Home » Volumes » Volume 31 September/Octuber 1998 » Blastocystis hominis: o enigma continua

Blastocystis hominis: o enigma continua

Rodolfo Devera

Departamento de Parasitologia e Microbiologia, Universidade de Oriente, Ciudad Bolívar, Venezuela. Departamento de Medicina Tropical, Instituto Oswaldo Cruz, FIOCRUZ. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

DOI: 10.1590/S0037-86821998000500011


Ao Editor: Blastocystis hominis é um protozoário freqüentemente encontrado nas fezes de pessoas com e sem manifestações gastrintestinais, imunocompetentes e imunossuprimidos1 8 11 15 16 19. De todos os microorganismos possíveis de serem observados nas fezes, Lee considera que B. hominis é o segundo mais freqüente, somente superado pelas leveduras11. Em nossa experiência, o protozoário é o parasito mais comum, segundo os resultados dos exames coprológicos feitos no ano 1996 no Laboratório de Parasitologia do Departamento de Parasitologia e Microbiologia da Universidade de Oriente, Venezuela (R Devera: dados não publicados).

Blastocystis hominis foi descrito há quase 80 anos, mas ainda persistem controvérsias e até aspectos enigmáticos sobre este parasito intestinal19 20, sendo sua localização taxonômica e patogenicidade as principais.

Recentemente, no XXXIV Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, foi reportada uma prevalência de 2,94% para B. hominis numa amostra de indivíduos de São Paulo, ressaltando a utilidade do exame direto de fezes e a coloração com tionina no diagnóstico14. Também, recentemente, um estudo no Japão demonstrou uma prevalência de apenas 0,5% nesse pais7. Na Venezuela, nós também empregando a técnica de exame direto como “Gold Standart Test”, determinamos uma taxa de prevalência de 17,5% num grupo de 705 crianças entre 3 e 14 anos de duas creches e sete escolas do Estado Bolívar (R Devera: dados não publicados).

Estas diferenças tão grandes de uma região a outra sem duvida obedecem a fatores geográficos e a fatores dependentes do parasito que ainda não conhecemos. Porém, também devem-se, em parte, ao desconhecimento que há sobre o protozoário, além de que sua identificação requer certa experiência. Em muitos locais o parasito não é reportado rotineiramente nos resultados dos exames coproparasitológicos, além de que muitos o consideram como um organismo um comensal sem importância, esquecendo o número crescente de publicações que o assinalam como parasito potencial em ausência de outras causas que expliquem as manifestações clínicas nos pacientes2 11 12 15 16 17 18.

Recentemente, realizamos uma revisão sobre o protozoário no Brasil, e somente foram encontrados cinco artigos onde o parasito foi estudado, ou pelo menos foi mencionado1 6 8 9 13.

Nos sugerimos que B. hominis é um organismo com uma morfologia única, porém com constituição bioquímica e genética diversas, que redunda em potencialidades patogênicas diferentes. Poderia tratar-se de um complexo de espécies, o qual explicaria as diferenças tão marcadas na patogenia e epidemiologia que são observadas de uma área geográfica para outra.

Diferentes trabalhos citados em muitos jornais, parecem indicar que essa sugestão é correta. Em 1991, Kukoschke e Muller detectaram cepas de B. hominis bioquímica e imunologicamente diferentes em cultivos axênicos. Pelo menos duas variantes com diferentes padrões polipeptídicos e antigênicos foram demonstradas pelos pesquisadores10. Gericke et al3identificaram cinco padrões isoenzimáticos em isolados de B. hominis procedentes de pacientes sintomáticos e portadores sadios, embora não encontrassem correlação entre esses padrões e a doença dos pacientes. Essas observações levaram a outros autores a empregar técnicas de biologia molecular para determinar se com elas haveria diferenças. Assim, cinco grupos foram evidenciados, tanto em pacientes assintomáticos como sintomáticos4. Graham-Clark empregando riboprinting para estudar ao parasito, demonstrou que B. hominis tem ampla diversidade genética, o que poderia explicar a disparidade de observações encontradas em relação à patogenia do protozoário5 .

A falta de correlação entre os grupos determinados e a clínica dos pacientes, indica que possivelmente requer-se estudar maior número de pacientes de diversas procedências geográficas.

Entretanto, com esses dados, a questão mais importante ainda não foi resolvida: B. hominis e um patógeno ou um comensal? Estudos clinico-epidemiologicos baseados nas novas ferramentas da medicina atual serão fundamentais nos próximos anos para dar resposta a tão difícil pergunta que continua sendo uma das maiores incógnitas de um parasito enigmático: B. hominis.

 

1. Brites C, Barberino G, Bastos M A, Sá MS, Silva N. Blastocystis hominis as a potential cause of diarreha in AIDS patients: a report of six cases in Bahia, Brazil. The Brazilian Journal of Infectious Disease 1:91-94, 1997.

2. Carrascosa M, Martínez J, Pérez-Castrillón JL. Hemorrhagic proctosigmoiditis and Blastocystis hominis infection. Annals of Internal Medicine 124:278-179, 1996.

3. Gericke AS, Burchard GD, Knobloch J, Walderich B. Isoenzyme patters of Blastocystis hominis patient isolates derived from symptomatic and healthy carriers. Tropical Medicine and International Health 2:245-253, 1997

4. Gloning BB, Knobloch J, Walderich B. Five subgrupes of Blastocystis hominis isolates from symtomatic and asymptomatic patients reveled by restriction site analysis of PCR-amplified 16S-like rDNA. Tropical Medicine and International Health 2:771-778, 1997.

5. Graham-Clarck G. Extensive genetic diversity in Blastocystis hominis Molecular and Biochemical Parasitology 87:79-83, 1997.

6. Guimaraes S, Sogayar MI.Blastocystis hominis: Ocurrence in children and staff membres of municipal day-care centers from Botucatu, São Paulo State, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 88:427-429, 1993.

7. Horiki N, Maruyama M, Fujita J, Yonekura T, Minato S, Kaneda Y. Epidemiologic survey of Blastocystis hominis infection in Japan. Americam Journal of Tropical Medicine and Hygiene 56:370-374, 1997.

8. Jones TC. Blastocystis hominis: More than 70 years of debate regarding pathogenicity! The Brazilian Journal of Infectiouns Disease 1:102-104, 1997.

9. Kobayashi J. Hasegaw H, Forli AA. Prevalence of intestinal parasitic infection in five farms in Holambra, São Paulo, Brazil. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 37:13-18, 1995.

10. Kukoschke KG, Muller HE. SDS-PAGE and immunological analysis of different axenic Blastocystis hominis. Journal of Medical Microbiology 35:35-39, 1991.

11. Lee MJ. Pathogenicity of Blastocystis hominis. Journal of Clinical Microbiology 29:2089, 1991.

12. Markell EK, Udkow MP. Blastocystis hominis pathogen or fellow traveller? Americam Journal of Tropical Medicine and Hygiene 35:1023-1026, 1986.

13. Moura H, Fernandez O, Viola JPB, Silva SP, Passos RH, Lima DB. Enteric parasites and HIV infection: Occurrence in AIDS patient in Rio de Janeriro, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 84:527-533, 1989.

14. Pires de Mato C, Amato Neto V, Braz LMA, Carignani FL, Villela MSH, Pinto THL, Di Pietro Fernandes AO, De Marchi Casadei RM. Blastocystis hominis. Diagnóstico por exame direto e por coloração com tionina. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 31 (supl 1):188, 1998.

15. Ponce de León P, Svetaz M J, Zdero M. Importancia del diagnóstico de Blastocystis hominis en el examen parasitológico de heces. Revista Latino-americana de Microbiología 33:159-164, 1991.

16. Sheehan DJ, Raucher BG, Mckitrick JC. Association of Blastocystis hominis with signs and simptoms of human disease. Journal of Clinical Microbiology 24:548-550, 1986.

17. Sinniah B, Rajeswari B. Blastocystis hominis intection, a cause of diarrhea. Southeast Asian Journal of Tropical Medicine and Public Health 25:490-493, 1994.

18. Udkow MP, Markell E K. Blastocystis hominis: Prevalence in Asymptomatics versus Symptomatics hosts. Journal of Infectious Disease 168:242-244, 1993.

19. Zierdt CH. Blastocystis hominis-Past and future. Clinical Microbiology Reviews 4:61-79, 1991.

20. Zierdt CH, Rude W S, Bull BS. Protozoan characteristics of Blastocystis hominis. Americam Journal of Clinical Pathology 48:495-501,1967.

 

Rodolfo Devera

Departamento de Parasitologia e Microbiologia, Universidade de Oriente, Ciudad Bolívar, Venezuela. Departamento de Medicina Tropical, Instituto Oswaldo Cruz, FIOCRUZ. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 
Recebido em 21/05/98.