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É O TRIPANOSOMA CRUZI UM PARASITO?

Luis Eduardo M. Quintas

Departamento de Farmacologia Básica e Clínica do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

DOI: 10.1590/S0037-86821997000200013


Sr. Editor,

 

Sempre é muito saudável o debate no sentido da discussão, esclarecimento e, se possível, da formação de um consenso acerca de como deve ser a forma escrita de vocábulos de grafia controversa que são observadas com certa freqüência na língua portuguesa.

Um exemplo recente desta situação foi publicado nesta revista, onde Rezende25 e Tosta28expuseram suas opiniões a respeito da opção mais correta entre os termos designados para protozoários de gênero Trypanosoma (em português, tripanosoma, tripanossoma, tripanosomo ou tripanossomo). Concordam os dois pesquisadores que não é cabível a vogal final o, com isso descartando as formas tripanosomo tripanossomo. Entretanto, no que se refere à duplicação da letra s não existe um consenso. Apesar dos fortes argumentos do Prof. Rezende, creio que a nomeclatura mais pertinente é tripanossoma. Ademais, o que é normalmente verbalizado é tripanossoma e não tripanozoma.

De qualquer maneira, já que foi levantada essa questão, existe um outro termo, mais utilizado e abragente do que tripanossoma, que também apresenta grafia diversa. Qual dos dois vocábulos é o correto: parasito ou parasita?

A etimologia dessa palavra é decorrente do grego pará (ao lado, junto) e sîtos (alimento) onde, no século IV a.C., era empregada para denominar aqueles que alimentavam-se ao lado dos pritanes no Pritaneu (edifício público dos magistrados)26. Acompanhando a evolução desse termo, houve a passagem para o latim como parasîtus, sendo posteriormente para a língua francesa como parasite. Em 1813, foi estabelecida para o português a terminologia parasito5. A partir de então, podem ser observadas na literatura especializada ou não as duas formas (com terminação em o ou a) empregadas indistintamente13 15 16 18 19 23 24 27 29. Para agravar esta situação, o termo parasita é o mais utilizado popularmente.

Apesar de os dicionários e glossários da língua portuguesa denominarem parasito5 11 14 22 26, parasita12 21 ou ambos1 2 3 4 6 7 8 9 10 17 20 como formas corretas, é necessário que haja a aplicação de somente um dos termos para, como já aventado pelos outros dois investigadores, a uniformidade essencial na nomeclatura científica. Portanto, pelas raízes acima destacadas, o modo exato escrito e falado deve ser parasito. O termo parasita pode e deve ser empregado sim como tempo do verbo parasitar, mas não na qualidade de substantivo.

Retornando ao início dessas ponderações, mesmo concordando com Tosta que tripanossoma é o mais (senão o único) coerente, não seria aceitável então a denominação parasito?

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Luis Eduardo M. Quintas

Departamento de Farmacologia Básica e Clínica do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Recebido para publicação em 31/07/96.