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O descuido com a taxonomia pode desvalorizar um trabalho científico

Departamento de Microbiologia e Parasitologia do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Trindade, Florianópolis, SC.

DOI: 10.1590/S0037-86822001000600018


Senhor Editor:

A correta identificação dos insetos na realização de um trabalho científico é fundamental para se avaliar a susceptibilidade a parasitas, a sensibilidade a substâncias tóxicas, a biologia e a eventual importância epidemiológica. Para isso, são realizados estudos taxonômicos detalhados, demorados e complexos.

Após a publicação destes estudos taxonômicos, não é racional a insistência em desconsiderar a distinção taxonômica, para não correr o risco de desvalorizar os seus próprios resultados. Desde que seja viável a identificação dos insetos estudados, se eles não forem adequadamente distribuídos dentro dos grupos conhecidos e se não for publicada a sua distribuição nestes grupos, serão perdidas, sem necessidade, informações muito importantes.

Os flebotomíneos antes incluídos em Lutzomyia intermedia (Lutz & Neiva, 1912) podem ser agrupados em duas espécies [L. intermedia s. s. L. neivai (Pinto, 1926)], que constituem um complexo de espécies3. A identificação das fêmeas é facilmente feita pela observação das espermatecas e de seus dutos e dos dentes do cibário, além de existirem várias diferenças morfométricas adicionais7. Os machos podem ser diferenciados por morfometria, utilizando proporções entre medidas de estruturas e análise por rede neural4. O estudo do DNA mitocondrial permitiu distinguir dez haplótipos, alguns característicos de cada espécie, e ressaltou a proximidade entre as espécies5.

As duas espécies apresentam distribuição geográfica distinta e precisam ser estabelecidos os limites exatos entre as distribuições de ambas e as áreas em que elas são simpátricas8. A L. intermedia parece ocorrer em áreas mais quentes e úmidas que a L. neivai e ambas ocorrem no Vale do Ribeira, no sul do Estado de São Paulo, o que torna especialmente importante a identificação cuidadosa de material desta região. Foram revisadas todas as referências anteriores a L. intermediaPhlebotomus intermedius e outros6, de modo a organizar os dados referentes a estes insetos.

Flebotomíneos deste complexo têm sido incriminados na transmissão de parasitas de Leishmania1 2 9 10 11 12. O estudo de infecção experimental destes insetos9 é muito importante e precisa ser ampliado, se possível obtendo a transmissão entre mamíferos.

Assim, a infecção experimental de flebotomíneos referidos como de L. intermedia, de campo e de laboratório13 veio contribuir para o esclarecimento desta questão. No entanto, este trabalho, em que foram estudados numerosos insetos do Vale do Ribeira, não faz referência a qualquer dos estudos taxonômicos supracitados, o que deixa o leitor com duas hipóteses, ou seja, que os autores consideram o aspecto taxonômico irrelevante para o seu trabalho ou que não concordam com a distinção entre as espécies. Se os insetos fossem provenientes de alguma área na qual só tivessem sido encontrados exemplares de uma das espécies do complexo, como o Estado do Rio de Janeiro9 10 11, a Argentina12ou o interior de São Paulo2, seria bastante seguro, com os dados disponíveis, deduzir a qual espécie pertenciam os insetos estudados, mesmo não tendo sido ela devidamente citada. No entanto, por serem os insetos do estudo supracitado13 de uma área em que ambas as espécies ocorrem3 4 6 7 8, só é possível concluir que os insetos pertencem a L. intermedia s. l. Como o trabalho refere-se aos insetos de um estudo do interior de São Paulo2 como L. intermedia, apesar de todos os exemplares estudados de insetos desta região terem sido identificados como L. neivai3 4 6 7 8, permanecem as hipóteses supracitadas sobre as razões dos autores para a não diferenciação.

A não ser que seja comprovado (e publicado) no futuro que a distinção entre as duas espécies do complexo não é válida e que os grupos não têm valor taxonômico e biológico algum, o trabalho supracitado13 corre grande risco de desperdiçar informação. Quando este for lido, ficará sempre a dúvida de a que espécie pertenciam os insetos estudados.

Deste modo, para impedir que pairem quaisquer dúvidas e valorizar o trabalho, é fundamental que os autores, se tiverem feito a distinção, no momento da dissecção dos insetos para exame de infecção, esclareçam qual era a espécie a que pertenciam. Se os autores não concordarem com a distinção entre as duas espécies ou considerarem que ela não tem base científica suficiente, é preciso que explicitem isto no futuro, após cuidadoso estudo taxonômico, mas que, de qualquer modo, divulguem quais as quantidades de insetos que têm as características referidas como úteis para a distinção específica3 7. O que não é admissível, em trabalhos que envolvam insetos do complexo L. intermedia, é que seja usada nomenclatura antiga e excessivamente abrangente, sem nenhuma justificativa expressa ou contestação publicada à distinção entre as espécies.

Do mesmo modo, é conveniente que revistas especializadas em medicina tropical e similares tenham mais cuidado na avaliação de estudos que envolvam taxonomia, exigindo nestes o máximo cuidado na identificação do material, para valorizar os trabalhos que publica. Numa época em que os índices de citação (e.g., ISI) tornam-se a cada dia mais importantes, este cuidado é fundamental para os autores dos trabalhos e para as revistas.

 

Carlos Brisola Marcondes

 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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