Home » Volumes » Volume 31 September/Octuber 1998 » Seria a taxonomia insignificante para a ecologia de vetores?

Seria a taxonomia insignificante para a ecologia de vetores?

Carlos Brisola Marcondes

Departamento de Microbiologia e Parasitologia. Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

DOI: 10.1590/S0037-86821998000500012


Ao Editor: A correta identificação dos vetores potenciais de parasitos é fundamental para a compreensão de seu possível papel na transmissão. A imprecisão na identificação destes insetos nas várias regiões, desconsiderando os estudos taxonômicos, pode levar a confusão entre espécies vetoras e não vetoras e com características biológicas diferentes. É freqüente que uma espécie seja descrita e, após estudos mais detalhados, esta se revele suficientemente heterogênea para ser dividida em entidades mais homogêneas e menos abrangentes. Isto é mais evidente e fundamental para certos anofelíneos e simulídeos, que constituem complexos de espécies, em que as várias espécies componentes apresentam, por exempo, diferenças nas preferências alimentares e no papel vetorial2.

Estudos recentes têm indicado a existência de tais complexos em Phlebotominae, especialmente em Lutzomyia longipalpis (Lutz & Neiva, 1912)3 13L. intermedia (Lutz & Neiva, 1912)4 5 e L. whitmani (Antunes & Coutinho, 1939)9. O estudo morfométrico detalhado de 705 exemplares de L. intermedia s. l. procedentes de 12 estados do Brasil e do Paraguai, Argentina e Bolívia, além do estudo da genitália de vários outros do Estado de São Paulo, permitiu distinguir duas espécies bem definidas, L. intermedia s.s. e L. neivai (Pinto, 1926)4 5, assim como definir a distribuição geográfica do complexo e das duas espécies6.

No entanto, têm sido publicados trabalhos de ecologia de flebotomíneos, que citam o encontro de L. intermedia na região do Estado de São Paulo ao oeste da Serra do Mar1 8 e nos Estados do Paraná11 12 e do Rio Grande do Sul10. Nestas regiões, todos os numerosos exemplares estudados foram identificados como pertencentes a L. neivai 4 5 6 7.

É muito importante que, no futuro, os autores de tais trabalhos e de outros correlatos a serem publicados, mesmo que apenas relacionados com a ecologia de flebotomíneos e com a epidemiologia de leishmanioses, divulguem a identificação específica mais precisa dos insetos capturados. Se discordarem da proposta de distinção das duas espécies, esta discordância deve ser explicitamente referida. Outra alternativa viável, mas menos precisa, seria a de citarem a identificação dos exemplares como L. intermedia s.l.

 

 

1. Condino MLF, Sampaio SMP, Henriques LF, Galati EAB, Wanderley DMV, Corrêa FMA. Leishmaniose tegumentar americana: flebotomíneos de área de transmissão no Município de Teodoro Sampaio, região sudoeste do Estado de São Paulo, Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 31:355-360, 1998.

2. Lane RP, Crosskey, RW. General introduction. In: Lane RP, Crosskey RW (ed) Medical insects and arachnids. Chapman & Hall, London, p.1-29, 1993.

3. Lanzaro GC, Ostrovska K, Herrero MV, Lawyer PG, Warburg A. Lutzomyia longipalpis is a species complex divergence and interspecific sterility among three populations. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene 48:839-847, 1993.

4. Marcondes CB. A redescription of Lutzomyia (Nyssomyia) intermedia (Lutz & Neiva, 1912) and resurrection of L. neivai (Pinto, 1926) (Diptera Psychodidae, Phlebotominae). Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 91:457-462, 1996.

5. Marcondes CB. Morfometria e DNA mitocondrial de populações sul americanas de Lutzomyia (Nyssomyia) intermedia(Lutz & Neiva, 1912) (Diptera Psychodidae, Phlebotominae). Tese de Doutorado. Curitiba, Universidade Federal do Paraná. xxiv+260p. 1997.

6. Marcondes CB. Morfometria e DNA mitocondrial de populações americandas de Lutzomyia (Nyssomyia) intermedia(Lutz & Neiva, 1912) (Diptera Psychodidae, Phlebotominae). Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 30:533-534, 1997.

7. Marcondes CB, Lozovei AL, Vilela JH. Distribuição geográfica de flebotomíneos do complexo Lutzomyia intermedia(Lutz & Neiva, 1912). Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 31:51-58, 1998.

8. Mayo RC, Casanova C, Mascarini LM, Pignatti MG, Rangel O, Galati EAB, Wanderley DMV, Corrêa FMA. Flebotomíneos (Diptera Psychodidae) de área de transmissão de leishmaniose tegumentar americana, no Município de Itupeva, região sudeste do Estado de São Paulo, Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 31:339-345, 1998.

9. Ready PD, Day JC, Souza AA, Rangel EF, Davies CR. Mitochondrial DNA characterization of populations of Lutzomyia whitmani (Diptera: Psychodidae) incriminated in the peri-domestic and silvatic transmission of Leishmania species in Brazil. Bulletin of Entomological Research 87:187-195, 1997.

10. Silva OS, Grunewald J. Preliminary studies on Phlebotomine fauna from Parque Estadual do Turvo, RS, an endemic tegumentary leishmaniasis area. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 92 (supl I):317, 1997.

11. Teodoro U, Kühl JB. Interação flebotomíneos, animais domésticos e dominância de Lutzomyia (Nyssomyia) intermedia(Lutz & Neiva, 1912) em área com alto grau de antropia, no sul do Brasil. Revista de Saúde Pública 31:512-516, 1997.

12. Teodoro U, Kühl JB, Thomaz-Soccol V, Barbosa OC, Ferreira MEMC, Lozovei AL, Silveira TGV. Influence of peri-domiciliar environmental conditions in the dispersion and proliferation of Phlebotomine sandflies in Paraná State, Southern Brazil. Arquivos de Biologia e Tecnologia 40:745-751, 1997.

13. Ward RD, Philips A, Burnet B, Marcondes CB. The Lutzomyia longipalpis complex: reproduction and distribution. In: Service M (ed) Biosystematics of haematophagous insects. Claredon Press, Oxford, 1988.

 

 

Carlos Brisola Marcondes
Departamento de Microbiologia e Parasitologia.
Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
 
Recebido em 29/07/98.