Home » Volumes » Volume 16 January/March 1983 » Alteração da resposta imune mediada por células durante o tratamento com Benzonidazol1

Alteração da resposta imune mediada por células durante o tratamento com Benzonidazol1

Antônio R L Teixeira; Eliane Jabur; José Carlos Córdoba; Inês C Souto Maior; Edwin Solórzano

DOI: 10.1590/S0037-86821983000100003


RESUMO

Coelhos inoculados com tripomastigotas da cepa Ernestina do Trypanosoma cruzi tiveram parasitemias, demonstradas pelo xenodiagnóstico, até cinco meses e meio após a infecção. O tratamento de alguns desses coelhos com benzonidazol, na dose de 8mg/kg durante sessenta dias, após dois meses de infecção, resultou na negativação dos xenos após 30 dias de uso da medicação. Os coelhos chagásicos crônicos, após seis meses de infecção, já tinham a parasitemia subpatente quando foram submetidos a tratamento idêntico àqueles da fase aguda. Em ambos os casos, os coelhos tratados com benzonidazol tiveram títulos de anticorpos humorais semelhantes àqueles verificados nos coelhos chagásicos não- tratados, inclusive durante a quimioterapia. A não alteração da imunidade humoral em coelhos tratados foi comprovada quando animais chagásicos e não chagásicos submetidos ao tratamento produziram títulos de anticorpos hemolíticos idênticos àqueles verificados nos animais não-tratados.
Em acentuado contraste, a função imune timo-dependente foi severamente alterada pelo uso do benzonidazol. As reações de hipersensibilidade tardia contra um antígeno sub- celular do T. cruzi foram suprimidas durante a vigência do tratamento dos coelhos chagásicos. Paralelamente, estas reações eram intensas nos coelhos chagásicos não-tratados e negativas em coelhos controles normais. Todavia, as reações cutâneas tornaram-se novamente positivas 10 dias após o tratamento. Foi interessante notar que as reações de hipersensibilidade tardia in vivo, em coelhos imunizados com BCG e testados com PPD ou em coelhos sensibilizados com DNCB também foram suprimidas durante o tratamento com o benzonidazol. Contudo, as reações de imunidade celular contra estes antígenos também reverteram aos valores normais 7 a 10 dias após a suspensão do benzonidazol.
Resultados semelhantes foram relatados em relação ao nifurtimox, outra droga utilizada no tratamento da doença de Chagas. 0 benzonidazol e o nifurtimox são compostos nitro-aromáticos cuja nitrorredução resulta na formação de metabólitos intermediários potencialmente citotóxicos para o protozoário e para as células do hospedeiro.

Palavras-chave: Benzonidazol. Imunossupressão. Resposta imune celular. Linfócitos T. Doença de Chagas. Trypasonoma cruzi. Coelhos.


ABSTRACT

Rabbits inoculated with trypomastigotes of the Ernestina strain of Trypanosoma cruzi showed parasitemias, which were demonstrated by xenodiagnosis during five and half months of the infection. The administration of 8mg/kg/day for 2 months of benznidazole in rabbits with two months infection resulted in persistently negative xenodiagnoses after 30 days of chemotherapy. Also rabbits with chronic Chagas’ disease showing negative parasitemia six months after infection were treated with benznidazole. Both groups of rabbits that received intraperitoneal injections of the drug had titers of serum antibodies to the parasite similar to those shown in untreated T. cruzi-infected rabbits. That the humoral antibody response is not altered by the benznidazole was demonstrated in other experiments, which showed that the animals under chemotherapy can produce hemolytic antibody titers as high as those found in Controls as wellas in T. cruzi-infected untreated rabbits.
In marked contrast, the thymus-dependent immune function was severely affected by benznidazole. The delayed-type hypersensitivity reaction against a T. cruzi subcellular antigen was suppressed during chemotherapy, whereas the reaction was consistently present in untreated T. cruzi-infected rabbits. However, delayed-type hypersensitivity against the parasite antigen could be elicited 10 days after cessation of treatment. Also delayed hypersensitivity in rabbits immunised with BCG and tested using PPD or in rabbits sensitised to DNCB were also suppressed by benznidazole treatment.
It has been shown therefore that both drugs used for treating Chagas’ disease can produce profound alterations in the thymus-dependent immune response. Benznidazole and nifurtimox are nitro-aromatic compounds that undergo enzymatic reduction with production of intermediate metabolites that can be strongly cytotoxic for the T. cruzi and for the mammalian cells.

Keywords: Benznidazole. Immunosuppresion. Cell-mediated immune response. T lymphocytes. Chagas’disease. Trypanosoma cruzi. Rabbits.


 

 

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Bock M, Gonnert R, Haberkorn A. Studies with BAV 2502 on animals. Boletin Chileno de Parasitologia 24:13-19, 1969.         [ Links ]

2. Boyd MR, Stiko AW, Sasame HA. metabolic activity of nitrofurantoin. Possible implication for carcinogenesis. Biochemical Pharmacology 28:601-606, 1979.         [ Links ]

3. Brener Z. Atividade terapêutica do 5-nitro-2-furaldeídosemicarbazona (nitrofurazona) em esquemas de duração prolongada na infecção experimental do camundongo pelo Trypanosoma cruzi. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 3:43-49, 1961.         [ Links ]

4. Brener Z. Atividade terapêutica da furaltadone, furazolidone e furadantina na infecção experimental do camundongo pelo Trypanosoma cruzi. O Hospital 60:205-209, 1961.         [ Links ]

5. Cançado JR. Aspectos clínicos da padronização dos métodos para avaliação dos efeitos da doença de Chagas. Revista Goiana de Medicina 9:217-232, 1973.         [ Links ]

6. Cançado JR, Marra MD, Lopez M Mourão O, Faria CAF, Alvares JM, Salgado AA Toxicidad y valor terapeutico del Bay 2502 en la enfermedad de Chagas crônica en tres esquemas posológicos. Boletin Chileno de Parasitologia 2428-32, 1969.         [ Links ]

7. Cançado JR, Salgado A, Batista SM. Chiari C. Segundo ensaio terapêutico com o nifurtimox na doença de Chagas. Revista Goiana de Medicina 22:203-233, 1976.         [ Links ]

8. Cerisola JA. Evolución serológica de pacientes con enfermedad de Chagas aguda tratados con Bay 2502. Boletin Chileno de Parasitologia 24:54-59, 1969.         [ Links ]

9. Cerisola JA, Rabinovitch A, Alvarez M, Corleto CA, Prumeda J. Enfermedad de Chagas y la transfusión de sangue. Boletin de la Oficina Sanitária Panamericana 73: 203-221, 1972.         [ Links ]

10. Cerisola JA, Rohwedder R, Segura EL, Del Pardo CE, Alvarez M, Martini GJW.EI xenodiagnóstico. Normalización. Utilidad. Editora I.N.I.C., Buenos Aires, 1974.         [ Links ]

11. Cohen SM, Ertürk E, Cronetti AJ, Bryan GT. Carcinogenicity of 5-nitrofurans, 5-nitroimidazoles, 4-nitrobenzenes and related compounds. Journal National Cancer Institute 51:403-417, 1973.         [ Links ]

12. Cossio P, Damilano G, Vega MT, Laguens) HP, Cabeza Meckert. P, Diez C, Arana R. In vitro interaction between lymphocytes of chagasic individuals and heart tissue. Medicina (Buenos Aires) 36:287-293, 1976.         [ Links ]

13. Cossio P, Laguens RP, Kreutzer R, Diez C, Arana RM. Chagas’ cardiopathy: immunopathologic and morphologic studies in myocardial biopsies. American Journal of Pathology 86:533-544,1977.         [ Links ]

14. Coura JR. Perspectivas e implicações da terapêutica específica. In: Anais do Congresso Internacional sobre Doenças de Chagas, Rio de Janeiro, p 8-12, 1979.         [ Links ]

15. Docampo R, Mason RP, Mottley C, Muniz RFA. Generation of free radicais induced by nifurtimox in mammalian tissues. Journal of Biological Chemistry 256:930-933, 1981.         [ Links ]

16. Docampo R, Moreno SJN, Stoppani AON, Leon WC, Villata F, Muniz RFA. Mechanism of nifurtimox toxicity in different forms of Trypanosoma cruzi. Biochemical Pharmacology 30:1947-1951, 1981.         [ Links ]

17. Dodd MC.Thechemotherapeuticproperties of 5-nitro-2-furaldehyde semicarbazone (Furacin). Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutic 86:311-323, 1946.         [ Links ]

18. Dodd MC, Stillman WB. The in vitro bacteriostatic action of some simple furan derivatives. Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutic 82:11-18,1944.         [ Links ]

19. Grunberg E, Beskid G, Cleeland R, Delorenzo WF, Titsworth E, Scholer HJ, Richle R, Brener Z. Antiprotozoan and antibacterial activity of 2-nitroimidazole derivates. Antimicrobial Agents and Chemotherapy 513-519, 1968.         [ Links ]

20. Headley DB, Klopp RG, Michie PM, Ertürk E, Bryan GT. Temporal comparison of immune status and target organ histology in mice fed carcinogenic 5-nitrofurans and their nor-nitro analogs. Cancer Research 41:1397-1401, 1981.         [ Links ]

21. Heidelberg C. Chemical carcinogenesis. Cancer 40:430-433, 1977.         [ Links ] 22. Knox RJ, Knight RC, Edwards Dl. Interaction of nitroimidazole drugs with DNA in vitro: structure-activity relationships. British Journal of Cancer 44:741-745, 1981.         [ Links ]

23. Lelchuck R, Cardoni RL, Fuks AS. Cell- mediated immunity in Chagas’ disease. Alterations induced by treatment with a trypanocidal drug (nifurtimox). Clinical and Experimental Immunology 30:434-438, 1977.         [ Links ]

24. Lelchuck R, Cardoni RL, Lewis S. Nifurtimox-induced alterations in the cell-mediated immune response to PPD in guinea pigs. Clinical and Experimental Immunology 30:469-473, 1977.         [ Links ]

25. Lowry OH, Rosenbrough NJ, Farr LA, Randall RJ. Protein measurements with the folin reagent. Journal of Biological Chemistry 193:265-267, 1951.         [ Links ]

26. Manso Soto AE, Lopetegui R. Derivados del furano como tripanosomicidas. Acción del 5-nitrofurfural-diacético, en la infección experimental en Laucha, con Trypanosoma cruzi. Univ. Buenos Aires, Mission de Estúdios de la Patologia Regional Argentina 23:43-45, 1951.         [ Links ]

27. Mayer MM. Complement and complement fixation. In: Kabat EA, Mayer MM (ed) Experimental Immunochemistry. 2a. edição. Charles C Thomas, Illinois, p 133-240, 1971.         [ Links ]

28. McCalIa DR, Voutsino D. On the mutagenicity of nitrofurans. Mutation Research 26:3-16,1974.         [ Links ]

29. Morris JE, Price JM, Lalich JJ, Stein RJ The carcionogenicity activity of some 5-nitrofuran derivatives in the rat. Cancer Research 29:2145-2156,1969.         [ Links ]

30. Neva F, Gam A. A complement-fixing antigen from Trypanosoma cruzi grown in cell culture. American Journol of Tropical Medicine and Hygiene 26:37-46, 1977.         [ Links ]

31. Packchanian A. Chemotherapy of experimental Chagas’ disease with nitrofuran compounds. Journal of Parasitology 38:30, 1952.         [ Links ]

32. Packchanian A. Chemotherapy of experimental Chagas’ disease with nitrofuran compounds. Antibiotics and Chemotherapy 11:13-23, 1957.         [ Links ]

33. Pizzi T. Un derivado imidazólico efectivo en el tratamiento de Ias infecciones experimentales por Trypanosoma cruzi. Boletin Chileno de Parasitologia 16:35-36, 1961.         [ Links ]

34. Polak A, Rickle R. Mode of action of the 2-nitroimidazole derivative benznidazole. Annals of Tropical Medicine and Parasitology 7245-54, 1978.         [ Links ]

35. Rassi A. Atualização terapêutica da doença de Chagas e critério de avaliação de cura. Jornal Brasileiro de Medicina 10:529-533, 1966.         [ Links ]

36. Santos-Buch CA, Teixeira ARL. The immunology of experimental Chagas’ disease. III. Rejection of allogeneic heart cells in vitro. Journal of Experimental Medicine 148:38- 53,1974.         [ Links ]

37. Schenone H, Concha L, Aranda R, Rojas A, Knierim F, Rojo M. Tratamiento de la infección crônica humana: experiencia en Chile. In: Simposio Internacional sobre Enfermedad de Chagas, Sociedade Argentina de Parasitologia, Buenos Aires, p 287- 291, 1972.         [ Links ]

38. Stein RJ, Yost D, Petroliunas F. Carcinogenic activity of nitrofurans. A histologic evaluation. Federation Proceedings 25:291, 1966.         [ Links ]

39. Tafuri WL, Lima Pereira FE, Bogliolo L, Raso P. Lesões do sistema nervoso autônomo e do tecido muscular estriado esquelético na fase crônica da tripanosomlase cruzi experimental. Estudos ao microscópio ótico e eletrônico. Revista Goiana de Medicina 26:61-67, 1979.         [ Links ]

40. Teixeira ARL. Competência imunológica do paciente chagásico. Imunodepressão na forma aguda inaparente. Autoimunidade no hospedeiro imunizado. Tese de doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1981.         [ Links ]

41. Teixeira ARL, Santos-Buch CA. The immunology of experimental Chagas’ disease. I. Preparation of Trypanosoma cruzi antigens and humoral antibody response to these antigens. Journal of Immunology 113-859- 869,1974.         [ Links ]

42. Teixeira ARL, Santos-Buch CA. The immunology of Chagas’ disease. II. Delayed hypersensitivity to Trypanosoma cruzi antigens. Immunology 28:401-410, 1975.         [ Links ]

43. Teixeira ARL, Teixeira ML, Santos-Buch CA. The immunology of Chagas’ disease. IV. Production of lesions in rabbits similar to those of chronic Chagas’ disease in man. American Journal of Pathology 80:163- 178, 1975.         [ Links ]

44. Teixeira ARL, Teixeira G, Macêdo VO, Prata A. Trypanosoma cruzi — sensitized T-lymphocytes mediated 51Cr release from human heart cells in Chagas’ disease. American Journal of Tropical Medicine and Hygiene 27:1097-1107,1978.         [ Links ]

45. Teixeira ARL, Solórzano E, Zappalá M, Junqueira Jr LF. Doença de Chagas experimental em coelhos isogênicos lll/J. Fisiopatologia das arritmias e da morte súbida do chagásico. Revista da Associação Médica Brasileira (em publicação).         [ Links ]

46. Teixeira ML, Rezende Filho J, Figueiredo F, Teixeira ARL. Chagas’ disease: selective affinity and cytotoxicity of Trypanosoma cruzi — immune lymphocytes to parasympathetic ganglion cells. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 75:33-45, 1980.         [ Links ]

47. Varnes ME, BiaglowJE. Inhibition of glycolysis of mammalian cells by misonidazole and other radiosensitizing drugs. Prevention by thiols. Biochemical Pharmacology 31:2345-2351, 1982.         [ Links ]

48. Vattuone NH, VanovskyJF. Trypanosoma cruzi: agglutination activity of enzyme treated epimastigotes. Experimental Parasitology 30:349-355, 1971.         [ Links ]

 

 

Recebido para publicação em 21/12/82.

 

 

1 Trabalho do Laboratório de Imunopatologia, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, 70.910 Brasflia, Brasil. Realizado com recursos do Programa Especial para Pesquisa e Treinamento em Doenças Tropicais WHO/UNDP/World Bank, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico, CNPq.