Home » Volumes » Volume 32 January/February 1999 » Abscesso esplênico por Brucella abortus

Abscesso esplênico por Brucella abortus

Leopoldo Luiz dos Santos-Neto, Gustavo Paiva Costa, Cézar Kozak Simaan e Francisco Aires Correia-Lima

Unidade de Reumatologia, Departamento de Clínica Médica, Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília, Brasília, DF

DOI: 10.1590/S0037-86821999000100010


Resumo É relatado caso de um homem de 23 anos de idade com febre prolongada por Brucella abortus. O incomum neste caso foi a presença de abscesso esplênico, identificado através de tomografia computadorizada de abdômen. A evolução foi favorável com a introdução apenas de antibióticos, havendo regressão completa das lesões. 
Palavras-chaves: Brucelose. Brucella abortus. Abscesso esplênico. Tomografia computadorizada.

Abstract A 23 year-old man with prolonged fever caused by Brucella abortus is reported. The uncommon feature of this case was the presence of a spleen abscess identified by computer tomography of the abdomen. Patient evolution was favorable after treatment with antibiotics, with complete regression of the lesions. 
Key-words: Brucellosis. Brucella abortus. Splenic abscesses. Computing tomography.

A brucelose produz um quadro clínico muito pleomórfico. A infecção pelo organismo do gênero Brucella pode acometer quase todos os órgãos ou sistemas12. Atualmente os casos de brucelose humana têm sido associados à doença profissional. As infecções por B. abortus e B. suis têm sido identificadas em homens adultos que trabalham em indústria de abatedor. A infecção por B. melitensis está associada com o consumo de produtos de laticínios não pasteurizados.

No Brasil a maioria dos quadros de brucelose estão associados à infecção por B. abortus. A sua evolução clínica costuma ser benigna e raramente apresenta complicações, diferente da infecção pela B. melitensis que pode apresentar complicações em até 31% dos casos2 3.

Apresentamos um caso de um paciente com B. abortus que desenvolveu abscesso esplênico no curso evolutivo da brucelose.

RELATO DO CASO

Homem pardo de 23 anos procurou assistência médica porque apresentava febre intermitente com calafrios há 3 meses. A febre se associava a queixas de hiporexia, astenia e dores generalizadas, principalmente em membros inferiores. No exame físico foi detectado sopro protomesossistólico 1+/6+ em foco mitral, freqüência cardíaca de 70bpm e 120 x 80mmHg de pressão arterial. Não foi evidenciada a presença de adenomegalias, hepatomegalia ou esplenomegalia. O exame neurológico evidenciou hiperestesia em membros inferiores, sem fraqueza muscular. A temperatura axilar foi de 39,3oC. Os exames complementares mostraram hemoglobina de 15,3g/dl, leucometria de 9.600 células/mm3 (com diferencial normal) e 532.000 plaquetas/mm3. A hemossedimentação foi de 50mm e os exames de bioquímica foram normais. O FAN, Anti-DNA e sorologia para VIH foram negativas. O Rx de tórax e a ecocardiografia foram normais.

Como havia história profissional de trabalho em fazenda, aplicando vacinas em gado e manuseio de animais doentes, foi solicitado exame para brucelose. A sorologia (método de aglutinação) foi positiva até 1:280. As hemoculturas apresentaram crescimento de Brucella, identificada como B. abortus (Laboratório de Zoonoses bacterianas, Instituto Oswaldo Cruz).

Devido à forte dor na região do hipocôndrio esquerdo, foi solicitado tomografia computadorizada (TC) de abdômen. O exame revelou a presença de massa na região da cabeça de pâncreas, com densidade de partes moles, estendendo-se inferiormente na topografia do processo uncinado, causando compressão extrínseca da 2ª porção do duodeno (Figura 1). O baço tinha dimensões normais e apresentava áreas hipodensas múltiplas, que não se alteravam após a injeção de contraste (Figura 2). Não havia gânglios na região do retroperitôneo. O fígado apresentava tamanho e densidade normais.

0518f1.jpg (42648 bytes)

0518f2.jpg (42145 bytes)

O primeiro laudo sugeriu que as lesões eram compatíveis com linfoma. Ainda assim foi iniciado esquema com tetraciclina (2g/dia VO, por 4 semanas) e estreptomicina (1g/dia IM, por 2 semanas). Na 4ª semana de antibióticos o paciente estava assintomático, permanecendo assim até o último contato telefônico no 6o mês. Os exames de TC e ultra-sonografia de abdômen de controle foram normais.

DISCUSSÃO

Os relatos de casos de abscesso na brucelose são raros. Todos os casos descritos foram associados à infecção por B. melitensis ou B. suis. O relato do nosso caso constitui o primeiro relato de abscesso esplênico causado por B. abortus. Apesar do abscesso por B. abortus não ter sido confirmado por punção aspirativa, a lesão identificada através da TC de abdômen regrediu após o tratamento para brucelose. Esta forma de apresentação atípica ocorreu num indivíduo adulto hígido, que não demonstrou evidências de doença imunossupressora ou crônica-degenerativa. Além do mais, não era usuário de drogas ilícitas, nem fazia uso excessivo de bebida alcoólica.

Nos 5 casos descritos de abscesso hépato-esplênico causados por B. melitensis1 2 9 10 a evolução clínica foi favorável, após o uso de antibióticos por 2 meses. No entanto, foi necessário a drenagem cirúrgica em 3/5 dos casos9 10. Em apenas 2 casos o abscesso foi identificado apenas no baço1.

Nos 8 casos de abscesso hépato-esplênico por B. suis, 7 apresentaram lesão esplênica. Em todos estes casos foi necessária a correção cirúrgica com drenagem ou esplenectomia4 6 7 11. Existem mais dois outros relatos de casos de abscesso hépato-esplênico por Brucella sp, sendo a evolução clínica favorável e sem complicações5 7.

O achado mais comum na infecção pela B. abortus é o granuloma sarcóide8. Esta observação também é identificada nos estudos experimentais, aonde a inoculação de B. abortus se correlaciona com a formação de granulomas, enquanto a de B. melitensis com microabscessos13.

O laudo inicial da TC de abdômen foi compatível com linfoma. Entretanto, a revisão posterior do exame sugeriu que as lesões hipodensas, localizadas no baço, correspondessem a áreas de infarto ou abscesso. A massa na região da cabeça do pâncreas foi interpretada como linfonodos confluentes. Esta dificuldade deve estar associada com a raridade da apresentação deste caso.

Este caso mostra a necessidade da realização de uma história profissional detalhada. A presença de abscessos esplênicos, na infecção por B. abortus, pode ser controlada apenas com antibioticoterapia por 4 semanas.

AGRADECIMENTOS

Sra. Doroti Guilarducci Moreira pelo isolamento (Laboratório de Microbiologia do HUB-UnB); Dr. Ernesto Hofer pela identificação da espécie (Laboratório de Zoonoses Bacterianas, Instituto Oswaldo Cruz – Rio de Janeiro); Dr. Tito Lívio Mundim (Clínica Vilas-Boas, Brasília) pela revisão das tomografias computadorizadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Ates KB, Dolar ME, Karahan M, Temucin G, Onaran L. Brucella melitensis splenic abscess: sonographic detection and follow-up. Journal of Clinical Ultrasound 20:349-351, 1992.         [ Links ]

2. Colmenero JD, Reguera JM, Martos F, Sánchez-de-Nora D, Delgado M, Causse M, Martín-Farfán A, Juárez C. Complications associated with Brucella melitensis infection: a study of 530 cases. Medicine 75:195-211, 1996.        [ Links ]

3. Lulu AR, Araj GF, Khateeb MI, Mustafa MY, Yusuf AR, Fenech FF. Human brucellosis in Kuwait: a prospective study of 400 cases. Quarterly Journal of Medicine 249:39-54, 1988.         [ Links ]

4. McGarity WC, Serafin D. Brucellosis. Indication for splenectomy. American Journal of Surgery 115:355-363, 1968.        [ Links ]

5. Naveau S, Poitrine A, Delfraissy JIE, Brivet F, Dormont J. Brucellosis hepatic abscesses and pregnancy. Gastroenterology 84:164-173, 1983.         [ Links ]

6. Spink WW. Suppuration and calcification of the liver and spleen due to long standing infection with Brucella suis. New England Journal of medicine 257:209-210, 1957.         [ Links ]

7. Spink WW. Host-parasite relationship in human brucellosis with prolonged illness due to suppuration of the liver and spleen. American Journal of Medical Science 247:129-136, 1964.         [ Links ]

8. Spink WW, Hoffbauer FW, Walker WW, Green RA. Histopathology of the liver in human brucellosis. Journal of laboratory and Clinical Medicine 34:40-58, 1949.         [ Links ]

9. Vargas V, Comas P, Llatzer R, Esteban R, Guardia J. Brucellar hepatic abscess. Journal of Clinical Gastroenterology 13:477-478, 1991.         [ Links ]

10. Vallejo JG, Stevens AM, Dutton RV, Kaplan SL. Hepatosplenic abscesses due to Brucella melitensis: report of a case involving a child and review of literature. Clinical Infectious Diseases 22:485-489, 1996.         [ Links ]

11. Williams RK, Crossley K. Acute and chronic hepatic involvement of brucellosis. Gastroenterology 83:455-458, 1982.        [ Links ]

12. Young EJ. An overview of human brucellosis. Clinical Infectious Diseases 21:283-290, 1995.         [ Links ]

13. Young EJ, Gomes CI, Yawn DH, Musher DM. Comparison of Brucella abortus and Brucella melitensis infections of mice and their effect on acquired cellular resistance. Infectious and Immunity 26:680-685, 1979.         [ Links ]

Unidade de Reumatologia, Departamento de Clínica Médica, Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília, Brasília, DF
Endereço para correspondência: Prof. Leopoldo Luiz dos Santos Neto. Unidade de Reumatologia/Deptº Clínica Médica/HUB. Caixa Postal 04-438, 70919-970 Brasília, DF, Brasil. 
Fax: 55 61 349-8089;
E-mail: leoneto@uninet.com.br
Recebido para publicação em 6/4/98.