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Vicente Amato Neto

Vicente Amato Neto

DOI: 10.1590/S0037-86822002000200011

Senhor Editor:

 

 

Revistas científicas relacionadas com Medicina ou com outras áreas nas quais há imperiosidade no sentido de divulgação dos resultados de pesquisas e de conhecimentos de diferentes naturezas precisam, para serem consideradas como respeitáveis, nortear suas elaborações através da obediência a premissas essenciais. Entre elas figura a participação de Conselho Editorial composto por profissionais competentes, que devem exercer atividades de molde a preservar, com objetividade e justiça, as finalidades importantes das publicações que representam. Contudo, alguns desses juízes agem sem levar em conta o pretendido por meio dos laudos que emitem, porquanto personalismos, prepotências, invejas e até despreparo prevalecem.

A propósito, como exemplos, citarei acontecimentos comigo vinculados e ocorridos no âmbito de determinadas revistas.

1 – Em uma investigação avaliei o desempenho de prova sorológica para o diagnóstico da doença de Chagas. O julgador, contrariado, criticou-me afirmando que o correto seria dizer para o diagnóstico da infecção pelo Trypanosoma cruzi. Talvez tenha considerado que na forma indeterminada não figuram alterações orgânicas reveláveis por métodos rotineiros; porém, ela faz parte da demarcação das modalidades da doença de Chagas humana. Além disso, anormalidades são percebidas em muitas pessoas se usada metodologia mais sensível. Outrossim, na etapa aguda muitos acometidos não revelam manifestações expressivas, mas potencialidade evolutiva existe.

Creio que não estou livre da necessidade de obedecer a determinação de árbitro afeiçoado a obstinações que imporá a designação esquizotripanose.

2 – Julgador extremamente nacionalista não gostou da expressão gold standard, que interpretou como anglicismo inaceitável. Errou grosseiramente, pois anglicismo não é isso (Anglicismo. Do fr. anglicisme. S.m. Palavra ou locução inglesa introduzida noutra língua e empregada como se fora desta¾ Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira). No caso foram usadas palavras na língua inglesa sem escamotear. Também desaprovo recorrer a opções desse tipo e a palavras estrangeiras abusivamente. Todavia, várias estão consagradas no contexto científico pela falta das que, em nosso idioma, não expressam bem as mesmas coisas. Gold standard é mais do que padrão por demarcar melhor condição de valor irrefutável; padrão é modelo, não obrigatoriamente vinculado com infalibilidade.

Não sei como o exigente nomeia o mouse do computador. Criterioso como julga ser certamente usa camundongo, rato ou ratinho. Também não deve gostar de Shopping Center, mas se empresário mudar para Centro de Compras talvez enverede, comercialmente, para fracasso.

3 – Um outro juiz rejeitou a designação benznidazol que atribuí a fármaco antiparasitário. O certo para ele é benzonidazol. Revelou desconhecimento. É benznidazol na língua portuguesa e benzonidazole na inglesa, segundo as respectivas Farmacopéias. Escolheu justamente o que corresponde a erro e criticou quem de fato conhece o assunto.

4 – Procurei saber se anticorpo do tipo IgM surge sobretudo quando o número de T. cruzi no sangue é mais elevado e persistente. Como base empreguei xenodiagnósticos repetidamente. O julgador rejeitou a matéria enviada para publicação porque, como concebe, xenodiagnóstico não reflete parasitemia. Logicamente a determinação é diferente das quantitativas em especial estipuladas nos modelos experimentais, efetuados com animais. Porém, os triatomíneos infectam-se com sangue, onde pode estar o parasita e isso constitui parasitemia, sem dúvida.

5 – Um conselheiro vetou a aceitação de matéria que relata o verificado após a administração do antiparasitário nifurtimox a dez pacientes com doença de Chagas na etapa crônica. Ao mesmo tempo os enfermos receberam corticóide. O controle clínico-parasitológico, que também incluiu provas sorológicas, teve duração muito longa, de até duas décadas em um dos membros da casuística.

Na objeção foi mencionado que está esgotado o interesse pelo conhecimento da utilidade desse fármaco. Então, não sei como justificar a inclusão em reunião sobre pesquisa aplicada em doença de Chagas, realizada em outubro de 2001, de sessão para demarcar como se encontra hoje a terapêutica etiológica da mencionada moléstia, na qual benznidazol e nifurtimox têm posição destacada, pelo menos por enquanto.

Os juizes, componentes de Conselhos Editoriais, devem ser escolhidos em virtude de reconhecidas credenciais que possuem e, ao opinarem, jamais podem ser dominados por emoções, caprichos ou valorização de critérios não essenciais. Todavia, não é rara a ação de alguns que se desviam do que é fundamental. Da mesma forma, torna-se imperioso que não pretendam impor maneira própria quanto à redação e respeitem o estilo do autor, desde que o texto seja compreensível. Por fim, saliento que cabem aos editores apreciações finais, coibitórias de extravagâncias.

 

Vicente Amato Neto

Endereço para correspondência: Prof. Vicente Amato Neto. Alameda Casa Branca 559/7o andar, 01441-001 São Paulo, SP.
Fax: 55 11 3081-8158
E-mail: amatonet@usp.br
Recebido para publicação em 17/12/2001.