 hora a 370C, a placa foi lavada 4 vezes com PBS-T e em todas as cavidades foram adicionados 50µL de conjugado anti-IGg humano marcado com peroxidase (Gibco BRL®) diluído a 1:2000 em SB. Após incubação por 40 minutos a 370C, a placa foi novamente lavada 4 vezes com PBS-T e adicionaram-se 50µL de substrato/cromógeno constituído de OPD (ortofenilenodiamina) e peróxido de hidrogênio em tampão citrato, pH 5, incubando-se a temperatura ambiente, ao abrigo da luz por 20 minutos. Após interromper a reação com ácido sulfúrico 2,5N, procedeu-se à leitura em espectrofotômetro de placas com filtro de 492nm. A reação foi medida pela DDO (diferença entre as densidades ópticas encontradas no poço com antígeno viral e no poço com controle). O valor de corte (cut-off) do teste (0,25) foi determinado pela média mais três desvios padrões das DDO de 10 soros sabidamente negativos.

Análise estatística. Para comparação entre as taxas de soroprevalência foi usado o teste do qui-quadrado com nível de significância estatística de 0,05, utilizando-se o programa EPI Info 6.0, produzido pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC).

 

RESULTADOS

A soroprevalência global de anticorpos anti-VVZ em adultos jovens residentes nos 5 centros urbanos avaliados foi de 94,2% (916/975). A menor (88,7%) taxa foi observada em Fortaleza e a maior (99,5%) em Curitiba. A soroprevalência nas regiões de clima tropical (89,4%) foi significativamente inferior a soro-prevalência nas regiões de clima temperado (97,3%) (p<0,0001) (Tabela 1).

 

DISCUSSÃO

Em virtude das grandes diferenças sociais e econômicas existentes no Brasil há um grande fluxo migratório no país de adultos jovens, principalmente do norte e nordeste (regiões de clima tropical) para o sul e sudeste (clima temperado). Estas correntes migratórias de certo modo reproduzem o que se observa na emigração de habitantes de países tropicais para aqueles de clima temperado, onde surtos de varicela em imigrantes tem sido observados13.

Contudo, estudos de soroprevalência para anticorpos anti- VVZ comparando diferentes regiões do Brasil são escassos6.

A taxa geral de soropositividade para o anti-VVZ em adultos jovens de 5 áreas urbanas do Brasil observado no presente estudo (94,3%) foi semelhante aos resultados relatados em estudos feitos em países de clima temperado8 15 e no Brasil por Clemens et al6, que relataram 95% de soroprevalência entre adolescentes e adultos.

Os dados do presente estudo indicam que o fator climático poderia, como relatado anteriormente, ter influenciado na epidemiologia desta virose, já que a taxa de prevalênciade anticorpos anti-VVZ foi significativamente inferior nas cidades localizadas na região tropical (89,4%) quando comparada à população das cidades de clima temperado (97,3%).

Em faixa etária similar ao do presente estudo (21 a 30 anos), menores taxas de soroprevalência foram relatados em países de clima tropical: 69% na Tailândia13, 81% nas Filipinas4, 88% na Índia9, 53,6% no Paquistão1 quando comparado a países de clima temperado. No Brasil, um estudo de soroprevalência realizado por Clemens et al6 em quatro capitais (Rio de Janeiro, Manaus, Fortaleza e Porto Alegre) não revelou diferença nas taxas de soropositividade na faixa etária de 21 a 30 anos. Nesta mesma casuística, foram encontradas taxas superiores a 85%, mesmo em crianças de 1 a 5 anos das cidades de Manaus e Fortaleza. Estes dados são discordantes de inquéritos soroepidemiológicos realizados em outros países de clima tropical e necessitam ser melhor avaliados.

No presente estudo, os resultados obtidos em regiões com clima temperado (São Paulo, Curitiba e Porto Alegre) foram similares aos encontrados em adultos jovens de outros países de clima temperado, onde a prevalência de anticorpos para o VVZ é de quase 100%5.

Um dos fatores que poderia contribuir para a menor prevalência da infecção pelo VVZ nas regiões de clima tropical seria a combinação da temperatura ambiental com a umidade, que poderia inativar o vírus e reduzir sua transmissão7 13.

Considerando-se que todas as cidades do presente estudo são de alta densidade demográfica, a diferença nas prevalências não parece estar relacionada à agregação populacional, corroborando uma eventual influência do fator climático na epidemiologia desta virose, como mostra o trabalho realizado por Lolekha et al, na Tailândia.

Entretanto, a ausência de dados sobre a procedência (zona rural ou zona urbana) dos doadores de sangue da presente casuística, e as características sociais e econômicas dos mesmos, não permite tirar conclusões sobre este aspecto.

Embora Mandal et al12 tenham sugerido que a maior suscetibilidade de adultos ao VVZ nos trópicos seja devido exclusivamente à menor exposição de indivíduos que moram na zona rural, tal fenômeno não foi observado na Espanha, onde as taxas de soroprevalência foram 97% e 98%, nas zonas rural e urbana, respectivamente15, como também na Turquia onde as taxas de soroprevalência na zona rural foi de 76,3% e da zona urbana foi de 79%11.

Este estudo sugere que a infecção primária pelo VVZ nas regiões tropicais no Brasil, segue padrão similar à infecção em outros países com clima tropical.

Tendo em vista o aumento no risco de complicações da varicela com o aumento da idade, é importante considerar a vacinação naqueles migrantes de regiões tropicais para os centros urbanos das regiões sul e sudeste, que não tenham história de varicela. Isto é particularmente importante para trabalhadores de hospitais, onde surtos hospitalares, principalmente entre pacientes imunocomprometidos apresentam conseqüências graves.

 

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Endereço para correspondência
Dra Alexanda Dias Reis
Laboratório de Virologia/DIP/FM/USP
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 470/2a andar
05403-000 São Paulo, SP, Brasil
Tel: 11 3062-2645 Fax: 11 3062-2645
e-mail: adiasreis@bol.com.br

Recebido para publicação em 17/9/02
Aceito em 27/3/2003
Órgão Financiador: Fapesp ( Processo no 1999/05681-7)