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CECÍLIO ROMAÑA, O SINAL DE ROMAÑA E A DOENÇA DE CHAGAS

João Carlos Pinto Dias

DOI: 10.1590/S0037-86821997000500012


Recentemente falecido em Barcelona, Cecílio Romaña foi um importante tropicologista argentino com muitas contribuições à clínica, ao controle e à patologia da doença de Chagas entre 1930 e 1960. Em 1935, Romaña tornou-se famoso por sua precisa descrição do complexo oftalmo-ganglionar, o mais típico dos sinais de porta de entrada da doença de Chagas humana, sinal este que logo ficou conhecido em toda a América Latina com o nome de “sinal de Romaña”, por proposição de dois pesquisadores brasileiros, Emmanuel Dias e Evandro Chagas. O achado de Romaña causou enorme polêmica com o grande Salvador Mazza, que não reconheceu a especificidade do sinal e, muito menos, aceitou a proposta nomenclatura. Estes fatos são relatados no presente artigo, que homenageia Cecílio Romaña e destaca o enorme impacto de sua descoberta para o conhecimento da doença de Chagas aguda em toda sua área endêmica.
Palavras-chaves: Doença de Chagas aguda. Complexo oftalmo-ganglionar. Sinal de Romaña. História da doença de Chagas.

Notícias de Barcelona dão conta do falecimento do pesquisador argentino Cecílio Felix Romaña Berón de Astrada, ocorrido em fevereiro de 1997 naquela cidade espanhola, onde vivia há muitos anos. Romaña destacou-se no cenário da doença de Chagas por numerosas pesquisas realizadas sobre aspectos da patologia, da clínica, da epidemiologia e do controle da endemia a partir de 1930, ficando mais conhecido pela descrição do sinal de porta de entrada ocular que descreveu em 1935 e que tem o seu nome.

Nascido em 1901, Romaña graduou-se em Rosário, após alguns anos de estudo em Buenos Aires. Dedicava-se à Medicina em Santa Fé, quando fez seus primeiros contatos com Salvador Mazza em 1930, via epistolar, tornando-se um colaborador do mesmo em pesquisas sobre a doença de Chagas. Em 1931, esta colaboração se estreitou e Romaña integrou-se ao grupo da Misión de Estudios de Patologia Regional Argentina (MEPRA), que tinha sua sede na cidade de Jujuy. Com isto, passou a pertencer aos quadros da Universidade de Buenos Aires, matriz do projeto. Foi uma época de grande atividade científica, liderada por Mazza e sob a constante inspiração e apoio de Guillermo Paterson, este último um verdadeiro patriarca da Medicina Rural Argentina9. Trabalhava-se sobre a doença de Chagas, as leishmanioses, a febre tifóide, a malária, animais peçonhentos e outras patologias próprias do norte platino. No que toca à esquizotripanose, inspirados na própria experiência de Chagas, Mazza e seus companheiros vasculhavam as áreas endêmicas argentinas detectando um elevado número de casos humanos, especialmente agudos, revendo a epidemiologia e pesquisando vetores e reservatórios, tudo isto numa época em que poucos no Brasil se dedicavam à moléstia. Foi um período heróico e de verdadeira redescoberta da tripanossomíase americana, à jusante da melancólica fase do oblivion da doença de Chagas no Brasil, esta última um fruto lastimável de invejosos ataques a Carlos Chagas na Academia Nacional de Medicina, entre 1919 e 19223 8.

Romaña tinha um espírito arguto e era muito observador. Mazza já a ele se referia, após um primeiro contato: “Conté en esa oportunidad con la ayuda del Dr. Cecílio Romaña, joven médico de ponderables condiciones de observación y estúdio, radicado en Florencia (Prov. de Santa Fe) y que yá há colaborado conmigo en algunos trabajos…”17. Cecílio realizou observações clínicas e epidemiológicas no Chaco, em Santa Fé e em Rosário, enviando notas e materiais a Mazza. Realizou aí pesquisas básicas sobre hemoparasitos regionais, tripanosomatídeos de mamíferos silvestres e triatomíneos da região. Trabalhou ainda, nesta fase, com febre ondulante, miíases, e doença de Chagas aguda. Em 1934, Romaña recebeu uma bolsa de estudos e passou 6 meses no Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, aperfeiçoando-se no famoso “Curso de Manguinhos” e aprofundando seus conhecimentos sobre a doença de Chagas com o próprio Dr. Chagas e seus mais imediatos seguidores (Eurico Vilella, Emmanuel Dias, Evandro Chagas e Magarinos Torres). Retornando à Argentina, prosseguiu seus trabalhos sobre doença de Chagas aguda e fez algumas sugestões metodológicas sobre a coloração tripanosomas. Foi oficialmente contratado pela Universidade de Buenos Aires para trabalhos junto à MEPRA em maio de 1935, logo publicando suas observações sobre a “conjuntivite esquizotripanósica unilateral”, onde destacou seu alto valor patognomônico na fase inicial da doença de Chagas humana. Este pequeno e fundamental trabalho foi baseado na observação pessoal do autor de 9 casos agudos da parasitose, ao norte de Santa Fé14. A publicação veio a público pouco antes da célebre IX Reunión Científica de la MEPRA, realizada em Mendoza, de 2 a 5 de outubro do mesmo ano, onde Romaña também fez uma exposição oral sobre o tema (Figura 1). Frente às controvérsias que se seguiram com Mazza sobre a matéria, é interessante reportar-se que, segundo o próprio Romaña, o “maestro” fora informado da mesma ao longo de sua preparação, inclusive manuseando os originais, sem dar-lhe muita importância (JCP Dias: comunicação pessoal, 1987). Esta informação é parcialmente confirmada por Jörg (ME Jörg: comunicação pessoal, 1996), mas não por Sierra Iglesias, que textualmente escreve: “Romaña habia escrito el articulo de la conjuntivitis esquizotripanósica, sin dar participación al jefe”17*. Na verdade, Romaña já trabalhava o tema desde 1934, sendo que o seu primeiro caso agudo descrito, em Santa Fé, apresentava edema bipalpebral, sendo objeto da publicação nº 14 da MEPRA12. Volta ao assunto no princípio de 1935, na publicação nº 21 da MEPRA, estudando dois outros casos agudos en Villa Guillermina, já então anunciando que o principal sintoma indicativo, “por novedoso”, era a conjuntivite esquizotripanósica unilateral: nos 2 casos a doença havia começado pela inflamação de um olho e suas vizinhas regiões, onde aparentemente ficou localizada, surgindo febre, sonolência, dores epigástricas, hepato-esplenomegalia e cardiomegalia, ambos os casos confirmados pela presença do parasito no sangue periférico. Referia ainda que a sintomatologia ocular seria logo objeto de uma publicação especial13. Tal comunicação veio logo a seguir, na publicação nº 22 da MEPRA, de maio/junho de 1935, um trabalho maior em que Cecílio descreveu de forma exata e completa o sinal do edema bipalpebral, unilateral, com conjuntivite aguda, atribuindo-lhe aí o valor de uma primo-infecção14.

A IX Reunião da MEPRA constitui-se num grande marco na história da doença de Chagas, levada a cabo por Mazza em homenagem a Carlos Chagas, que falecera em novembro de 1934. Pode ser considerada como o primeiro grande congresso internacional sobre a doença de Chagas, assistido por cientistas argentinos, brasileiros, panamenhos, chilenos, paraguaios e uruguaios, sendo Mazza, incontestavelmente, seu maior idealizador e a estrela central8 9 17. Sobre a doença de Chagas foram apresentadas 41 comunicações nesta reunião, sendo 6 da escola brasileira, uma do Panamá e as demais 34 de Mazza e colaboradores (uma destas com Romaña e Emmanuel Dias). A delegação do Brasil, chefiada por Evandro Chagas, levou ainda Emmanuel Dias e Magarinos Torres, tendo tido papel fundamental no “affaire” do sinal de Romaña. Como relata Sierra Iglesias, Al finalizar la última sesión de la IX Reunión de la S.A.P.R. en Mendoza, los delegados brasileños Dres. Emmanuel Dias y Evandro Chagas que asistían a ese acontecimiento en representación del Instituto Oswaldo Cruz, presentaron una comunicación que fué leida por el Dr. Dias, trabajo que luego publicó la MEPRA, Tomo I, pág.106, de esta reunión, proponiendo que a las lesiones de la puerta de entrada ocular, la conjuntivitis esquizotripanósica unilateral, individualizada ya clinicamente y bien definida dentro de los sintomas de la enfermedad de Chagas en su forma aguda se la reconociera como “Signal o Signo de Romaña”, la que luego pasaria a la medicina práctica como “Facies de Romaña”; la propuesta, que no llegó a votarse, les callió mal a algunos colaboradores de Mazza, que no congeniaban con él… La ponencia brasilera molesto sobremanera a Mazza, que no admitió la conjuntivitis chagásica aguda a puerta de entrada ocular..17. Aliás, a pendenga já se vislumbrava no próprio início da IX Reunião, quando Salvador Mazza, na 24ª comunicação, colocava em dúvida o valor do sinal enunciado no recente texto de Romaña, sob o título: “Sobre el valor del edema palpebral de un solo lado para el diagnóstico de la enfermedad de Chagas”, Como desdobramentos concretos do episódio sobrevieram o desligamento de Romaña dos quadros da MEPRA e uma longa e penosa tertúlia entre Mazza e aqueles que defendiam o nome e a importância do sinal de Romaña. De imediato, Mazza buscou minimizar a importância do complexo oftalmo-ganglionar, por considerá-lo pouco específico e pouco significativo epidemiologicamente (no que tem uma certa razão), alegando ainda que Carlos Chagas, ele próprio e os irmãos Basso já teriam visto o sinal. Diferentes autores e sobreviventes da época relatam, todavia, que o maior ponto gerador da polêmica adveio da proposta brasileira, conferindo ao sinal o nome de Romaña, problema que se acentuou nos anos seguintes em virtude do grande impacto que a descrição do complexo causou na descoberta de centenas de casos agudos da doença em todo o continente2 3 8. Mazza ficou muito agastado e produziu uma série de publicações, com alguns colaboradores sobre o assunto. Ficou clássica uma polêmica sua com Emmanuel Dias que, em alguns trabalhos, não só sustentou a moção de Mendoza como acabou por consolidar, definitivamente, o valor do sinal e a justiça de sua denominação, por todo o Continente4 6. O próprio Romaña, já afastado da MEPRA, voltou em 37 ao Brasil e aqui foi acolhido por Evandro e Emmanuel para mais um período de estudos, em seguida aplicando-se a uma bolsa de estudos na França. Permaneceu calado sobre a polêmica durante alguns anos, só mais tarde voltando ao tema num opúsculo sobre a história doença de Chagas, com o subtítulo de “Réplica”. Mazza nunca reconheceu a validade da descrição de Romaña, mas reconciliou-se com Emmanuel em 1946, no México. Reaproximaram-se durante um Congresso na capital mexicana, poucos dias antes do súbito e inesperado falecimento de Mazza em Monterrey, por um infarto agudo do miocárdio, ali recebendo os primeiros atendimentos justamente de Emmanuel Dias e Fancisco Laranja. A MEPRA foi desativada em 1949, por decreto governamental, portanto pouco tendo sobrevivido à morte de seu grande fundador. E foi justamente Romaña quem se rebelou contra esta dissolução, dizendo aos jornais: “Después de la muerte de su fundador, la MEPRA no tuvo la suerte de estar en manos de quienes gustaron del trabajo de campo, y la indiferencia de las autoridades universitárias la sumió en una vida vegetativa, de la cual no hubo interés en sacarla….La MEPRA aún no habia terminado de cumplir su misión, apenas la habia empezado…la Universidad y el País pierden un centro de investigación bien fundada en jerarquia científica… con grandes posibilidades para desarrollar un programa de largo alcance en las áreas rurales de la República Argentina, que tiene muchos y graves problemas de patologia regional que resolver..”17. É curioso que a última publicação regular da MEPRA apareça justamente em 1946, ano do falecimento de Mazza, com um trabalho de Jörg e Aguirre sobre achados radiológicos nas alterações intestinais da hipovitaminose B; no penúltimo número, o 71, Mazza e os irmão Basso publicam em conjunto algumas notas sobre esquizotripânides ulcerosas na doença de Chagas. E nos números 68 e 69 (1944 e 1945), Mazza e colaboradores (Mizziara e Jörg) ainda trabalham sobre a histopatologia das lesões conjuntivais da doença de Chagas aguda, demonstrando a presença de ninhos de leishmanias do T. cruzi em 20% dos preparados obtidos de casos humanos17.

A descrição do sinal de Romaña realmente constituiu-se em um marco científico e epidemiológico da tripanossomíase americana. A descrição era exata, extremamente chamativa e altamente indutora do diagnóstico da doença aguda nas áreas endêmicas. Não só na Argentina, após 1935, cresceu imensamente o número de casos descritos; no Uruguai é célebre a monografia de Talice e cols, em 1939, com o sinal presente na quase totalidade dos 100 casos estudados18. Numa revisão há alguns anos, verificou-se entre vários estudos do Brasil, Argentina e Uruguai, a ocorrência de porta de entrada ocular entre 39,2% (Uberaba, Brasil) e 96% (Argentina), com a mediana nos 57% (Goiás)7. O próprio Mazza a encontrou em 61,6% de 1.232 casos estudados10. Tomamos de Dias e cols. um pequeno parágrafo descritivo do sinal e sua importância: “Na descrição das manifestações clínicas da doença aguda ressaltam, de início, as lesões de porta de entrada, graças às quais têm sido facilitada a identificação de grande número de casos. Tais lesões nem sempre estão presentes ou são observadas. Na porta de entrada do protozoário sobrevém uma inflamação local, traduzindo-se por um síndromo típico quando no olho e tomando o aspecto de uma lesão furunculóide quando na pele. Desde seus trabalhos iniciais descreveu Chagas sinais oculares em casos de trypanosomose. No entanto, deve-se a Romaña a descrição minuciosa do síndromo ocular e, sobretudo, a interpretação exata do mesmo como manifestação de porta de entrada. Pode, pois, denominar-se “sinal de Romaña” este síndromo… A evolução do processo pode ser assim resumida: as pálpebras e as conjuntivas de um dos olhos apresentam-se edemaciadas, adquirindo depois uma coloração róseo-violácea característica, que circunscreve o edema palpebral, elástico e pouco doloroso. Na conjuntiva, além do edema, há congestão com pouca secreção. Concomitantemente vai se desenvolvendo uma reação ganglionar satélite nos gânglios pré-auriculares ou submandibulares do mesmo lado, apresentando-se um dos gânglios da plêiade atingida mais volumoso do que os demais…Com o evolver do processo notam-se posteriormente inflamação da glândula lacrimal acessória e granulações na conjuntiva inflamada, podendo aparecer exoftalmia do lado lesado. As manifestações oculares em regra desaparecem um a dois meses após o início, freqüentemente quando o edema generalizado já regrediu, podendo sofrer exacerbações periódicas” 5. Na revisão de Bambuí, entre 303 casos agudos estudados, 49,5% apresentaram sinal de Romaña, sem diferença entre os sexos, o lado da face ou a idade dos pacientes. Também não se detectou uma correlação perceptível com o prognóstico mediato ou imediato dos casos7. Autores como Romaña, Rassi e Amato Neto têm assinalado a importância de fazer-se o diagnóstico diferencial do sinal de Romaña, com patologias diversas como conjuntivites bacterianas agudas, abcesso na região frontal, trombose do seio cavernoso, celulite orbitaria, traumatismo facial, miíases, picadas de insetos (inclusive de triatomíneos, sem a ocorrência da infecção), etc1 11 15. Ainda sobre o sinal, ele foi mais tarde reproduzido experimentalmente em animais por alguns autores, entre os quais o próprio Romaña15 17. Do ponto de vista epidemiológico, em áreas endêmicas com transmissão vetorial ativa, a significação do sinal de Romaña deva ser relativisada: se por um lado logrou a identificação de milhares de casos por toda a América, por outro se criou um falso conceito quanto ao diagnóstico da doença de Chagas aguda, pois foi ele entendido como obrigatório e constante, quando a maioria real dos pacientes agudos não apresenta este sintoma2. Por isto mesmo, e na prática, a detecção de um caso agudo de doença de Chagas através do sinal de Romaña indica ou sugere duas coisas: a) que com extrema probabilidade a transmissão ocorreu através do contato do suscetível com triatomíneo infectado, e que, b) isto posto, há também a possibilidade da ocorrência simultânea de casos agudos outros na mesma área, numa proporção que pode variar entre 1 “Romaña” para 10 ou 20 casos da enfermidade aguda com outras portas de entrada ou mesmo inaparentes7. De qualquer forma, o sinal de Romaña converteu-se na mais conhecida e divulgada expressão clínica da doença de Chagas aguda, um verdadeiro símbolo que com ela se identifica em qualquer cartaz educativo, “folder” ou livreto sobre a doença, em toda a área de sua dispersão, a partir de 19354 17 18.

Cecílio Romaña voltou da França à Argentina em 1939, logo se estabelecendo como diretor de um Instituto de Medicina Regional em Tucumán, em 1942, ali permanecendo até 1955. Neste Instituto organizou importantes missões regionais, estudando o calazar, a febre ondulante, a toxoplasmose, a doença de Chagas, a entomologia regional, etc, além de participar na fundação da Faculdade de Medicina de Tucumán e de formar inúmeros e importantes pesquisadores. Voltou várias vezes ao Brasil, sempre passando pelo Instituto Oswaldo Cruz e sempre aproveitando para levar flores ao túmulos de Chagas e Oswaldo. Com Emmanuel Dias estagiou no Rio de Janeiro (1934, 1938) e visitou Lassance e Bambuí (1944 e 1949) (Figura 2). Foi membro das Academias de Medicina de Córdoba, Buenos Aires, Rio de Janeiro e Barcelona. Organizou duas importantes conferências internacionais: a Primeira Reunião Panamericana sobre doença de Chagas (Tucumán, 1949) e a Primeira Conferência Nacional sobre a doença de Chagas (Buenos Aires, 1953), que foram muito importantes para a consolidação dos conhecimentos sobre a esquizotripanose no Continente. De seus 180 trabalhos publicados, cerca de 120 aludem a diferentes campos da doença de Chagas (aspectos epidemiológicos, entomológicos, protozoológicos, clínicos, diagnósticos, anátomo-patológicos e do controle). Em 1948, com Abalos, descreveu os efeitos benéficos do inseticida BHC contra triatomíneos, simultaneamente com a publicação de Dias e Pellegrino, no Brasil, sobre o mesmo tema, trabalhos que levaram ao definitivo controle dos triatomíneos domiciliados nas Américas5 16. Ao final dos anos 50, devido a pressões políticas na Argentina, trasladou-se definitivamente para Barcelona, Espanha, onde passou a lecionar na Faculdade de Medicina. Em 1963, publicou em Buenos Aires seu importante compêndio sobre a doença de Chagas, único no gênero até então, logo difundido por toda a América15. Em 1979, Romaña fez a sua última conferência oficial no Brasil, sobre a doença de Chagas nas Américas como forma de unidade científica, no célebre Congresso Internacional sobre a doença de Chagas, no Rio de Janeiro, organizado por Carlos Chagas Filho e José Rodrigues Coura. Jubilando-se nos anos 80, Romaña seguiu dedicado aos livros e às artes, em Barcelona, trabalhando com pintura e pequenas esculturas. Sua grande amiga e dedicada esposa, Monique**, vive ainda em Barcelona e guarda, com carinho, o grande acervo científico de Cecílio, seus escritos, seus quadros e esculturas em pedra e metal. Sua filha Christine, bióloga, segue trabalhando com triatomíneos (controle biológico), no Institut Pasteur. Cecílio amava profundamente o Brasil e se lembrava, com extremo carinho de seus inúmeros amigos brasileiros.

Há cerca de 3 anos, começou a perder a memória e a vacilar em seus pensamentos, mesmo estando com um aspecto físico geral extremamente saudável. Para manter-se, dizia, contava com a vida disciplinada, uma dose mensal de BCG e um cálice diário de bom vinho tinto. Fui visitá-lo, numa tarde de maio de 96, com um pressentimento de despedida. Não me reconheceu e mal dava notícias de sua própria vida, embora uma aparência física excelente. No entanto, ao perguntar-lhe do vinho, sorriu, empertigou-se e ofereceu-me prontamente um cálice. E depois ficou muito atento quando lhe disse que nós todos, os brasileiros, reconhecíamos o seu trabalho e lhe éramos muito gratos. Foi um momento apenas, muito curto, em que Cecílio Romaña se comoveu e as lágrimas lhe brotaram dos olhos azuis e cansados. A seguir, amistosamente, pediu licença e foi repousar.

SUMMARY

Cecílio Romaña was an important Argentinean researcher dedicated to tropical diseases in the period 1930-1960, recently died in Barcelona. Working mainly on the epidemiological, clinical and pathological aspects of American trypanosomiasis, Romaña became very famous in 1935 when he accurately described the most typical portal recognized in all the endemic area with the cognomen of “Romaña sign”. This description caused an enormous polemic with Romaña’s then director, the great Salvador Mazza, who never accepted the specificity of the sign and, much less, its popular name (which was proposed by the Brazilian researchers Emmanuel Dias and Evandro Chagas). This history is briefly summarized in the present article, as well as the great impact of Romaña’s discovery in the recognition of the acute Chagas’ disease in all the endemic area.
Key-words: Acute Chagas’ disease. Ophtalmic ganglionic complex. Romaña sign. History of the Chagas’ disease.

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Identificação (segundo Prof. Miguel E. Jörg) dos participantes que constam na fotografia (figura 1, página 408) tirada durante a IX Reunião da Sociedade Argentina de Patologia Regional, 1935:

4.Carlos Alberto Videla: Professor Adjunto da Cadeira de Enfermidades Infecciosas, Faculdade de Medicina, Buenos Aires, Argentina. Havia apresentado seus ensaios com uma antitoxina estreptocócica para dominar a escarlatina. 5. A. Notti: Cirurgião pediatra. Realizou as primeiras punções biópsias em fígado de crianças com Chagas agudo. 6. Andres Bianchi: Professor Titular de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina de La Plata, província de Buenos Aires e Professor Adjunto da Faculdade de Medicina de Buenos Aires, Argentina. Realizou os primeiros estudos de material de biópsias e necropsias de chagásicos. 7. Irma Albino: esposa de Andres Bianchi (com chapéu). 8. Esposa de Evandro Chagas. 9. Lemos Monteiro. 10. Nicia Pinto: esposa de Emmanuel Dias. 11. Humberto Notti: Professor de Pediatria, Presidente da Sociedade de Pediatria de Mendoza; colaborador dos achados dos primeiros casos de Chagas infantil em Mendoza. 12. Juan Eseverri Gainza: Presidente da Sociedade de Medicina de Mendoza, Presidente da Reunião, incentivador dos estudos sobre a doença de Chagas. 13. Max Biraben Losson: Professor de Histologia e Zoologia Médica na Faculdade de Medicina de La Plata. 14. Juan A. Pons: representante de Porto Rico. 15. Juan Boggino: Professor de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina de Asunción, Paraguai. Detectou os primeiros animais silvestres hospedeiros do Trypanosoma cruzi. 16. Poderia ser P. Regendans de São Paulo (duvidoso). 17. Felix Veintemillas: Sanitarista da Bolívia, que apresentou um inquérito sobre tifo exantemático. 18. Francisco Schreiber: Médico rural da província de Santa Fé, que encontrou numerosos casos com sintomatologia clínica atípica. 19. Provavelmente seria o Dr. Rafael Villagran: Médico rural de Salta e Jujuy que ajudou muito nos inquéritos epidemiológicos (duvidoso).

Professor Titular da Universidade Federal de Minas Gerais e Pesquisador da FIOCRUZ. Coordenador da Fundação Nacional de Saúde de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.
Endereço para correspondência: Prof. João Carlos Pinto Dias. Coordenador Regional da Fundação Nacional de Saúde/MG. Av. Brasil 2023, 5º andar, 30140-002 Belo Horizonte, MG.
Tel: (031) 261-1815. Fax: (031) 261-6793.

Recebido para publicação em 20/05/97.

* Aqui fica uma controvérsia: participación pode significar “comunicação, informação”, ou numa outra ótica, “co-autoria”. Ambos os sentidos podem estar envolvidos na reação de Mazza que se seguiu por muitos anos, inclusive numa somatória dos dois. Relembre-se a forte personalidade de Salvador Mazza, ao longo de toda sua trajetória, sempre em evidência e à frente das iniciativas. Note-se que Mazza publicou cerca de 260 trabalhos, sempre como Autor único ou como principal Autor.

** Monique Sage Romaña. Avenida del Tibidabo 10. 08022, Barcelona, Espanha.