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Epidemia de dengue em Ipupiara e Prado, Bahia. Inquérito soro-epidemiológico

Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, Karla Mota, Andréa Straatmann, Sandro Santos-Torres, Amélia P.A. Travassos da Rosa e José Tavares Neto

Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde para Arbovírus, Serviço de Arbovírus do Instituto Evandro Chagas, Belém, PA; Unidade Docente-Assistencial em Infectologia e Laboratório de Genética Médica do Hospital Universitário e Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA.

DOI: 10.1590/S0037-86822000000100009


Resumo No Brasil, os inquéritos sorológicos têm assinalado taxa de infecção pelo vírus do dengue de 25% a 56%, porém esses estudos foram realizados em populações de cidades de médio ou grande porte. No presente estudo, são descritas duas epidemias de febre clássica de dengue (DEN) no Estado da Bahia. A primeira, ocorrida em 1987 e causada pelo sorotipo DEN-1 em Ipupiara e, a segunda, causada pelo DEN-2, em Prado e que ocorreu em 1995. O diagnóstico laboratorial foi realizado utilizando o teste de inibição da hemaglutinação (IH). Em 1995, foram coletadas 461 amostras sorológicas de uma população de 3.868 habitantes em Ipupiara (região da Chapada Diamantina) e 228 de um total de 9.126 habitantes em Prado (Litoral Extremo Sul). A soro-positividade das amostras foi de 11,9% (55/461) em Ipupiara e 17,5% (40/228) em Prado. Não houve diferença, estatisticamente significante, quanto a idade e o gênero entre os indivíduos soro-positivos e negativos das duas cidades estudadas. Entretanto, em Ipupiara os soro-positivos (15,9% vs. 9,3%) relataram, mais freqüentemente (p < 0,03), residência ou viagens para outros Estados do Brasil. Com base nos dados, estimou-se a ocorrência de 460 e 1.597 casos da infecção em Ipupiara e Prado, respectivamente. Em conclusão, nas cidades de menor porte a dinâmica da infecção pelo vírus do dengue, provavelmente, tem características peculiares, porque nessas localidades a prevalência é menor em conseqüência das menores potencialidades de desenvolvimento do Aedes aegypti .
Palavras-chaves: Dengue. Epidemia. Inquérito soro-epidemiológico. Bahia.

Abstract Serologic studies in Brazil have indicated a 25% to 56% prevalence of dengue virus infections. However, these studies were carried out in populations of middle-sized and larger cities. The present study describes two epidemics of classic dengue fever in two small cities in the State of Bahia. The first occurred in 1987, in Ipupiara and was caused by dengue serotype-1 (DEN-1), the second occurred in 1995, in Prado and was caused by dengue serotype-2 (DEN-2). The laboratory diagnosis was made by the hemagglutination-inhibitation test. 461 serum samples were collected in 1995 in Ipupiara (district of Chapada Diamantina) out of a population of 3,868 and 228 samples out of a total of 9,126 inhabitants of Prado (in the Southernmost coastal region). The seropositivity of the samples was 11.9% (55/461) in Ipupiara and 17.5% (40/228) in Prado. These were no statistically significant differences as to age and sex between seropositive and seronegative individuals of the two cities studied. However, the seropositive cases in Ipupiara indicated a higher percentage (15.9% vs. 9.3%) of residency in or travel to other states of Brazil (p<0.03). Based on these data we estimate the occurrence of 460 and 1,597 cases of infection in Ipupiara and Prado, respectively. In conclusion, dengue virus infections in smaller cities probably have singular characteristics, since they exhibit a lesser prevalence of seropositivity caused by decreased breeding possibilities of Aedes aegypti .
Key-words: Dengue. Outbreak. Serology survey. Bahia State.

 

 

O primeiro registro de dengue no Estado da Bahia ocorreu em 1987, quando o sorotipo dengue 1 (DEN-1) foi identificado na epidemia em Ipupiara, cidade localizada na região da Chapada Diamantina do Estado3 8. Esta epidemia foi isolada e circunscrita à zona urbana desse município, posto que medidas de contenção foram intensificadas, especialmente o combate ao vetor Aedes aegypti. Assim, essa epidemia foi controlada, não sendo registrado casos em municípios vizinhos9.

Após oito anos, em 1995, o sorotipo dengue 2 (DEN-2) foi introduzido no Estado da Bahia a partir da região extremo sul do Estado, limítrofe com os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Esta epidemia também atingiu o município de Prado e, ao contrário daquela ocorrida em Ipupiara, caracterizou-se pela rápida disseminação dos casos para outros municípios, o que marcou o início da hoje intensa distribuição do DEN-2 no Estado da Bahia3. Isto decorreu, provavelmente, do contexto precário de ações preventivas e, até mesmo, da falta de combate aos focos epidêmicos, razão esta que tem determinado a disseminação epidêmica do dengue não só como fenômeno localizado no Estado da Bahia, mas também em todo o território nacional7 e mesmo em quase toda América Latina6.

O presente trabalho focaliza o estudo soro-epidemiológico destes episódios ocorridos nos municípios de Ipupiara e Prado, especialmente porque ambas as localidades são cidades de pequeno porte e as pesquisas semelhantes, realizadas no Brasil2 4 10 16 17 18, foram em populações de cidades de maior porte, geralmente grandes capitais.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Áreas de estudo. O município de Ipupiara (11º 43′ S, 42º 50′ O) fica localizado na região central do Estado da Bahia, região da Chapada Diamantina, distando 624km de Salvador com acesso pela rodovia BR-324 (Figura 1). Como se encontra em pleno sertão baiano, portanto sujeita a secas periódicas, a migração é uma característica demográfica marcante1. As principais atividades produtivas são agropecuária de subsistência, extrativismo mineral (cristal de rocha) e pequeno comércio1.

 

 

O município de Prado (17º 18′ S, 39º 15′ O) localiza-se no litoral baiano, no extremo sul do Estado da Bahia e dista 787km de Salvador com acesso principalmente pela rodovia BR-101 (Figura 1). As principais atividades produtivas em Prado são o turismo, pesca e comércio1.

Há entre as duas cidades selecionadas, além das diferenças no tamanho da população e localização geográfica, marcantes diferenças históricas, sócio-culturais, econômicas e antropológicas.

População. As populações-alvo do estudo foram os habitantes das áreas urbanas de Ipupiara e Prado. Para a realização do estudo, a população urbana foi estimada em 3.868 e 9.126 habitantes, respectivamente de Ipupiara (estimada para janeiro de 1987)1 e Prado (de dezembro de 1995)1.

Para fins do estudo, as amostras séricas dos residentes de Ipupiara foram coletadas entre 22 a 30 de julho de 1995 e as de Prado entre 18 e 22 de dezembro do mesmo ano. Em Prado, coletou-se amostras sangüíneas de todos os presentes no 10º domicílio de cada quadra da área urbana e em Ipupiara do 1º e 10º domicílios de cada quadra urbana. Em Ipupiara somente foram incluídos os nascidos até dezembro de 1986 e residentes nessa cidade durante o período de transmissão de DEN-1, de janeiro a abril de 19879. Em Ipupiara e Prado, coletou-se amostras sangüíneas, após consentimento formal do indivíduo ou do seu responsável, ao mesmo tempo do preenchimento do questionário de todas as pessoas presentes no domicílio. As amostras de soro foram coletadas utilizando o sistema de colheita a vácuo. Cerca de 5ml de sangue foi obtido de cada indivíduo e deixados em repouso para retração do coágulo. Em seguida eram centrifugados para se obter os soros que imediatamente eram guardados a -20oC até serem enviados ao Serviço de Arbovírus do Instituto Evandro Chagas (Belém, PA), onde foram processados os testes sorológicos específicos.

Teste sorológico. Os soros foram testados utilizando o teste de inibição da hemaglutinação (IH) de acordo com a técnica de microplacas13 14. Para fins do estudo, utilizou-se oito Flavivirus, a saber: DEN-1, DEN-2, DEN-3, DEN-4, Ilhéus (ILH), Rocio (ROC), encefalite St. Louis (SLE), amostra silvestre (BE H 111) e amostra vacinal (17D) do vírus da febre amarela (FA), cujos antígenos e respectivos antisoros foram preparados no IEC de acordo com os procedimentos padrão13 14 15.

Todos os soros obtidos e os controles negativos e positivos foram tratados pelo método de extração pela acetona e adsorvidos em glóbulos de ganso antes de serem testados. Os antígenos e antisoros foram previamente titulados, sendo que os antígenos foram usados na concentração de 4 unidades hemaglutinantes, enquanto os antisoros foram testados em diluições seriadas começando a 1:10 e as amostras séricas em diluições seriadas a partir de 1:20.

Foram consideradas positivas as amostras séricas que apresentaram reatividade em título recíproco maior ou igual a 20, sendo nesses casos classificadas de acordo com o título apresentado como reação monotípica quando reagiu com apenas um tipo viral ou, alternativamente, se o título para um vírus fosse pelo menos quatro vezes maior que os dos outros sorotipos e, heterotípica, quando reagiu com mais de um Flavivírus em títulos iguais. Títulos menores que 20 foram considerados negativos.

 

RESULTADOS

Foram coletadas 689 amostras sangüíneas, sendo que desse total 461 soros procederam de Ipupiara e 228 de Prado.

Ipupiara. Das 461 amostras 273 (59,2%) eram de pessoas do gênero feminino e 188 (40,8%) do masculino, que apresentaram reatividade de 12,8% (35/273) e 10,6% (20/188), respectivamente, para o sorotipo DEN-1 (reação monotípica ou heterotípica), sendo a positividade global de 11,9% (55/461). Porém, a diferença entre os gêneros foi estatisticamente semelhante (p > 0,46). A comparação entre as idades dos indivíduos com resultado sorológico negativo (x = 38,1 anos) e positivo (x = 39,4 anos) também não mostrou diferença significante (p > 0,67). Os soropositivos apresentaram mais freqüentemente (p < 0,03) relatos de migração temporária para outras regiões do país (Tabela 1). Nenhuma amostra mostrou reatividade específica para os sorotipos DEN-2, DEN-3 ou DEN-4.

 

Tabela 1 – Pesquisa de anticorpos contra o vírus do dengue (DEN) nas amostras de moradores das cidades de Ipupiara (sorotipo 1, DEN-1) e Prado (sorotipo 2, DEN-2), do Estado da Bahia, de acordo com o gênero, a idade e o relato de residência ou viagens para outros Estados brasileiros.

 

Prado. Das 228 amostras de soro obtidas 148 (64,9%) eram de pessoas do gênero feminino e 80 (35,1%) do masculino, sendo a soropositividade de 14,2% (21/148) e 23,8% (19/80), respectivamente, sendo essa diferença não significante (p > 0,07). No geral, 17,5% (40/228) da população estudada foram soropositivos para DEN-2. A idade média das pessoas estudadas foi de 44,4 anos e 41,7 anos para os sorosnegativos e positivos, respectivamente, mas a diferença não foi estatisticamente significante (p > 0,41). Os resultados sorológicos das pessoas que nunca migraram para outros estados e/ou regiões em comparação àquelas que já tinham morado fora do Estado da Bahia foram semelhantes (p > 0,64), como também mostrado na Tabela 1. Todas as amostras testadas apresentaram resultados negativo para o sorotipo DEN-1, DEN-3 ou DEN-4.

Estimativa de casos. Na Tabela 2, com base nessas prevalências encontradas (11,9% e 17,5%) e, nas populações estimadas para os dois municípios estudados, foi calculado o número de infecções de dengue (assintomáticos, oligossintomáticos e sintomáticos) como sendo de 460 em Ipupiara e 1.597 em Prado. Nestes municípios, por ocasião das epidemias, o número de casos notificados foi de 196 em Prado e, segundo a fonte, de 422 a 623 casos em Ipupiara (Tabela 2). Na cidade do Prado, os casos notificados correspondem a somente 12,3% (196/1.597) dos casos estimados, enquanto que em Ipupiara o número de casos notificados foi maior do que o estimado (135,4%; 623/460) ou, segundo a outra fonte, próximo ao número estimado de infecções (91,7%; 422/460).

 

Tabela 2 – Número de casos de dengue, estimados e notificados, nas cidades de Ipupiara e Prado do Estado da Bahia.

a) Fonte: referência 1; b) % = (número de casos notificados/estimado). 100; (3) Dias JP3; (8) Mota K8; c) SI, não foi objeto de investigação pelo autor8

 

 DISCUSSÃO

O número estimado de infecções de dengue em Ipupiara de 460 casos (assintomáticos, oligossintomáticos ou sintomáticos), baseado na prevalência de soro-positivos de 11,9%, foi menor que o número notificado3 de doentes (n = 623) com diagnóstico clínico-epidemiológico. A explicação mais plausível para este fato seja que, durante a epidemia, muitos casos febris devidos a outras doenças infecciosas tenham sido notificados como dengue, pois naquela ocasião, uma equipe da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB), foi deslocada para Ipupiara para ajudar no reconhecimento clínico de casos que, em seguida eram notificados como dengue (G Teixeira: comunicação pessoal, 1998). Em conseqüência, como aumentou o número de médicos e enfermeiros disponíveis, temporariamente, para o atendimento clínico e a busca ativa de casos, é possível o encontro de maior número de portadores com o diagnóstico clínico-epidemiológico de dengue, além, nessas condições, da população procurar mais a Unidade de Saúde local, pois na ocasião somente um médico residia em Ipupiara (MG Teixeira: comunicação pessoal, 1998).

Por outro lado, na mesma ocasião, entre a 6ª e 20ª semana epidemiológica de 1987, a Unidade de Saúde de Ipupiara notificou 422 casos clínicos de dengue9, em lugar dos 623 registrados pela SESAB. Em ambas as fontes de registro, o pico da epidemia em Ipupiara ocorreu entre a 13ª e 14ª semana epidemiológica. Também, nesta mesma ocasião, a equipe de profissionais da SESAB selecionou 53 pessoas de Ipupiara com diagnóstico clínico-epidemiológico de dengue e o teste sorológico de enzima imuno ensaio para detecção de IgM (MAC ELISA)7 foi positivo em 13 (22,8%) indivíduos9. Deste modo, pode-se especular que o diagnóstico clínico-epidemiológico não foi acertado em 77,2% dos casos suspeitos clinicamente. Por sua vez, os 422 casos notificados, por outra fonte9, aproximou-se do número de casos estimados (n = 460) neste trabalho e, assim, considerando a freqüência elevada de infecção assintomática ou oligossintomática durante epidemias de dengue16 17, é muito provável que entre os 422 indivíduos, muitos tiveram, verdadeiramente, outros quadros infecciosos.

Quanto à epidemia (DEN-2) em Prado, cujo estudo foi realizado próximo ao fim da mesma e antes da introdução do DEN-1 na região3, o número estimado de infecções foi de 1.597, sendo oito vezes maior que o número de casos clínicos notificados até o final de 1995, que foi de 196 (12,3%) casos3. Este número (12,3%) está próximo ao esperado, pois segundo a Organização Mundial de Saúde19 20 e a Organização Pan Americana de Saúde11, o número de casos notificados corresponde a 10% do total de infecções causadas pelo vírus do dengue. Ou seja, para cada caso notificado devem ocorrer pelo menos nove outros que não foram notificados ou apresentaram infecção assintomática ou oligosintomática do dengue11 19 20. Por outro lado, em outras epidemias estudadas no Brasil, o contraste entre o número de casos notificados e os estimados mediante estudos soro-epidemiológicos, com diferentes metodologias é muito maior. Em Boa Vista10, Rio de Janeiro4, Araguaina16, Niterói2, Fortaleza17 e São Luís18, a distribuição de casos estimados versus os notificados nestas cidades, mostra a existência de grande subnotificação de dengue no Brasil.

A população da cidade de Prado migra pouco, ao contrário do observado em Ipupiara, porque dispõe de atividade econômica mais diversificada e desenvolvida1. Já no município de Ipupiara, é a migração o processo que mantém pouco alterado o tamanho da população, decorrente dos períodos prolongados e cíclicos de estiagem e associados à baixa atividade econômica1. Com efeito, provavelmente a migração deve ter sido o mecanismo que levou o vírus do dengue até Ipupiara, quando no restante do Estado da Bahia, em outros municípios mais vulneráveis, não havia registro de casos dessa enfermidade. Em Prado, por seu turno, que se situa próximo a grandes centros urbanos fora do território baiano, onde ocorriam transmissão ativa de dengue, é provável que turistas tenham sido os responsáveis pela introdução do DEN-2 na região, no último trimestre de 1994.

O fato de que a epidemia de Ipupiara tenha sido localizada e sem evoluir para uma disseminação e a de Prado ao contrário, tenha representado o início da situação endêmica do DEN-2 no Estado, provoca questões sobre os diferentes momentos da Saúde Pública no Estado da Bahia e no Brasil. No primeiro episódio em Ipupiara, o Estado da Bahia usou todos os recursos disponíveis para controlar a epidemia, que era a primeira no Estado e, portanto, de impacto maior. Isto facilitou o controle e a eliminação da transmissão. Em 1995 na cidade de Prado, por outro lado, o Estado da Bahia já havia apresentado diversas epidemias pelo DEN-2 e, quando ocorreu o episódio em Prado, é possível que tenha sido considerado de início uma epidemia a mais. Ademais, como haviam outras epidemias em diversos municípios baianos, o pessoal humano responsável pelo controle estava disperso, combatendo diferentes surtos epidêmicos, o que dificultou o controle dessa epidemia e favoreceu a disseminação do DEN-2 no Estado da Bahia.

Outro fato interessante, foi observado em Ipupiara no tocante à pergunta sobre residência fora do Estado. Assim, as pessoas que se deslocaram com mais freqüência para outros Estados e outras regiões do País, apresentaram maior prevalência de anticorpos para dengue, do que aqueles que negaram moradia ou viagens para outras unidades da federação. Isto pode significar que muitas vezes esses migrantes adquirem o dengue durante esses deslocamentos. Com efeito, hoje sabe-se que esta, inclusive, é uma das maneiras pela qual se explica a disseminação do dengue, isto é, a migração desempenha papel relevante na disseminação do vírus, o que já foi demonstrado e enfatizado em revisão dos fatores que modulam a transmissão do vírus dengue nas Américase outra que revisa dengue e dengue hemorrágico no mundo5.

Por outro lado, estudos dessa natureza, avaliando o impacto de epidemias de dengue no Brasil, incluindo estimativas de prevalência e do número de infecções, têm sido realizados somente em cidades de maior porte2 4 9 10 16 17 18, como já assinalado, onde diversos fatores contribuem para a elevada percentagem (25% a 56%2 4 9 10 16 17 18) de soro-positivos, entre eles o abastecimento de água descontínuo, ausência de coleta e/ou destino adequado do lixo especialmente nas periferias, grande concentração populacional, acúmulo de pneus usados que armazenam água da chuva, carência de técnicos atuando na prevenção e controle do Ae. aegypti, entre outros fatores comuns aos grandes centros urbanos brasileiros.

Nas pequenas cidades, ao contrário, esses graves problemas urbanos são proporcionalmente menores e, provavelmente, as condições de proliferação do Ae. aegypti são mais desfavoráveis, bem como é menor o potencial de transmissão do vírus do dengue, pelo diminuto número de susceptíveis. Assim nas localidades com menor contingente populacional, como Ipupiara (11,9%) e Prado (17,5%), a prevalência da infecção pelo vírus do dengue tende a ser menor. Com efeito, tem sido observado que nas cidades pequenas, com população abaixo de 20.000 habitantes, os índices de infestação predial encontram-se com muita freqüência abaixo de 5%.

Finalmente, nas pequenas cidades, os locais que servem de criadouros (geralmente recipientes para armazenar água para consumo humano) para o Aedes aegypti são também diferentes daqueles de cidades grandes, onde o acúmulo de lixo costuma ter papel preponderante na manutenção dos níveis de infestação do vetor e transmissão de dengue (Z Guerra, SR Silva: Informação pessoal, 1999).

Em conclusão, as observações colhidas em Ipupiara e Prado podem ser úteis para elaboração de estratégias de controle e/ou planejamento, especialmente nas cidades brasileiras de porte semelhante, quando da introdução de outros sorotipos virais e, também, na estimativa da população sob risco de desenvolver a febre hemorrágica do dengue.

 

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Juarez Pereira Dias, pelos valiosos dados fornecidos e a Profa. Glória Teixeira, que estudou a epidemia de Ipupiara em 1987 e forneceu importantes informações a respeito.

 

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