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ATIVIDADES PRELIMINARES DO PROGRAMA DE CONTROLE E TRATAMENTO DA ONCOCERCOSE NO TERRITÓRIO YANOMÂMI, RORAIMA, BRASIL

Giovanini E. Coelho, João B.F. Vieira, Cláudio E. Oliveira, Deise A. Francisco e Luís R. Pinheiro

Gerência Técnica de Endemias Focais, Fundação Nacional de Saúde, Brasília, DF. Comissão Pro Yanomâmi (CCPY) e Coordenação Regional da Fundação Nacional de Saúde, Boa Vista, RR.

DOI: 10.1590/S0037-86821997000100014


Após caracterização clínico-epidemiológica da oncocercose na região Yanomâmi, RR, Brasil, iniciada em 1993, a Fundação Nacional de Saúde (FNS) implementou um projeto piloto de controle e tratamento nos pólos de base de Tootobi e Balawaú. Nestes, foram estudadas biópsias de pele de 426 pessoas. Nos nódulos de 86,7% de pacientes, foi encontrada Onchocerca volvulus. A prevalência global encontrada na população examinada foi 66,2%. O tratamento, com ivermectina, teve uma cobertura de 80,1% da população total. Reações adversas ao medicamento foram relatadas em 12,3% dos pacientes, sendo consideradas como leves e moderadas. Estes resultados são concordantes com os descritos na literatura médica e sugerem a factibilidade da ampliação do referido Programa para toda a área Yanomâmi, numa próxima fase.
Palavras-chaves: Oncocercose/controle. Onchocerca volvulus/ivermectina. Yanomâmi/Brasil.

A oncocercose é uma das endemias que grassam no território Yanomâmi, tendo sido ali detectada na primeira metade da década de 19705. Desde então, apenas operações esporádicas de investigação foram realizadas para elucidação da situação epidemiológica da mesma6, bem como algumas ações de medicação, de forma descontínua e com pequena cobertura.

Vários fatores têm sido responsáveis pela não efetivação de medidas sistemáticas para o controle dessa endemia, como: relativo isolamento dos grupos indígenas atingidos; dificuldades logísticas, que tornam as operações difíceis e de alto custo; doenças de caráter agudo que assolam a região, ocasionando prioridades de atuação por parte das equipes locais de saúde.

Recentemente, têm-se acumulado alguns fatores propiciadores à implantação efetiva de um programa de controle e eliminação da oncocercose, com boas perspectivas de sustentabilidade. Destacando-se entre eles, a disponibilidade de um medicamento microfilaricida à base de ivermectina2, que preenche os melhores requisitos de eficácia, segurança e praticidade8; a iniciativa da Organização Pan Americana da Saúde (OPAS)/Organização Mundial da Saúde (OMS), junto a OEPA (Onchocerciasis Elimination Program for the Americas), em coordenar, estimular e apoiar os esforços de diversos países nas Américas que possuem focos de oncocercose, com o objetivo de eliminá-los completamente até o ano 2000, tal como é esperado com os focos africanos de oncocercose; e finalmente, no Brasil, a criação do Distrito Sanitário Yanomâmi (DSY)/FNS4.

Nesse contexto, deve ser destacado que a oncocercose, está sendo considerada pelo TDR/UNDP/World Bank/WHO (Special Programme for Research and Training in Tropical Diseases) como uma das quatro doenças candidatas (além da filaríase linfática, Chagas e hansen) a ser “eliminada” como problema de Saúde Pública, dependendo em grande parte do empenho político e do financiamento dos programas de controle1.

Assim sendo, a partir de 1993 a Fundação Nacional de Saúde assumiu a coordenação do Programa Brasileiro de Oncocercose, procurando caracterizar sua forma de atuação na busca de uma integração efetiva com o Projeto de Saúde Yanomâmi, integrando-se às demais ações de saúde desenvolvidas na área e pelo fortalecimento da articulação com as diversas instituições governamentais e não governamentais que prestam assistência aos índios Yanomâmi3.

Metodologia. Nos últimos três anos foi realizado um extenso trabalho de atualização epidemiológica do foco Yanomâmi, com obtenção de dados de campo nas áreas de Parasitologia, Entomologia e Oftalmologia. Os resultados confirmaram a presença de áreas com elevados índices de endemicidade, e importante crescimento na densidade de infecção nos indivíduos.

Visando estabelecer em um prazo relativamente curto, parâmetros no controle da Oncocercose na área Yanomâmi, foi realizado um Projeto Piloto nos pólos base de Toototobi e Balawaú, com três componentes básicos: clínico-epidemiológico, para obtenção de dados completos referentes à carga de microfilárias individuais e da comunidade, lesões oculares e taxa de infecção natural nos vetores; antropológico, visando garantir o conhecimento sócio-demográfico preciso da população alvo, levantamento dos dados culturais, sociais, etnoecológicos e a operacionalidade intercultural do projeto; e tratamento e avaliação de reações adversas, objetivando implementar o primeiro ciclo de tratamento.

A prestação dos serviços de saúde na área do projeto é realizada por uma organização não governamental ¾ Comissão pela Criação do Parque Yanomâmi ¾ CCPY, que atende essa população de forma permanente ha cinco anos, dispondo de um banco de dados de saúde de forma individualizada e informatizada.

As atividades do projeto foram desenvolvidas no período de outubro a dezembro de 1995, com uma população alvo de 307 pessoas em 6 comunidades no pólo base Toototobi e 232 pessoas em 8 comunidades no pólo base Balawaú7.

O tratamento da população foi realizado sob supervisão médica direta, após exame clínico para identificação de possíveis contra-indicações e presença ou não de nódulos oncocercóticos. A droga utilizada foi a ivermectina (Mectizan®)2, ministrada na dosagem de 150µg/kg, baseada apenas no peso do paciente. Os pacientes foram informados previamente sobre as possíveis reações adversas Foram excluídos do mesmo, as gestantes, mulheres lactantes (até o sétimo dia), crianças com idade inferior a cinco anos e pacientes com doença neurológica ou enfermidade grave. Após o tratamento, todos receberam acompanhamento médico por um período nunca inferior a três dias, para diagnóstico e tratamento das mesmas.

As reações foram classificadas de acordo com a sua intensidade, em leves (prurido, edema de pele ou exantema), moderadas (febre, mialgia, artralgia, linfadenopatia, cefaléia, vômitos ou diarréia) e graves (hipotensão postural, choque, broncoespasmo, anafilaxia, ou qualquer condição que determinasse risco de vida para o paciente).

 

Resultados

Prevalência/nódulos. Foram coletadas biópsias de pele em 426 (79,0%) pessoas. Foram excluídos das biópsias crianças com menos de 5 anos. Vinte e nove pessoas se ausentaram no momento do exame.

A prevalência global de oncocercose, atingiu 66,2% da população examinada. Em Toototobi a prevalência foi de 58,2% e em Balawaú de 76,6%.

Nódulos compatíveis com oncocercose foram encontrados em 83 (15,3%) pessoas de uma população de 535 examinadas. Não foram encontrados nódulos em crianças com menos de 6 anos. No Toototobi o percentual de nódulos observados na população foi de 9,8% e, no Balawaú de 22,8%.

Dos pacientes examinados com nódulos, 86,7% tinham biópsia de pele positiva.

Cobertura. Todas as 14 comunidades das regiões do Toototobi e Balawaú foram examinadas e tratadas em massa com ivermectina. De 539 pessoas das duas comunidades, 432 de 436 elegíveis foram tratadas, com uma cobertura de 80,1% da população total. As contra-indicações foram gravidez e crianças menores de 5 anos de idade.

Reações adversas. Dos 432 indivíduos tratados, 53 (12,3%) apresentaram algum tipo de reação adversa atribuída à ivermectina: 83,0% leves e 17,0% moderadas. Não foram observadas reações graves. As reações leves foram tratadas com anti-histamínicos e não determinaram limitações às atividades normais no cotidiano dos indivíduos. As moderadas, quando acompanhadas de qualquer grau de limitação das atividades do paciente, foram tratadas com medicamentos sintomáticos e hidrocortisona em doses anti- inflamatórias.

Em 88,7% de todos os pacientes que apresentaram reações adversas, a duração dos sintomas foi inferior a três dias, sendo que 11,3% permaneceram com alguma queixa além desse período e 7,5% (4) pacientes continuaram a apresentar reação leve após uma semana do tratamento.

Nos pacientes que apresentaram reações adversas, os sinais e sintomas encontrados foram: prurido (96,2%), febre (17,0%), edema (13,2%), mialgia (11,3%) e cefaléia (5,7%).

No pólo base Balawaú, onde foram observadas maior prevalência da doença, maior densidade de microfilariases individual e maior percentagem de pessoas com presença de nódulos, a freqüência de efeitos colaterais também foi maior (17,6% da população tratada), enquanto no pólo-base Toototobi o percentual foi praticamente a metade (8,6% da população tratada).

 

Conclusões/Recomendação

· Confirmando os dados disponíveis na literatura médica, as reações adversas observadas entre Yanomâmis foram semelhantes às de tratamentos realizados em outros países nas Américas e na África.

· A confiança dos Yanomâmi no sistema de saúde implantado nos pólos base onde foi distribuído a ivermectina, associada ao prévio esclarecimento sobre a doença e os possíveis efeitos colaterais, contribuiu para a boa aceitação e tolerância ao primeiro ciclo de tratamento.

· A sustentabilidade de um programa de distribuição de ivermectina na área Yanomâmi é factível, desde que incorporado à rotina de controle das demais doenças da região, com a imprescindível assistência permanente à saúde da população.

· Recomenda-se que a distribuição de Ivermectina seja implementada rapidamente em toda a extensão do foco endêmico, visando evitar o aparecimento de formas graves de manifestação da doença (seqüelas oculares e/ou dermatológicas) e a dispersão para áreas indenes.

SUMMARY

After to characterize the clinic and epidemiological picture of the onchocerciasis in Yanomâmi region, RR, Brazil, begun in 1993, the National Health Foundation (FNS) implemented a Control and Treatment Pilot Project in Tootobi and Balawaú. Here, it was studied skin biopsies from 426 inhabitants. In the nodules of 86.7% from patients was encountered Onchocerca volvulus. The over-all prevalence in the examined population was 66.2%. The treatment with ivermectin covered 80.1% of total population. Adverse reactions, light and moderate, of the medicament were reported in 12.3% of the patients. These results agreeing with the medical literature and suggesting the viability of to increase of the programme for all Yanomâmi area in the next phase.
Key-words: Onchocerciasis/control. Onchocerca volvulus/ivermectin. Yanomâmi/Brazil.

AGRADECIMENTOS

A realização deste Projeto Piloto foi possível devido principalmente ao apoio decisivo da Presidência da Fundação Nacional de Saúde e do esforço conjugado da Coordenação de Controle das Doenças Transmitidas por Vetores/CCDTV/FNS, Coordenação de Saúde do Índio/COSAI/FNS, Coordenação de Projetos/CODEPRO/FNS e Coordenação Regional de Roraima/CR/FNS/RR. Agradecemos especialmente a imprescíndivel colaboração do Projeto BRA/93-015, Onchocerciacis Elimination Program for the Americas/OEPA e Comissão para Criação do Parque Yanomami/CCPY. Agradecemos também a colaboração do assessor Dr. Marco Túlio Garcia Zapata/PNUD/CODEPRO/FNS.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Anônimo. Four TDR diseases can be “eliminated”. TDR News 49: 1-5, 1996.

2. Mectizan Expert Committeé. The Mectizan Donation Program, 1994.

3. Ministério da Saúde/Fundação Nacional de Saúde. Iniciativa Latino-Americana para eliminação da Oncocercose/Plano Brasileiro para execução em articulação com a Venezuela. Documento mimeografado de circulação restrita, 1993.

4. Ministério da Saúde/Gabinete do Ministro. Portaria Interministerial nº 316, 1991.

5. Moraes MAP, Frahia H, Chaves GM. Onchocerciasis in Brazil. Bulletin of Panamerican Health Organization 7:50-56, 1973.        [ Links ]

6. Moraes MAP, Shelley AJ, Calheiros LB, Porto, MAS. Estado atual do conhecimento sobre os focos brasileiros de oncocercose. Anais Brasileiros de Dermatologia 54:73-85, !979.         [ Links ]

7. Oliveira CE, Francisco DA. Relatório do componente clínico do Projeto Piloto de assistência às áreas endêmicas em Oncocercose nos pólos-base de Toototobi e Balawaú. Documento mimeografado de circulação restrita. 1995.

8. Pacqué M, Muñoz B, Greene BM, Taylor HR. Comunity – Based Treatment of Onchocerciasis with Ivermectin: Safety, Efficacy and Acceptability of Yearly Treatment. Journal Infectious of Diseases 1:381-385, 1991.         [ Links ]

Gerência Técnica de Endemias Focais, Fundação Nacional de Saúde, Brasília, DF. Comissão Pro Yanomâmi (CCPY) e Coordenação Regional da Fundação Nacional de Saúde, Boa Vista, RR.
Endereço para correspondência: Dr. Giovanini E. Coelho. Gerência Técnica de Endemias Focais/FNS. SAS Q4, Bl. N, sala 721, 70058-902 Brasília, DF. Fax: (061) 314-6260.
Recebido para publicação em 04/10/96.