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Prevalência do Cryptosporidium parvum em crianças abaixo de 5 anos, residentes na zona urbana de Campo Grande, MS, Brasil, 1996

Elisa Teruya Oshiro1, Maria Elizabeth Cavalheiros Dorval1, Vânia Lúcia Brandão Nunes1, Marcos Aurélio Almeida Silva2 e Luis Augusto Morelli Said2

1. Departamento de Patologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil. 2. Acadêmicos.

DOI: 10.1590/S0037-86822000000300007


RESUMO: O presente estudo visou estabelecer a prevalência de Cryptosporidium parvum em crianças abaixo de 5 anos, residentes na zona urbana de Campo Grande, MS, 1996/97, através de exames coprológicos e avaliar epidemiologicamente os casos diagnosticados. Tratou-se de um estudo transversal com inquérito domiciliar, onde foram examinadas 1051 amostras fecais, processadas segundo a técnica de Blagg, utilizando-se a coloração de Ziehl-Neelsen modificada para a pesquisa de oocistos de C. parvum. Concluiu-se que: a prevalência de C. parvum (1,1%) observada não foi estatisticamente significativa; foi relatado diarréia em 58,3% das crianças com diagnóstico positivo, supondo-se associação entre diarréia e a presença do parasita; o C. parvum foi mais freqüente em crianças com idade de 25 a 36 meses (50%), porém sem diferença estatisticamente significativa; o sexo não teve papel diferencial em relação ao parasitismo por C. parvum; entre as 12 crianças com criptosporidiose, 83,3% tiveram contato com animais domésticos (cão e ou gato).
Palavras-chaves: 
Cryptosporidium parvum. Crianças. Prevalência. Zona urbana.

ABSTRACT: The purpose of this study was to establish the prevalence of Cryptosporidium parvum among infants of less than 5 years of age, resident in the urban area of Campo Grande, Mato Grosso do Sul State, Brazil, 1996/97, through parasitological examinations and epidemiological analysis of the diagnosed cases. It was a transverse study with domiciliary inquiry and we evaluated 1051 fecal samples processed by the Blagg method, and a modified Ziehl-Neelsen staining was used for research of oocysts of C. parvum. We can concluded that the prevalence of C. parvum (1.1%) was not statistically significant; 58.3% of the children with positive diagnosis presented diarrhea, suggesting an association between this sign and the presence of the parasites; C. parvum was more frequent among children aged between 25 to 36 months (50%), but this was not statistically significant; sex did not have a differential role in relation to the cryptosporidiosis; out of the 12 children with cryptosporidiosis, 10 had contact with domestic animals (dogs and or cats).
Key-words: 
Cryptosporidium parvum. Children. Prevalence. Urban zone.

 

 

Sendo Cryptosporidium sp um dos três principais agentes de diarréia infecciosa que constitui importante causa de morbimortalidade em crianças de 0 a 5 anos de idade, no Brasil, onde a cada ano, 4 milhões de episódios de diarréia estão associados com morte infantil6, justificam-se estudos sobre esse protozoário em Campo Grande, MS, com o objetivo de estimar a prevalência de C. parvum em crianças abaixo de 5 anos de idade, residentes na zona urbana de Campo Grande, MS, bem como avaliar clínica-epidemiologicamente os casos diagnosticados.

MATERIAL E MÉTODOS

Tipo de estudo. Estudo transversal com inquérito domiciliar.

Área de estudo. O município de Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul (MS), está situado entre o paralelo 20o26’47” (latitude Sul) e o meridiano 54o38’47” (longitude Oeste). A população urbana estimada de acordo com o Censo Demográfico de 1991 é de 526.126 habitantes, dentre estes, 57.839 são menores de 5 anos de idade.

Em relação ao saneamento básico, o município conta com 81% dos domicílios abastecidos de água com canalização interna da rede geral e 92% dos domicílios com coleta de lixo9.

População em estudo. Crianças com idade entre 0 e 59 meses, de ambos os sexos, residentes na zona urbana de Campo Grande, MS.

Técnica de amostragem e amostra. Como o estudo foi em uma população heterogênea (zonas central e periférica), na qual podemos distinguir subpopulações mais ou menos homogêneas, denominadas estratos, a amostragem estratificada por zona foi a técnica de eleição para calcular o tamanho da amostra.

Para o sorteio das residências foram utilizados mapas e croqui de bairros, confeccionados por funcionários da Fundação Nacional de Saúde (FNS) de Campo Grande, MS. Após a numeração prévia das quadras pertencentes a cada zona foi realizado o sorteio dos domicílios com auxílio do Programa Excel, versão 5.0.

Uma criança abaixo de cinco anos de idade residente naquela moradia tornou-se elemento da amostra. Na presença de mais crianças nessa faixa etária, foi sorteada uma delas, utilizando-se um dado. Caso a residência não tivesse criança ou ocorresse recusa, foi estabelecido que a moradia seguinte, com o número superior àquela, seria automaticamente a escolhida.

A amostra foi constituída de 1.635 crianças, sendo 352, 363, 350, 360 e 210 pertencentes, respectivamente, às zonas norte, sul, leste, oeste e central. Visando manter a representatividade da amostra foi acrescido 10% ao número total.

Obtenção das amostras de fezes. Para a colheita das amostras de fezes foram utilizados frascos descartáveis (coletor universal), contendo solução conservadora de MIF (merbromino, iodo e formol). Os recipientes foram entregues aos responsáveis após identificação prévia com o número do domicílio e o nome do morador amostrado naquela residência. Na primeira visita foram dadas as instruções de como colher a amostra fecal e foi marcada a data de retorno para recolhimento da mesma (um semana após o primeiro contato).

Exames parasitológicos. As amostras de fezes foram processadas segundo a técnica de Blagg et al3, no laboratório de Parasitologia do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Parte do sedimento obtido foi utilizado para a confecção de esfregaço corado pela técnica de Ziehl-Neelsen modificada7 para a pesquisa de oocisto de C. parvum. O restante do sedimento, após coloração pelo lugol, foi utilizado para pesquisa de enteroparasitas em geral. Não houve pesquisa de enterobactérias. Para as crianças que apresentaram oocistos de C. parvum foi preenchida uma ficha de investigação clínica e epidemiológica. Foi providenciada assistência às crianças cujos exames revelaram parasitoses merecedoras de tratamento.

Análise estatística. Foi realizada pelo teste do qui-quadrado e teste para uma proporção populacional; fixou-se em 0,05 ou 5% (alfa = 0,05) o nível para rejeição da hipótese de nulidade5.

RESULTADOS

Foram visitados e entrevistados pais e ou responsáveis em 1800 (amostra + 10%) residências. No presente estudo foram consideradas apenas as crianças pertencentes àquelas famílias que entregaram as amostras fecais para a realização do exame parasitológico, ou seja: 1051 (64,3%).

Em relação ao exame parasitológico de fezes, a prevalência de C. parvum na amostra estudada foi de 1,1% (p > 0,05)5.

Ao se avaliar a prevalência de C. parvum, segundo a idade em meses, foi encontrado 1 caso na faixa etária de 0 a 12 meses, 3 casos na faixa de 13 a 24 meses, 6 casos no grupo etário de 25 a 36 meses, nenhum caso no grupo de 37 a 48 meses e 2 casos entre as crianças com idade entre 49 a 59 meses, de modo que, as crianças com idade entre 13 e 36 meses, representaram 75% dos casos positivos. Para análise dos resultados das faixas etárias foi utilizado o teste do qui-quadrado (c= 6,86)5.

Das amostras fecais examinadas, 540 (51,4%) pertenciam a crianças do sexo masculino e 511 (48,6%) do sexo feminino, sendo observada a presença de C. parvum em 5 (41,7%) crianças do sexo masculino e em 7 (58,3%) do sexo feminino.

Dentre as 12 crianças com diagnóstico positivo para C. parvum, sete (58,3%) apresentavam diarréia aquosa, com restos alimentares e vários episódios diários. Em uma (8,3%), concomitante à diarréia, foi relatada a presença de sangue nas fezes e dor à evacuação. Nas crianças portadoras exclusivamente de C. parvum (10 casos), 6 (60%) crianças apresentavam diarréia. Associação com Giardia lamblia foi observada em uma criança com diarréia e, em uma que não apresentava esse sintoma, foram, ainda, diagnosticados cistos de Endolimax nana e de Entamoeba coli em associação com C. parvum.

Nenhuma das 12 crianças apresentou febre, sendo que apenas uma (8,3%) apresentou episódio de vômito. Anorexia foi relatada em três (25%) crianças e perda de peso em uma (8,3%) delas.

Quando se fez a correlação entre criptosporidiose e o contato com animais, observou-se que dez (83,3%) das crianças parasitadas por C. parvum havia tido contato com algum tipo de animal doméstico (animais relatados: cão e ou gato) e dois casos que apresentavam C. parvum associado a outro parasita, também, tiveram contato prévio com esses animais.

Entre as 12 famílias com criança portadora de parasitismo por C. parvum, a renda de 3 (25%) delas foi menor que um salário mínimo. Somente uma (8,3%) ganhava 2 salários mínimos e 8 (66,7%) ganhavam entre 1 e 2 salários mínimos.

Com relação ao abastecimento de água, observou-se que das 12 crianças com criptosporidiose, 9 (75%) tinham nas residências água proveniente da rede pública e as demais (25%) faziam uso de poço semi-artesiano.

DISCUSSÃO

A prevalência encontrada no presente estudo não foi significante estatisticamente. Dados sobre a prevalência da criptosporidiose entre as crianças no país, assinalam também a ocorrência do protozoário nas cidades de São Paulo, Salvador, Recife e Belém, com taxas ao redor de 5,2% a 17%, demonstrando que esse protozoário é bastante freqüente no Brasil6.

É importante relatar que 2 crianças apresentaram associação do C. parvum com outros parasitas: uma criança apresentou associado parasitismo por Giardia lamblia, que também é agente causal de diarréia, e a outra, parasitismo por Entamoeba coli Endolimax nana, que são protozoários comensais13.

Entre as 10 crianças que apresentaram parasitismo, exclusivamente por C. parvum, 6 (60%) delas relataram diarréia, sendo, portanto, um sinal importante da ocorrência de criptosporidiose. O achado de 5 crianças com C. parvum e sem diarréia, poderia ser explicado pela excreção residual do oocisto como tem sido descrito nos estudos de Holley8 e Baxby1, ou ser considerados como portadores assintomáticos, tal como o descrevem Current et al4. Inquéritos sorológicos e parasitológicos sugerem que as infecções assintomáticas são comuns12.

Recentes estudos na América Latina têm identificado oocistos em 3,2% (Brasil) e 16,7% (Chile) nas fezes de crianças com episódios de diarréia11. No Brasil, há relatos de infecção de 17,43% por este parasita no Hospital das Clínicas, São Paulo, em crianças de 0 a 4 anos de idade com quadro de diarréia10. No Pará, obteve-se índice de 13,8% em escolares de 7 a 15 anos2.

Nos países do Primeiro Mundo, a prevalência deste protozoário entre crianças com diarréia é relatada entre 3 e 3,6%6, sendo que, infecções humanas por Cryptosporidium têm sido relatadas em seis continentes12, ocorrendo em mais de 40 países6.

C. parvum foi, predominantemente, encontrado em crianças de 25 a 36 meses de idade (50%), provavelmente devido às características fundamentais (alta susceptibilidade devido à imaturidade do sistema imunológico e comportamento ligado a fase oral), aliadas ao fato de se iniciar, nessa fase, o maior contato direto das crianças com o meio ambiente, e ser nesse período que a criança inicia o treinamento da higiene. Em relação à idade, é interessante salientar que as crianças na faixa etária entre 13 e 24 meses constituíram a maior parte da população amostrada (29,2%), o que pode ter determinado uma maior possibilidade para ocorrência de criptosporidiose nesse grupo etário (25%). No grupo de 49 a 59 meses de idade (16,7%) a explicação seria o maior contato direto das crianças com o meio ambiente, onde existem probabilidades de mais alta contaminação12. Pelo teste do qui-quadrado (c2), não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos com um nível de significância de 5%.

Observa-se que das 12 crianças que apresentaram C. parvum no exame de fezes, sete (58,3%) foram do sexo feminino e cinco (41,7%) do sexo masculino, não mostrando, aparentemente, associação do sexo com presença do parasita.

Entre as 12 crianças com criptosporidiose, 10 (83,3%) relataram contato com animais domésticos (gato e ou cão), o que alerta para a possibilidade de transmissão zoonótica. A transmissão zoonótica pode ocorrer em indivíduos que mantêm contato direto com animais e por surtos devido à contaminação fecal dos mananciais de água. Entretanto, o contato inter-humano (pessoa à pessoa) parece ser a principal via de transmissão nos países em desenvolvimento6.

Concluiu-se que: a prevalência de C. parvum (1,1%) observada no presente estudo não foi estatisticamente significativa; foi possível supor associação entre diarréia e a presença do parasita; o parasita foi mais freqüente em crianças com idade de 25 a 36 meses, porém sem diferença estatisticamente significativa entre os grupos etários; o sexo não teve papel diferencial em relação ao parasitismo por C. parvum; entre as 12 crianças com criptosporidiose, 83,3% tiveram contato com animais domésticos (cão e ou gato).

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