Home » Volumes » Volume 32 September/Octuber 1999 » Criptococose em crianças no Estado do Pará, Brasil

Criptococose em crianças no Estado do Pará, Brasil

Maria do Perpétuo Socorro Costa Corrêa, Eliseth Costa Oliveira, Rosineide Roseli Barros Seixas Duarte, Pedro Pereira Oliveira Pardal, Flávio de Mattos Oliveira e Luiz Carlos Severo

Hospital Universitário João de Barros Barreto, Universidade Federal do Pará, Belém, PA e Laboratório de Microbiologia Clínica, Instituto de Pesquisa e Diagnóstico (IPD), Santa Casa, Porto Alegre, RS.

DOI: 10.1590/S0037-86821999000500006


Resumo Relatam-se 19 casos de criptococose em crianças, diagnosticados em Belém, PA. Em nove pacientes a variedade do agente etiológico foi estudada e identificada como Cryptococcus neoformans var. gattii. A média de idade destes pacients foi 7,8 anos (variação, 5-13 anos). Havia 5 meninas e 4 meninos (razão, 1,25:1). Cinco foram a óbito em três meses apesar do tratamento com anfotericina B (associada com fluconazol 3 ou fluocitosina 1). São comentados a existência de áreas de alta endemia da infecção por var. gattii no Pará e a gravidade da doença causada por essa variedade fúngica.
Palavras-chaves: Criptococose
. Cryptococcus neoformans. Cryptococcus neoformans var. gattii. Infância. Meningite.

Abstract We report 19 cases of cryptococcosis in children, diagnosed in Belém, PA. In nine patients the variety of the etiologic agent was studied and identified as Cryptococcus neoformans var. gattii.The average age of these patients was 7.8 years (range, 5-13 years) There were 5 girls and 4 boys (ratio, 1.25:1). Amphotericin B treatment (associated with fluconazole 3 or fluocytosine 1) was given but five (56%) of these patients died in the following three months. The existence of highly endemic areas of infection by var. gattii in Pará, Brazil and the severity of the disease due to this fungal variety are commented.
Key-words: Cryptococosis. 
Cryptococcus neoformans. Cryptococcus neoformans var. gattii. Childhood. Meningitis.

 

 

Cryptococcus neoformans (teleomorfo, Filobasidiella neoformans) é um basidiomiceto, que se apresenta na forma tecidual como levedura encapsulada, corresponde a duas variedades fúngicas, com quatro sorotipos: var. neoformans(sorotipos A e D) e var gattii (sorotipos B e C). É fungo ubíquo, que vive como sapróbio no meio ambiente: em solos contaminados com fezes de pombos (var. neoformans) e junto a eucaliptos (var. gattii), aquela de distribuição universal, esta restrita a zonas de clima tropical e subtropical. A infecção criptococócica mais freqüentemente ocorre em pacientes imunodeprimidos (var. neoformans, fungo oportunista), mas pode ocorrer no hospedeiro normal (var. gattii, patógeno primário)4.

A raridade da ocorrência de criptococose em crianças pré-púberes4 justifica a apresentação de 19 casos de criptococose na infância, observados num hospital de Belém, Pará.

 

MATERIAL E MÉTODOS

No período de janeiro de 1992 a abril de 1998, 78 pacientes com criptococose foram internados no Hospital Universitário João de Barros Barreto, em Belém, Pará. Dezenove desses pacientes eram crianças menores de 13 anos de idade. Todos os doentes apresentavam sinais e sintomas de envolvimento do sistema nervoso central.

O líquor obtido foi examinado ao microscópio, diretamente ou após centrifugação, acrescido de nigrosina a 10%, e cultivado em meio de Sabouraud, incubado a 25°C.

Todas as amostras foram identificadas como C. neoformans, demonstração da cápsula ao exame direto e prova da uréia positiva nos cultivos. Repiques dos isolados dos últimos nove pacientes foram, também, enviados ao Laboratório de Microbiologia Clínica do Instituto Especializado em Pesquisa e Diagnóstico, Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, RS. Recultivados e reexaminados foram submetidos a cultivo em meio de canavanina-glicina-azul de bromotimol5.

RESULTADOS

As 19 crianças com criptococose, todas naturais do Pará, tinham entre 2 e 13 anos de idade, 10 eram do sexo masculino e 9 eram meninas; com exceção de um menino natural da capital do Estado — Belém — os demais procediam do interior do estado, a maioria residindo em zona rural (Tabela 1).

Todos os pacientes apresentavam comprometimento do sistema nervoso central. Febre e cefaléia foram achados constantes. Rigidez de nuca e vômitos foram observados em 13 (68%) pacientes. Outras queixas: sinais e sintomas respiratórios em 10 (53%); alterações visuais em 9 (47%), ver Tabela 2.

O tempo decorrido entre o início dos sintomas e o diagnóstico variou de 3 dias a 4 semanas em 14 (74%) pacientes e mais de um mês nos cinco pacientes restantes. Todos os pacientes receberam anfotericina B como tratamento inicial; em 11 deles foi associada a 5-fluorocitosina. Fluconazol foi associado em 10 pacientes. Seis pacientes foram a óbito e 13 apresentaram melhora clínica. Desses 13 pacientes, 3 recaíram e foram reinternados, os 10 restantes foram acompanhados ambulatorialmente. Cegueira foi complicação observada em 5 pacientes.

As nove amostras, dos últimos nove pacientes, em que foi pesquisada a variedade fúngica, corresponderam todas a C. neoformans. var. gattii.

 

DISCUSSÃO

Criptococose tem sido descrita em pacientes de todas as idades. Contudo, ocorre com mais freqüência em adultos jovens e pessoas de meia idade, especialmente do sexo masculino7. No grupo pediátrico a micose basicamente ocorre nos imunodeprimidos3.

No Brasil, nos últimos anos houve incremento nos relatos de criptococose na criança1 2 6 7 9, dos 29 casos relatados foi verificado a variedade fúngica em 5 pacientes1 7, dois dos quais com var. gattii1. O aumento na incidência desta infecção fúngica na infância, pode ser atribuído a migração da população urbana para a zona rural, áreas de desmatamento da Região Amazônica, predominando a var. gattii1, como verificado na presente série, bem como conseqüência de desnutrição2 ou imunodeficiência adquirida6 7.

Em um período de sete anos, 19 dentre 79 (24%) pacientes com criptococose, hospitalizados em Belém, foram crianças menores de 13 anos de idade. Em nove (47%) das 19 crianças foi estabelecida como agente causador da micose C. neoformans var. gattii. Esse achado faz presumir que o Estado do Pará constitua uma região de alta endemicidade da criptococose por var. gattii.

A var. gattii de C. neoformans age como patógeno primário, infecta, usualmente, pacientes imunocompetentes residentes em área rural8 10 11. O fungo tem tropismo especial pelo sistema nervoso central e mostra tendência a manter-se como importante foco pulmonar10 11. Mais rebelde ao tratamento com antifúngicos que a var. neoformans, foi causa de mortalidade em 56% dos nossos nove pacientes.

É importante que sejam feitos estudos multicêntricos sobre as variedades de Cneoformans causadores de criptococose nas regiões Norte e Nordeste brasileiras, provavelmente áreas de alta endemicidade de infecções por C. neoformans var. gattii1.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Cavalcanti MAS. Criptococose e seu agente no Meio-Norte, Estados do Piaui e Maranhão. Tese de doutorado, Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ-RJ) e Universidade Federal do Piaui, 1997.         [ Links ]

2. Fontana MH, Coutinho MF, Camargo ES, Soviero B, Lima SSF, Matusiak R, Dias CG. Neurocriptococose na infância. Relato de três casos na primeira década de vida. Arquivos de Neuro-Psiquiatria 45: 403-411, 1987.         [ Links ]

3. Gavai M, Gaur S, Frenkel LD. Successful treatment of cryptococcosis in a premature neonate. The Pediatric Infectious Disease Journal 14: 1009-1010, 1995.         [ Links ]

4. Kwon-Chung KJ, Bennet JE. Cryptococcosis. In: Kwon-Chung KJ, Bennet JE (eds) Medical mycology. Philadelphia, Lea & Febiger, chap 16, p. 397-446, 1992.         [ Links ]

5. Kwon-Chung KJ, Polacheck I, Bennet JE. Improved diagnosis medium for separation of Cryptococcus neoformans var. neoformans (serotype A and D) and Cryptococcus neoformans var. gattii (serotype B and C). Journal of Clinincal Microbiology 15:535-537, 1982.         [ Links ]

6. Py EA, Alóe M, Burlamaqui L, Guasti S, Monerat PJT. Relato de cinco casos de meningite criptocócica em crianças com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Arquivos Brasileiros de Pediatria 4: 15-20, 1997.         [ Links ]

7. Rozenbaum R, Gonçalves AJR. Clinical epidemiological study of 171 cases of cryptococcosis. Clinical Infectious Diseases 18: 369-380, 1994.         [ Links ]

8. Rozenbaum R, Gonçalves AJR, Wanke B, Caiuby J, Clemente H, Lazera MS, Monteiro PCF, Londero AT. Cryptococcus neoformans varieties as agent of cryptococosis in Brazil. Mycopathologia 119: 133-136, 1992.         [ Links ]

9. Santos A, Oliveira MYS, Moura EFA, Ohana B. Criptocose. Apresentação de um caso clínico em criança de baixa idade. Jornal de Pediatria 53; 183-186, 1982.         [ Links ]

10. Severo LC, Oliveira EC, Silva ABM, Pardal PPO. Clinical manifestation of 26 cases of Cryptococcus neoformans var. gattii. Third International Conference on Cryptococcus and cryptococcosis. In: Abstract of Institut Pasteur, Paris, p. 182, 1996.         [ Links ]

11. Speed B, Dunt D. Clinical and host differences between infection with two varieties ofCryptococcus neoformans. Clinical Infectious Diseases 21: 28-34, 1995.         [ Links ]

 

 

Hospital Universitário João de Barros Barreto, Universidade Federal do Pará, Belém, PA e Laboratório de Microbiologia Clínica, Instituto de Pesquisa e Diagnóstico (IPD), Santa Casa, Porto Alegre, RS.
Endereço para correspondência: Dr. L.C. Severo, IPD/Santa Casa, Annes Dias 285, 90020-090 Porto Alegre, RS.
Tel: 55 51 228-5208, Fax: 55 51 214-8435.
E-mail: severo@santacasa.tche.br
Recebido para publicação em 27/8/98.