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Ocorrência de leishmaniose visceral canina em assentamento agrícola no Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil

Vânia Lúcia Brandão Nunes1, Eunice Aparecida Bianchi Galati2, Daniela Brandão Nunes3, Rodrigo de Oliveira Zinezzi3, Elisa San Martin Mouriz Savani4, Edna Ishikawa5, Maria Cecília Gibrail de Oliveira Camargo4, Sandra Regina Nicoletti D'Áuria4, Geucira Cristaldo6 e Hilda Carlos da Rocha6

1. Centro de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal/UNIDERP; 2. Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 3. Médicos Veterinários; 4. Centro de Controle de Zoonoses da Prefeitura do Município de São Paulo; 5. Departamento de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas; 6. Departamento de Patologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

DOI: 10.1590/S0037-86822001000300014


Resumo Durante estudos sobre a fauna flebotomínea em assentamento do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA) na Serra da Bodoquena, Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, foram observados cães com manifestações clínicas sugestivas de leishmaniose visceral. Inquérito sorológico para leishmaniose em 97 cães, utilizando reação de imunofluorescência indireta, mostrou 23 (23,7%) soros reagentes. Amostras do parasita foram identificadas como Leishmania (Leishmaniachagasi.
Palavras-chaves: Leishmaniose visceral canina. Leishmania (Leishmaniachagasi. Imunofluorescência. Serra da Bodoquena.

Abstract During previous research on phlebotomine fauna in a settlement of the Brazilian National Agrarian Reform Institute (INCRA) on the Bodoquena Range, Mato Grosso do Sul State, Brazil, dogs were observed with clinical aspects suggestive of visceral leishmaniasis. A serological survey to leishmaniasis in 97 dogs, by indirect immunofluorescence test, showed 23 (23.7%) serum positive dogs. Samples of the parasites were identified as Leishmania (Leishmania)chagasi.
Key-words: Canine visceral leishmaniasis. Leishmania (Leishmaniachagasi. Immunofluorescence. Bodoquena Range.

 

 

Assim como em outras áreas brasileiras, no Estado de Mato Grosso do Sul a leishmaniose visceral canina encontra-se em expansão. Assinalada no Pantanal desde o início da década de 80, nas cidades de Corumbá e Ladário8, em anos mais recentes a parasitose tem sido registrada além dos limites daquela região, atingindo os municípios de Dois Irmãos do Buriti, Bodoquena, Miranda, Aquidauana, Anastácio, Antônio João e Campo Grande4 5.

A expansão da doença, aliada à implementação do ecoturismo e à implantação de assentamentos do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA) na Serra da Bodoquena, assim como, o desconhecimento da fauna flebotomínea local, levaram a estudos nesta área, sobre aspectos do comportamento desse grupo de insetos, com o objetivo de identificar condicionantes para a transmissão de leishmanioses à população humana. Durante esses estudos, foram observados cães com manifestações clínicas sugestivas de leishmaniose visceral em uma das localidades, Assentamento Guaicurus do INCRA, 20°27’LS e 56°52’LW, situado no município de Bonito.

Face à mencionada constatação, foi realizada, no período de maio a dezembro de 1999, investigação que teve por objetivo a verificação da presença de anticorpos anti- Leishmania em cães, o isolamento e a identificação do parasita.

Amostras de soro de 97 cães, representando 70% da população canina total, foram analisadas pela reação de imunofluorescência indireta para leishmaniose de acordo com a metodologia utilizada por San Martin-Savani11 tendo sido constatadas 23 (23,7%) reagentes, com títulos variando de 20 a 640. Os animais reagentes estavam dispersos por todo o assentamento.

A taxa de soros caninos reagentes 23,7%, é semelhante a de 23,5% observada por Paranhos-Silva et al em Jequié na Bahia9, a de 26,3% constatada por Galimbertti et al em setores do município de Araçatuba em São Paulo 6 e a de 24% encontrada por Santos et al. em Corumbá e Ladário, MS13.

Amostras do parasita isoladas de aspirado medular em meio de cultura NNN-BHI foram identificadas como Leishmania (Leishmania) chagasi pela reação de imunofluorescência indireta utilizando anticorpos monoclonais14.

As manifestações clínicas foram variáveis entre os cães reagentes e com diagnóstico parasitológico positivo. A maioria estava aparentemente sadia, porém alguns animais mostraram emagrecimento acentuado e crescimento exagerado de unhas, ulcerações, alopécia geral ou localizada, constatações já verificadas por vários autores3 7 8 12

O estudo da fauna flebotomínea local mostrou nítido predomínio de Lutzomyia longipalpis no peridomicílio, com freqüência expressiva em abrigos de animais. É possível, portanto, que a veiculação da parasitose entre a população canina deva-se a essa espécie de flebotomíneo.

A leishmaniose visceral humana, nem sempre, obedece a uma distribuição espacial paralela à do calazar canino9 10; porém, tem sido observado que as infecções caninas são mais freqüentes que as humanas e que, normalmente, as precedem1 2 3 7 12. Esse fatos, aliados ao conhecimento de que a doença na população humana está associada a condições sócioeconômicas e culturais deficientes, como as encontradas na população humana do Assentamento Guaicurus, indicam a necessidade de se proceder a busca ativa de possíveis pessoas infectadas, entre os moradores daquele assentamento.

Por outro lado, a implementação do ecoturismo para as áreas de cavernas e de rios que cortam o Planalto da Bodoquena, bem como, a intensificação dos assentamentos de trabalhadores rurais sem-terra no Sudoeste de Mato Grosso do Sul, sinalizam para a necessidade de pesquisas dessa natureza em outras áreas da região.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1. Centro de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal/UNIDERP; 2. Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 3. Médicos Veterinários; 4. Centro de Controle de Zoonoses da Prefeitura do Município de São Paulo; 5. Departamento de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas; 6. Departamento de Patologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Auxílio financeiro: parcialmente financiado pela FAPESP (Processo 97/06438-3).
Endereço para correspondência: Profa. Vânia Lúcia Brandão Nunes. Centro de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde/UNIDERP. R. Alexandre Herculano 1400, 79037-280 Campo Grande, MS.
e-mail: vlbnunes@terra.com.br
Recebido para publicação em 06/11/2000.