Home » Volumes » Volume 34 January/February 2001 » Malária no Estado do Paraná, Brasil

Malária no Estado do Paraná, Brasil

Marta Bértoli e Maria da Luz Ribeiro Moitinho

Departamento de Análises Clínicas, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil.

DOI: 10.1590/S0037-86822001000100007


Resumo Visando a obtenção de informações sobre os casos de malária registrados no Estado do Paraná, analisaram-se os relatórios de atendimento de casos suspeitos de malária elaborados pela Fundação Nacional de Saúde, regional do Paraná, no período de janeiro de 1994 a dezembro de 1999. Das 31.975 amostras de sangue examinadas, 7,4% mostraram-se positivas, sendo 86,4% para Plasmodium vivax; 12,7% para P. falciparum; 0,04% para P. malariae e 0,9% para P. vivax e P. falciparum. Com relação à classificação epidemiológica, 84,5% representaram casos importados e 15,5% casos autóctones. Os municípios com maior número de casos autóctones foram Foz do Iguaçu, Santa Terezinha do Itaipu e Santa Helena, região de influência do lago de Itaipu, onde devem-se, portanto, concentrar os esforços de vigilância.
Palavras-chaves: Malária. Epidemiologia da malária. Malária no Paraná.

Abstract To collect data regarding registered cases of malaria in the state of Paraná, attendance reports of suspected cases of malaria performed by Fundação Nacional de Saúde, Paraná regional center, were analyzed from January, 1994 through December, 1999. Of 31,975 blood samples examined, 7.4% were positive: 86.4% for Plasmodium vivax, 12.7% for P. falciparum, 0.04% for P. malariae and 0.9% for P. vivax and P. falciparum. As to the epidemiological classification, 84.5% represented heterochthonous cases and 15.5% represented autochthonous cases. The municipalities showing higher rates of autochthonous cases were Foz do Iguaçu, Santa Terezinha do Itaipu and Santa Helena, a region influenced by the Itaipu reservoir, where prevention and control actions must be concentrated.
Key-words: Malaria. Malaria epidemiology. Malaria in the State of Paraná.

 

 

A malária humana distribui-se pela África, Ásia e Américas e permanece como a mais prevalente doença endêmica no mundo, constituindo-se assim como um dos principais obstáculos ao desenvolvimento das comunidades e países1.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, metade da população mundial vive em áreas de risco de adquirir a infecção, cuja taxa de incidência varia de 300 a 500 milhões de casos por ano, conduzindo a registros de 1,5 a 2,7 milhões de mortes, as quais ocorrem principalmente em crianças com idade inferior a 5 anos8.

No Brasil, pode-se observar um aumento crescente dos casos de malária a partir de 1960, saltando de um registro de aproximadamente 40 mil casos para cerca de 106 mil, em 19667.

Um decréscimo contínuo dos casos de malária foi, no entanto, observado nos anos subseqüentes, tendo sido registrados, em 1969, cerca de 52 mil casos, revelando possivelmente o impacto das ações de controle desenvolvidas, simultaneamente, em toda a área endêmica7.

A partir desta data, observa-se novamente um aumento crescente do número de casos de malária, cujo pico máximo ocorreu em 1989, totalizando aproximadamente 580 mil casos da infecção7.

Segundo dados fornecidos pelo Centro Nacional de Epidemiologia, órgão ligado ao Ministério da Saúde, ocorreram no Brasil, em 1996, 1997 e 1998, respectivamente cerca de 445, 405 e 470 mil casos de malária4 5. Em 1999, computando-se os dados de janeiro a setembro, teve-se aproximadamente o registro de 406 mil casos6.

Sabe-se que a malária não se transmite com igual intensidade e rapidez em todas as áreas com potencial malarígeno. A dinâmica de transmissão é variável entre os agrupamentos humanos e está na dependência da conjugação de vários fatores.

No Brasil, a Amazônia Legal possui características geográficas e ecológicas altamente favoráveis à interação do plasmódio e do anofelino vetor, constituindo-se, portanto, numa área de alto e médio risco de infecção7.

Em contraposição, fora da Amazônia as condições não são muito favoráveis à interação dos fatores que determinam a endemicidade da malária. A transmissão ocorre com pouca intensidade, todavia várias áreas estão sujeitas à ocorrência de focos devido à importação de casos daquela região2 7.

Inclui-se nas áreas de baixo risco o Estado do Paraná, onde o controle da malária foi consolidado a partir da década de 60, e cujo potencial malarígeno é mantido pela presença de anofelinos transmissores que mantêm a capacidade vetorial em áreas restritas, onde as condições climáticas e a pressão exercida pela chegada de doentes de malária e de portadores assintomáticos são responsáveis pela reintrodução constante do agente etiológico7.

Restritas aos órgãos responsáveis pelo controle da malária no país, as informações epidemiológicas sobre a malária no Estado do Paraná são escassas. À consulta bibliográfica encontra-se apenas o trabalho de Ferreira3, o qual faz uma avaliação dos aspectos epidemiológicos responsáveis pela doença, especialmente no período após a instalação do lago de Itaipu, ocorrida em 1982.

Com o objetivo de se obter informações sobre os casos de malária registrados no Paraná, analisaram-se os relatórios de atendimento de casos suspeitos de malária, elaborados pela Fundação Nacional de Saúde, regional do Paraná, no período de janeiro de 1994 a dezembro de 1999.

 

MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo é constituído pela análise dos relatórios de atendimento de casos suspeitos de malária e das fichas de investigação de casos positivos, ambos elaborados pelos diversos distritos e pontos de apoio da Fundação Nacional de Saúde, regional do Paraná, no período de janeiro de 1994 a dezembro de 1999.

Dos relatórios e/ou das fichas de investigação de casos, colheram-se dados referentes ao número de lâminas examinadas objetivando a pesquisa de Plasmodium, número de lâminas positivas segundo a espécie de Plasmodium e procedência dos casos positivos.

 

RESULTADOS

Os resultados da análise dos relatórios e/ou das fichas de atendimento aos indivíduos com suspeita de malária, nos distritos ou pontos de apoio da Fundação Nacional de Saúde, regional do Paraná, no período de janeiro de 1994 a dezembro de 1999, encontram-se nas Tabelas 1234 e 5.

No período analisado foram realizados 31.975 exames de sangue, dos quais 2.377 mostraram-se positivos para plasmódios, correspondendo a um índice de positividade igual a 7,4% (Tabela 1).

Entre os casos positivos registrados, 2.053 (86,4%) foram atribuídos à espécie Plasmodium vivax, 302 (12,7%) à espécie P. falciparum e 1 (0,04%) à espécie P. malariae. Vinte e um (0,9%) casos foram positivos para P. vivax e P. falciparum (Tabela 2).

Com relação à classificação epidemiológica, pôde-se observar que entre os 2.377 casos de malária registrados, 2.009 (84,5%) representaram casos importados e 368 (15,5%) casos autóctones (Tabela 3).

Quanto aos casos autóctones, o ano de 1994 foi o que apresentou o menor número de casos, um total de 15, em contraposição aos 141 registrados no ano subseqüente (Tabela 3). Os municípios com maior número de casos autóctones foram Foz do Iguaçu, Santa Terezinha do Itaipu e Santa Helena (Tabela 4).

A respeito dos casos importados, 1.406 (70%) foram contraídos no Brasil e 603 (30%) em outros países (Tabela 5). A partir dos dados levantados em 1996, 1997, 1998 e 1999, pôde-se observar que 40,8% dos casos importados de malária foram adquiridos no Paraguai.

 

DISCUSSÃO

O número de casos de malária registrados ao longo dos últimos seis anos no Estado do Paraná, incluindo ou não os casos autóctones, mostrou-se praticamente igual nos anos de 1994, 1995 e 1996. Um ligeiro decréscimo no número de casos foi, no entanto, observado nos anos subseqüentes (Tabela 1). No território nacional, a tendência à redução verificada a partir de 1989, quando foi atingido o pico máximo de 580 mil casos7, foi revertida a partir de 1998, quando se observa uma nova ascensão nos registros de malária5 6.

No Paraná, embora tenha havido uma pequena redução no número de casos de malária importada, nos últimos três anos, o número de casos autóctones, excetuando-se os ocorridos em 1995, quando foi registrado um pico de 141 casos, não mostrou grande variação no período investigado (Tabela 3). Os municípios com maior número de casos autóctones registrados foram Foz do Iguaçu, Santa Terezinha do Itaipu e Santa Helena, área de influência do reservatório de Itaipu (Tabela 4).

De acordo com o trabalho de Ferreira3, casos autóctones de malária no Estado do Paraná, manifestados na forma de surtos, ocorreram em 1976, 1977 e 1978 predominantemente no litoral Paranaense. Nesse período, a doença também manifestou-se na região noroeste do Estado do Paraná, situada imediatamente ao norte de Guaíra, atingindo sobretudo as ilhas do rio Paraná e o município de Querência do Norte. Ao todo, foram registrados no Paraná, em 1976, 1977 e 1978, respectivamente 150, 296 e 413 casos autóctones.

Um decréscimo no número de casos foi observado a partir de 1979, mas as ocorrências continuaram, e limitaram-se ao litoral e a região noroeste do Estado. Nenhum município da área de influência do reservatório de Itaipu, apresentou, nessa ocasião, casos de malária3.

A partir de 1986, os casos de malária no Paraná concentraram-se na região de influência do lago de Itaipu, tendo a doença adquirido, em 1988 e 1989, o caráter de um surto, registrando-se, nessa ocasião, respectivamente 303 e 1.071 casos, os quais atingiram principalmente os municípios de Foz do Iguaçu, São Miguel do Iguaçu, Santa Terezinha do Itaipu e Santa Helena. O número de casos decresceu, a partir de 1990, devido principalmente a um trabalho intensivo de borrifação intradomiciliar, empreendido pela Fundação Nacional de Saúde3. Os dados do presente trabalho (Tabelas 3 e 4) e os apresentados por Ferreira3, mostram, em 1995, a ocorrência de um novo e discreto surto, na região de Itaipu.

Entre os fatores de risco responsáveis pelos casos de malária na região de Itaipu estão o desenvolvimento de criadouros de anofelinos, favorecido pela formação do lago de Itaipu, associado aos intercâmbios intensos que se fazem entre essa região e as áreas endêmicas da Amazônia Brasileira e do Paraguai. Computando-se os dados levantados pelo presente trabalho em 1996, 1997, 1998 e 1999, pôde-se observar que 40,8% dos casos importados de malária foram adquiridos no Paraguai. Este resultado expressa a importância deste país na reintrodução constante do agente etiológico nesta área de transmissão.

Outros fatores que, segundo Ferreira3, contribuem para a ocorrência de malária autóctone na região de influência do lago de Itaipu compreendem: a) a presença de cidades ou localidades situadas nas proximidades do reservatório e de outros corpos d’água capazes de abrigar criadouros de Anopheles darlingi; b) as atividades profissionais de pesca e de lazer que se criaram após a formação do reservatório e c) o tipo de moradias (choupanas e construções de madeira), as quais permitem o livre acesso dos anofelinos ao interior das mesmas, além de dificultar a aplicação de medidas preventivas como a borrifação com inseticidas.

Conclui-se, a partir dessas observações, que uma constante vigilância faz-se necessária, especialmente para a região de influência do lago de Itaipu, onde atualmente se concentram os casos autóctones de malária no Paraná. As medidas de vigilância devem estar associadas ao diagnóstico e tratamento precoce dos pacientes acometidos por malária adquirida em outros estados e/ou países, com o objetivo de diminuir a conseqüente pressão que estes exercem sobre a introdução e reintrodução de novos focos, e aos fatores locais que favorecem a autoctonia.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Avila SLM, Ferreira AW. Malaria diagnosis: a review. Brazilian Journal of Medical and Biological Research 29: 431-443, 1996.         [ Links ]

2. Dias LCS. Módulo Malária. Curso de sorologia. Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1991.         [ Links ]

3. Ferreira MEMC. Ocorrência de malária na área de influência do reservatório de Itaipu ¾ margem esquerda ¾ Paraná, Brasil. Um estudo de geografia médica. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 1996.         [ Links ]

4. Fundação Nacional de Saúde. Boletim Epidemiológico. Casos notificados de doenças por UF especificado e acumulado no ano, Brasil, 1997 e 1998 [i.e. 1996 e 1997]: quadro 21-24. Centro Nacional de Epidemiologia do Ministério da Saúde, Brasília, DF, ano 2, nº 6, p.5, 1997.         [ Links ]

5. Fundação Nacional de Saúde. Boletim Epidemiológico. Casos notificados de doenças por UF especificado e acumulado no ano, Brasil, 1997 e 1998: quadro 21-24. Centro Nacional de Epidemiologia do Ministério da Saúde, Brasília, DF, ano 3, nº 4, p.13, 1998.         [ Links ]

6. Fundação Nacional de Saúde. Boletim Epidemiológico. Número de casos notificados e casos confirmados das doenças de notificação compulsória acumulados no ano de 1999 até a semana epidemiológica especificada, por UF de residência. Centro Nacional de Epidemiologia do Ministério da Saúde, Brasília, DF, ano 1, nº 4, p.5, 1999. Disponível em http://www.funasa.gov.br. Acesso em: 14/jul.2000.         [ Links ]

7. Marques AC, Gutierrez HC. Combate à malária no Brasil: evolução, situação atual e perspectivas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 27(supl III):91-108, 1994.         [ Links ]

8. World Health Organization. World malaria situation in 1992. Weekly Epidemiology Record 69:3098-4016, 1994.         [ Links ]