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ENTEROPARASITOSES EM ESCOLARES DO DISTRITO DE MARTINÉSIA, UBERLÂNDIA, MG: UM ESTUDO-PILOTO

Carla Borges Ferreira e Oswaldo Marçal Junior

DOI: 10.1590/S0037-86821997000500004


Este trabalho avalia a ocorrência de parasitas intestinais em estudantes do Distrito de Martinésia, município de Uberlândia (MG). Foram examinadas 103 crianças, no período de setembro a novembro de 1995, segundo o método de Lutz ou Hoffman, Pons & Janer. O coeficiente geral de prevalência foi de 22,3% e os índices de infecção mais elevados foram observados no grupo etário 8 a 9 anos (34,8%), nos moradores da vila (30,0%) e no sexo feminino (26,9%). Helmintoses e protozooses apresentaram taxas de prevalência similares (10,7% e 12,6%, respectivamente). Giardia lamblia foi o único protozoário parasito verificado e apenas um caso de poliparasitismo foi encontrado. Conclui-se que a prevalência de enteroparasitoses no grupo estudado é menor do que o esperado para uma comunidade rural, o que é, provavelmente, uma conseqüência das boas condições sanitárias presentes naquele distrito.
Palavras-chaves: Enteroparasitoses. Parasitas intestinais. Prevalência.

Nas últimas décadas, têm sido observadas ligeiras reduções nas taxas globais de prevalência de diferentes infecções parasitárias, mas em contrapartida observa-se um sensível aumento do número absoluto de casos17. Estimativas recentes indicam que somente Ascaris lumbricoides aflige cerca de 1/4 da população mundial, distribuindo-se por mais de 150 países e territórios6. Neste contexto, as parasitoses intestinais ou enteroparasitoses são responsáveis por altos índices de morbidade, principalmente nos países em desenvolvimento, onde o crescimento populacional não é acompanhado da melhoria das condições de vida da população14 17 19.

No Brasil, as enteroparasitoses figuram entre os principais problemas de saúde pública2 4 16; e no entanto, a investigação parasitológica tem sido amplamente negligenciada no país. Em Uberlândia e região, levantamentos parasitológicos recentes têm retratado somente a situação observada nas zonas urbanas, desconsiderando a realidade das comunidades rurais1 3.

Este trabalho se constitui na etapa inicial de uma ampla investigação da transmissão de parasitas intestinais na comunidade de Martinésia, importante distrito rural do município de Uberlândia, MG, e tem como objetivo avaliar os índices de prevalência das enteroparasitoses nas crianças e jovens estudantes locais, o principal grupo de risco para aquisição de infecções intestinais e aquele onde, geralmente, são observados os maiores problemas físicos, mentais e sociais associados a estas infecções13 18.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo. Segundo dados da Prefeitura Municipal de Uberlândia (MG), o distrito de Martinésia apresenta atualmente uma população de aproximadamente 1.000 habitantes, que tem nas atividades agropecuárias sua base econômica. O distrito é formado por um pequeno núcleo urbano (vila), que possui pavimentação asfáltica, rede de esgoto e tratamento de água, além de diversas propriedades rurais (fazendas, sítios e chácaras). Um posto de saúde municipal presta atendimento médico-odontológico à população, embora não haja médicos ou dentistas permanentes no distrito. A Escola Municipal Martinésia, a única do distrito, apresentava, em 1995, um total de 145 alunos matriculados da pré-escola à 8ª série, nos períodos matutino e vespertino.

Exame de Fezes. Foram distribuídos coletores universais, contendo formol a 10% e previamente identificados com o nome, idade e série de cada criança, a todos os alunos matriculados nos turnos matutino e vespertino da escola local. Os escolares foram orientados sobre a importância do exame e receberam um manual, encaminhado aos pais ou responsáveis, indicando os cuidados a serem observados durante a colheita do material. Foram preparadas 2 lâminas por amostra individual (coradas em lugol), segundo o método de Lutz12, mais conhecido como método de Hoffman, Pons e Janer (HPJ)11. Todos os exames foram realizados no Laboratório de Parasitologia do Departamento de Patologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e os resultados obtidos foram devolvidos aos pais e/ou responsáveis, por intermédio da escola. Os indivíduos infectados foram encaminhados ao posto de saúde do distrito, a fim de receber tratamento.

Análise estatística. A análise estatística dos resultados foi realizada por meio do programa EPIINFO7. As diferenças observadas na distribuição dos casos segundo sexo, zona de habitação e grupo etário foram testadas (X2) e o nível de significância aceito foi de 95% (p < 0,05).

RESULTADOS

Foram examinados 103 alunos (71% do total de alunos matriculados), dos quais 50,5% eram do sexo feminino e 61,2% residiam no campo. Os indivíduos investigados apresentaram a seguinte distribuição etária: 6-7 (18,4%), 8-9 (22,3%), 10-11 (21,4%), 12-13 (13,6%) e ³ 14 anos (24,3%).

O coeficiente geral de prevalência de enteroparasitoses foi de 22,3%, sendo registrados 11 casos de helmintoses e 13 de protozooses (10,7% e 12,6%, respectivamente). O sexo feminino apresentou prevalência de 26,9%, contra 17,6% no sexo masculino. Os indivíduos residentes na vila apresentaram coeficiente de prevalência de 30,0%, contra 17,5% nos residentes nas fazendas (Tabela 1). No grupo etário de 8-9 anos foi registrada prevalência de 34,8% (Figura 1).

Os grupos etários com 6-7, 10-11 e 12-13 anos apresentaram as maiores prevalências para protozooses intestinais, enquanto os indivíduos com 8-9, e os com idade de 14 anos ou mais apresentaram-se mais parasitados por helmintos (Figura 1). Um único caso de poliparasitismo foi registrado (1,0%) e esta associação ocorreu entre os helmintos Hymenolepis nanaHymenolepis diminutaTrichuris trichiura e o protozoário Giardia lamblia.

As maiores taxas de prevalência de protozooses ocorreram no sexo feminino (19,2%) e nos alunos residentes no distrito (15,0%), sendo que Giardia lamblia foi a única espécie parasita encontrada. Para as helmintoses foram registradas taxas de prevalência mais elevadas no sexo masculino (11,8%) e novamente nos moradores do distrito (12,5%) (Tabela 2). Os helmintos mais representativos foram os ancilostomatídeos (3,8%). Estes parasitos estiveram presentes nos grupos etários de 8-9 e com idade de 14 anos ou mais, mostrando-se ausentes nos demais. As infecções por Strongyloides stercoralisHymenolepis nana e Enterobius vermicularisapresentaram coeficiente de prevalência de 1,9%, enquanto em H. DiminutaAscaris lumbricoides e T. Trichiura este índice foi de 1,0%, o que representa um único caso para cada parasitose (Figura 2).

Além das espécies parasitas foram encontradas também espécies comensais: Entamoeba coli, a espécie comensal mais freqüente, esteve presente em 8,7% dos alunos. As outras foram Iodamoeba butschliiEndolimax nana e Eimeria sardinae (2,9%, 1,9% e 1,0% respectivamente).

DISCUSSÃO

Diferentes metodologias têm sido adotadas na determinação dos índices de prevalência das parasitoses intestinais, incluindo desde a determinação direta durante necrópsias2 até o levantamento de dados de rotina em postos de saúde9, o que dificulta consideravelmente a comparação dos resultados dos diferentes trabalhos. Na presente pesquisa, utilizou-se o método de sedimentação espontânea em função de sua eficiência e economia14, como também por ter sido o método empregado por outros autores na investigação das enteroparasitoses em Uberlândia e região1 3.

O coeficiente geral de prevalência de enteroparasitoses (22,3%) e a ocorrência de um único caso de poliparasitismo entre os escolares pesquisados podem ser considerados resultados alentadores, sobretudo porque o grupo estudado é um importante grupo de risco (crianças e jovens) e pelo fato de Martinésia ser uma comunidade rural. Acreditamos que este quadro seja um reflexo da forte pressão exercida pelo padrão de saneamento básico daquele distrito (incluindo água encanada e rede de esgoto) sobre os níveis de transmissão das infecções intestinais. Vale lembrar que o saneamento básico é uma das medidas que causam maior impacto sobre algumas das principais doenças humanas, incluindo ascaridíase e diarréias8 10.

Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas (p > 0,05) nos coeficientes de prevalência das enteroparasitoses, segundo local de habitação, sexo e grupo etário. Do mesmo modo, quase todas as variáveis testadas para protozooses e helmintoses não apresentaram diferenças notáveis. A única exceção foi verificada na prevalência de protozooses segundo sexo, na qual o sexo feminino apresentou uma prevalência de 19,2% contra 5,9% do masculino (p < 0,05). Acreditamos que esta diferença possa estar associada aos padrões comportamentais dos grupos pesquisados, o que será objeto de análise nas próximas etapas desta investigação em Martinésia quando estaremos determinando os fatores de risco para aquisição destas infecções.

Giardia lamblia foi o único protozoário patogênico registrado entre os escolares de Martinésia, apresentando um coeficiente de prevalência de 12,6% (Figura 2). Este resultado se coaduna com os obtidos em recentes levantamentos parasitológicos, que demonstram que a giardíase é uma das principais parasitoses intestinais entre as crianças brasileiras1 3 5. Quanto às helmintoses intestinais, o grupo etário em que se observou maior ocorrência foi 8-9 anos (20,2%), enquanto no grupo etário de 12-13 anos, não houve sequer um caso de helmintose (Figura 1). Estes dados estão de acordo com Pedrazzani e cols15 que registraram, em trabalho realizado no subdistrito de Santa Eudóxia, São Carlos, SP, uma maior positividade para helmintoses intestinais (51,9%) no extrato de 8 a 12 anos e baixa freqüência de casos nas crianças acima de 12 anos.

Os menores coeficientes de prevalência entre os escolares de Martinésia foram registrados para as infecções por Ascaris lumbricoides e Trichuris trichiura (1,0%) (Figura 2). Do mesmo modo, Bebert-Ferreira e cols3 registraram uma prevalência de 1,07% para ascaridíase e nenhum caso de infecção por T. Trichiura entre pré-escolares da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia. Estes valores são bastante inferiores aos índices globais de prevalência das respectivas parasitoses14 17, sugerindo um baixo nível de transmissão. Por outro lado, devemos considerar que os baixos índices de infecção por Enterobius vermicularisStrongyloides stercoralis e a não ocorrência de Taenia sp entre as crianças pesquisadas em Martinésia possam ter sofrido alguma influência do método de exame de fezes utilizado, já que o mesmo não é o mais adequado para identificação das referidas espécies14. Na seqüência deste trabalho serão realizados exames de fezes específicos envolvendo toda a comunidade, incluindo novamente os escolares, o que deverá dirimir esta questão.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Maria da Graça Marçal e aos demais técnicos do Laboratório de Parasitologia da Universidade Federal de Uberlândia; à direção, professores e funcionários da Escola Municipal Martinésia e a toda comunidade do distrito de Martinésia por sua colaboração na realização deste trabalho.

SUMMARY

This work evaluates the occurence of intestinal parasites in the students of the Martinesia district, Uberlândia municipality, Minas Gerais State. A total of 103 children were examined, from september to november 1995, according to Lutz or Hoffman, Pons and Janer method. The overall prevalence rate was 22.3% and the highest indices of infection were observed in 8-9 age group (34.8%), in village dwellers (30.0%) and in females (26.9%). Helminthosis and protozoosis showed similar prevalence rates (10.7% and 12.6%, respectively). Giardia lamblia was the unique protozoan parasite verified and only one case of poliparasitism was found. We concluded that: the prevalence of enteroparasitosis in the studied group is lower than expectations for a rural community, what is, probably, a consequence of the good sanitary conditions presenting in that district.
Key-words: Enteroparasitosis. Intestinal parasites. Prevalence.

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Departamento de Biociências, Centro de Ciências Biomédicas da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG
Endereço para correspondência: Prof. Oswaldo Marçal Jr. Deptº de Biociências/CCB/UFU, Campus Umuarama, CP 593, 38400-902 Uberlândia, MG, Brasil. 
Telefax: (034) 218-2243.

Recebido para publicação em 06/12/96.