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DISFUNÇÃO AUTONÔMICA E ARRITMIA VENTRICULAR EM CHAGÁSICOS SEM CARDIOPATIA APARENTE

DOI: 10.1590/S0037-86821997000300016


No Brasil, existem quatro a seis milhões de chagásicos, dos quais aproximadamente dois terços não apresentam cardiopatia aparente ao exame clínico, eletrocardiográfico e radiológico. Nesses pacientes, a presença de arritmias cardíacas e de alterações do controle autonômico cardíaco tem sido questionada ou considerada secundária à presença de dilatação ou disfunção ventricular esquerda concomitante. Este estudo transversal teve como objetivo avaliar se chagásicos sem cardiopatia aparente apresentam arritmia ventricular e evidências de disfunção vagal, independente de dilatação ou disfunção ventricular esquerda.

Em Ambulatório de Referência para Doença de Chagas, foram selecionados 61 chagásicos e 38 não-chagásicos, entre 15 e 50 anos, sem evidências significativas de cardiopatia ou doenças sistêmicas ao exame clínico, eletrocardiográfico, laboratorial e radiológico do tórax. Os pacientes foram submetidos ao ecodopplercardiograma, ao eletrocardiograma ambulatorial (Holter de 24 horas), às provas autonômicas (arritmia sinusal respiratória, manobra de Valsalva e estresse ortostático ativo), e à análise da variabilidade da freqüência cardíaca, em 24 horas, no domínio do tempo e através de mapa de retorno tridimensional.

Os dois grupos não diferiram quanto a maioria das variáveis clínicas, radiológicas e ecocardiográficas, embora os chagásicos (38 anos) fossem significativamente mais velhos do que os não-chagásicos (33 anos). A quarta bulha foi encontrada exclusivamente entre pacientes com doença de Chagas (15%). Quando comparados aos não-chagásicos, pacientes chagásicos apresentaram redução significativa de todos os índices autonômicos vagais e ectopia ventricular com maior freqüência e complexidade, independente da idade, da presença de dilatação ou disfunção sistólica do ventrículo esquerdo ou de manifestações digestivas. Arritmia ventricular complexa, definida como ectopia ventricular polimorfa, em pares ou taquicardia ventricular, ao Holter de 24 horas, foi documentada em 35,2% dos pacientes chagásicos e em apenas 8,6% dos não-chagásicos (p = 0,004). Entre um quarto a um terço dos pacientes chagásicos apresentaram redução anormal dos índices autonômicos, raramente encontrada entre os não-chagásicos. A arritmia sinusal respiratória foi a técnica de avaliação do controle vagal que melhor diferenciou os dois grupos, mostrando utililidade clínica potencial. O método apresentou melhor desempenho quando utilizou-se a média da razão entre o maior intervalo cardíaco expiratório sobre o menor intervalo cardíaco inspiratório, em seis ciclos respiratórios consecutivos; o controle do volume corrente, através de espirometria, teve importância limitada. À luz da análise da variabilidade da freqüência cardíaca de 24 horas, índices predominantemente vagais mostraram valores diminuídos entre os chagásicos; índices relacionados ao controle neuro-humoral global (SDNN) e pelo sistema nervoso simpático (índice P1 ao mapa de retorno tridimensional), não apresentaram valores diferentes entre os dois grupos.

A evidenciação precoce de arritmia ventricular complexa e de disfunção vagal na doença de Chagas tem implicações fisiopatológicas e, possivelmente, prognósticas. Embora a literatura indique que a evolução dos pacientes sem cardiopatia aparente é excelente a médio prazo, em 10 anos, cerca de um terço dos pacientes evoluirá para cardiopatia. Embora arritmia ventricular complexa e disfunção autonômica se constituam fatores de risco para evolução fatal em pacientes com cardiopatia, por doença de Chagas ou por outras etiologias, sua possível importância nos pacientes sem cardiopatia precisa ser melhor avaliada.

AUTONOMIC DISFUNCTION AND VENTRICULAR ARRHYTHMIA IN CHAGAS DISEASE PATIENTS WITHOUT APPARENT CARDIAC INVOLVEMENT

Chagas disease is a major health problem in Brazil, where four to six million people are infected. Near two thirds of them do not have evidences of cardiac involvement when submitted to clinical examination, eletrocardiogram and chest X-ray. Whether these Chagas disease patients, without apparent cardiac involvement, have cardiac arrhythmia and autonomic cardiac disfunction remains controversial. Indeed, it was proposed that these phenomena are late consequences of left ventricular dilatation or systolic disfunction. This cross-sectional study intend to evaluate if there are ventricular arrhythmia and vagal disfunction in Chagas disease patients without apparent cardiac involvement, and if these findings are independent of left ventricular dilatation or systolic disfunction.

In a Chagas Disease Out-Patient Reference Centre, there were selected sixty one Chagas disease patients and thirty eight non-infected persons, aged 15-50 years, without evidence of heart involvement or systemic disease on clinical, electrocardiogram, laboratory and chest X-ray examinations. These patients were submitted to ecodopplercardiogram, 24 hours Holter monitoring, autonomic tests (respiratory sinus arrhythmia, Valsalva manoeuvre and active ortostatic stress), and time domain and three-dimensional return map heart rate variability analyses in 24 hours recordings.

Clinical, radiological and ecocardiographic variables between groups were quite similar, although Chagas disease patients (38 years) were older than non-infected ones (33 years). Fourth heart sound was observed only in Chagas disease persons (15%). In relation to non-infected individuals, Chagas disease patients had reduced values of all vagal autonomic measurements and more frequent and complex ventricular ectopy. These findings were independent of age, left ventricular dilatation and systolic disfunction or digestive manifestations. Complex ventricular arrhythmia in Holter monitoring were found in 35.2% of Chagas disease and only 8.6% of non-infected persons. Reduced values of autonomic index were observed among a fourth or a third of infected group, but rarely documented in non-infected group. Respiratory sinus arrhythmia discriminated the two groups better than other vagal control tests and has clinical potential utility. The most satisfactory performance of this method was obtained using an average ratio between the largest inspiratory and the smallest expiratory cardiac intervals, recorded in six successive respiratory cycles; spirometric tidal volume control was of limited importance. Short-term measurements of 24 hours heart rate variability analysis, mainly due to vagal heart control, were reduced in Chagas disease patients. Time domain global and long-term measures, related to general neurohumoral cardiac control, and three-dimensional return map P1 index, related to sympathetic activity, did not display different values between Chagas disease and non-infected groups.

The early occurence of complex ventricular arrhythmia and vagal disfunction in Chagas disease have physiopathological and, probably, prognostic implications. Although medical literature indicated an excellent 10 years prognosis to Chagas disease patients without heart involvement, after this time, near a third of them will have developed heart disease. Complex ventricular ectopy and autonomic disfunction are well-known death risk factors in cardiac patients. Their importance in Chagas disease patients without apparent cardiac involvement needs to be better appreciated.

Antônio Luiz Pinho Ribeiro

Tese apresentada à Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais, para
obtenção do Título de Doutor.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 1996.

Recebido para publicação em 17/02/97.