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Tétano no Brasil: doença do idoso?

Edgar N. Moraes1 e Ênio R.P. Pedroso2

1. Professor Assistente. Mestre em Medicina Tropical, Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. 2.Professor Titular da Faculdade de Medicina da UFMG.

DOI: 10.1590/S0037-86822000000300006


RESUMO: No Brasil, a distribuição etária do tétano é pouco estudada. Neste trabalho foi analisada a evolução histórica do coeficiente de mortalidade por tétano no Brasil, entre 1980 e 1991, e estabelecida a distribuição dos casos pela faixa etária, tendo por base o Sistema de Informações de Mortalidade. Os coeficientes de mortalidade por faixa etária foram calculados conforme os dados fornecidos pela FUNASA-CENEPI, DATASUS e IBGEUtilizou-se o teste qui-quadrado para comparar os coeficientes de mortalidade para as diversas faixas etárias, por ano e região do paísHouve declínio dos coeficientes de mortalidade em todas as faixas etárias, exceto nos idosos. Nas regiões Norte e Sul houve aumento do coeficiente de mortalidade nos idosos. No Brasil, o tétano vem apresentando comportamento epidemiológico semelhante ao observado nos países desenvolvidos, onde os idosos representam o principal grupo de risco para adoecer e morrer da doença.
Palavras-chaves:
 Tétano. Idoso. Epidemiologia.

ABSTRACT: Epidemiological data regarding the age distribution of tetanus in Brazil is scarce. This work analyzed the historical evolution of tetanus in Brazil, between 1980 and 1991, according to the Mortality Information System and established the age distribution for this disease. The data used was that provided by FUNASA-CENEPI, DATASUS and IBGE. Between 1980 and 1991, the coefficient of general incidence dropped from 2.6 to 1.0 case per 100,000 inhabitants. There was a decline in the mortality coefficients within all the age groups, except in the elderly. In the North and South regions, there was an increase in the mortality coefficient among the elderly. Infantile tetanus is disappearing, particularly, in the developed areas. However, the overall lethality tended to rise in this period and, in 1991, it reached 32.5%. In Brazil, tetanus presents epidemic behavior similar to that observed in the developed countries, where the elderly represent the main risk group to contract and die from the disease.
Key-words: Tetanus. Elderly. Epidemiology.

 

 

O tétano é doença infecciosa, não contagiosa, usualmente de início agudo, resultante do binômio solução de continuidade de pele/mucosa e contaminação pelo bacilo Clostridium tetani19. Caracteriza-se por espasmos dolorosos, rigidez muscular e disautonomia, causados pela tetanospasmina, potente neurotoxina bacilar. A letalidade é bastante elevada, principalmente, nas faixas etárias extremas12 17.

Nos países desenvolvidos, o tétano tornou-se raro, graças às medidas profiláticas e ao maior desenvolvimento sócio econômico e cultural, permitindo imunização adequada dos habitantes e correto atendimento aos pacientes traumatizados e ao parto, e não pela erradicação do bacilo do solo ou interrupção na cadeia de transmissão da doença. O tétano nestes países, entretanto, persiste, especialmente nos idosos. Isto deve-se, em grande parte, à queda linear dos níveis séricos da antitoxina tetânica com o avançar da idade, à imunossenescência com prejuízo da atividade T-helper9, e à negligência nas doses de reforço da vacina antitetânica6 21.

No Brasil, os dados epidemiológicos da distribuição etária do tétano são escassos e privilegiam o tétano neonatal. O objetivo deste trabalho foi descrever o comportamento da distribuição etária do tétano no Brasil e principais regiões, no período de 1980 a 1991.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Os dados epidemiológicos referentes ao tétano foram obtidos junto à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), através da Coordenação Nacional das Doenças Imuno-preveníveis/GT-DPT (CENEPI) e Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Os dados populacionais do Brasil foram fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A população com idade igual ou superior a 60 anos foi considerada idosa, segundo recomendação da OMS15. A população neonatal foi constituída por indivíduos com 0 a 30 dias de vida.

O DATASUS, através do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), edição maio de 1996, permitiu análise do comportamento da distribuição etária do tétano, entre 1980 e 1991, a partir dos dados de declaração de óbito.

Os dados da população brasileira, por idade e região, foram agrupados, sempre que possível, nas seguintes faixas etárias: neonatal, menor de um ano, de um a 19 anos, de 20 a 59 anos e 60 anos ou mais. O cálculo dos coeficientes de mortalidade, para 1980 e 1991, foi feito para as faixas etárias: neonatal, 0 a 19 anos (exceto o neonatal), 20 a 59 anos e idosos (mais de 60 anos). Não foi possível o cálculo para a população menor de um ano, em virtude da ausência do dado populacional correspondente. Para o tétano neonatal, utilizou-se a população de nascidos vivos registrados nos respectivos anos. Todos os coeficientes são por 100.000 habitantes. A letalidade geral foi obtida dividindo-se o número de óbitos por tétano pelo número de casos notificados. Não foi possível o cálculo da letalidade por faixa etária pela ausência de dados.

Utilizou-se o teste qui-quadrado para comparar os coeficientes de mortalidade para as diversas faixas etárias, por ano e região do país. No caso em que houve diferenças significativas, utilizou-se o particionamento de tabelas para determinar onde ocorriam as diferenças existentes entre os grupos.

 

RESULTADOS

A distribuição etária dos coeficientes de mortalidade por tétano, no Brasil, em 1980 e 1991, tenderam ao progressivo declínio em todas as faixas etárias (p < 0,001), exceto nos idosos (p = 0,31) (Figura 1).

Tabela 1 mostra o comportamento da distribuição etária do coeficiente de mortalidade por tétano nas regiões brasileiras em 1980 e 1991. Todas as regiões mostraram redução significativa do coeficiente de mortalidade em todas as faixas etárias (p < 0,05) exceto nos idosos (p > 0,05). A região Sudeste foi a única a reduzir significativamente o coeficiente de mortalidade entre idosos (p = 0,003). As regiões Norte e Sul apresentaram elevação do coeficiente de mortalidade por tétano na população idosa.

Figura 2 compara a letalidade do tétano acidental, no Brasil e principais regiões, em 1980 e 1991. Verifica-se tendência para aumento da letalidade no Brasil (p < 0,001), Nordeste (p < 0,001) e Sul (p < 0,001).

 

DISCUSSÃO

Nos Estados Unidos, desde 1986, houve progressiva queda na incidência global do tétano, estabilizando-se em 0,02 a 0,04 casos por 100.000 habitantes. A doença incide preferencialmente na população idosa14. Entre 1991 e 1994, foram notificados 201 casos de tétano ao National Notifiable Disease Surveillance System (CDC)15. Mais de 50% dos casos ocorreram em idosos e 5% na população com idade inferior a 20 anos. Todos os óbitos ocorreram em pessoas com mais de 30 anos. A letalidade variou de 11% nos indivíduos com 30-49 anos a 54% naqueles com mais de 80 anos7.

No Reino Unido são notificados cerca de 30 a 50 casos por ano. Neste país, o tétano também assumiu caráter de doença do idoso, com 50% dos casos e óbitos descritos em pacientes com 60 anos ou mais 13.

Heath et al6, na Austrália, mostraram grande preocupação com este deslocamento etário da susceptibilidade ao tétano. Desde 1980, 80% dos casos notificados e 90% dos óbitos foram descritos em pacientes com 50 anos ou mais.

Na Espanha, foram notificados cerca de 50 casos de tétano em 1990. Em Guipúzcoa, no período de 1962-1991, ocorreram 98 casos, a maior parte deles pessoas com mais de 45 anos. A letalidade foi elevada (33,7%), particularmente nos pacientes com mais de 55 anos4.

Nos idosos, a prevalência de anticorpos protetores é inferior a 50%, especialmente nas mulheres e naqueles institucionalizados6 13 21. Nos EUA, Gergen et al5em 1995, observaram títulos protetores em somente 27,8% da população com 70 anos ou mais. A imunossenescência não compensada pelas doses de reforço da vacina justificariam esta tendência13.

Em São Paulo1 3 10, observou-se nítido deslocamento do tétano para grupos etários mais avançados. No Rio Grande do Sul, Meneghel11 também observou o aumento da sua incidência nos grupos mais idosos.

A análise do comportamento histórico da distribuição etária do tétano no Brasil esbarrou em diversas dificuldades. Apesar de ser doença de notificação compulsória, a maioria das bases de dados agrupa os casos em faixas etárias extremamente simplificadas: neonatal, menor um ano, 1 a 4 anos, 5 a 9 anos, 10 a 14 anos e acima de 15 anos.

O grau de confiabilidade dos dados obtidos pelo Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), baseados nas declarações de óbito foi considerada satisfatória, pois o diagnóstico de tétano baseia-se em critérios clínicos e epidemiológicos bem definidos. As manifestações clínicas são características, dificilmente confundidas com outras doenças16 17 19.

O coeficiente de incidência do tétano acidental apresentou queda significativa entre 1980 e 1991, variando de 2,6 casos por 100.000 habitantes para um caso por 100.000 habitantes, segundo a FUNASA-CENEPI. Os coeficientes de mortalidade revelaram comportamento semelhante. Todas as faixas etárias apresentaram significativa redução do coeficiente de mortalidade neste período, exceto os idosos.

Todas as regiões seguiram a mesma tendência. As regiões Norte e Sul apresentaram elevação nos coeficientes de mortalidade nos idosos. Em 1991, na região Sudeste, o coeficiente de mortalidade nos neonatos tornou-se quase igual ao dos idosos.

O tétano neonatal apresentou queda no coeficiente de mortalidade bem mais expressivo, com redução de até quatro vezes. Nos demais grupos a queda foi significativa, entretanto, menos exuberante. Em 1991, os grupos com maior coeficiente de mortalidade foram representados pelos neonatos e idosos.

A letalidade do tétano acidental, no Brasil, em 1991, foi de 32,5% (CENEPI). Entre 1980 e 1991, houve elevação da letalidade no Brasil, particularmente nas regiões Nordeste e Sul. Os determinantes desta manutenção e, até mesmo, elevação da letalidade são difíceis de serem analisados. Litvoc et al10 também observaram esta tendência no Estado de São Paulo, cuja justificativa poderia ser o deslocamento da doença para faixas etárias mais velhas, onde a letalidade é maior

São notificados anualmente no Brasil, mais de 1.000 casos de tétano acidental, segundo a FUNASA-CENEPI. O custo necessário para o tratamento destes pacientes é significativo 20. A duração média da internação varia de 23 dias18 até 107 dias8, conforme a casuística examinada. Segundo Balestra e Littenberg 2, o gasto com a internação de dois pacientes tetânicos é suficiente para financiar cerca de 90.000 doses da vacina antitetânica. Portanto, no Brasil, o custo anual do tratamento dos casos de tétano acidental seria suficiente para a compra de 45 milhões de doses da vacina antitetânica. Fica fácil perceber a gravidade do problema e a necessidade inadiável de investimentos governamentais no controle desta doença.

Estes dados sugerem que, no Brasil, o idoso constitui o principal grupo de risco de adoecer e morrer da doença. A vacinação antitétano, aliada às medidas sanitárias e tratamento adequado das feridas, constituem ações seguras e eficazes no controle da doença.

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