Home » Volumes » Volume 42 July/August 2009 » Correlação epidemiológica entre fungos queratinofílicos isolados do solo e agentes de dermatomicoses

Correlação epidemiológica entre fungos queratinofílicos isolados do solo e agentes de dermatomicoses

André Ferraz Goiana LealI; Danielle Patrícia Cerqueira MacêdoI; Delson LaranjeiraII; Cristina Maria de Souza-MottaI; Maria José dos Santos FernandesI; Oliane Maria Correia MagalhãesI; Eduardo Isidoro Carneiro BeltrãoIII, IV; Rejane Pereira NevesI

IDepartamento de Micologia, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE IIDepartamento de Agronomia, Universidade Federal Rural de Pernambuco IIIDepartamento de Bioquímica, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE IVLaboratório de Imunopatologia Keizo Asami (LIKA), Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE

DOI: 10.1590/S0037-86822009000400023


RESUMO

Este trabalho teve como objetivo isolar e identificar os fungos queratinofílicos do solo e correlacioná-los com os agentes de dermatomicose. De acordo com nossos resultados, o predomínio de Trichophyton tonsurans como agente de dermatomicose em crianças na cidade do Recife, PE deve-se provavelmente ao maior contato destas com o solo.

Palavras-chaves: Trichophyton tonsurans. Solo. Dermatomicose.


ABSTRACT

This study had the aim of isolating and identifying keratinophilic fungi from soil and correlating them with dermatomycosis agents. According to our results, the predominance of Trichophyton tonsurans as a dermatomycosis agent among children in the city of Recife, PE, is probably due to children’s greater contact with soil.

Key-words: Trichophyton tonsurans. Soil. Dermatomycosis.


 

 

O solo constitui o habitat natural dos fungos, dentre os quais se encontram os queratinofílicos, microrganismos especializados em degradar a queratina e utilizá-la como fonte de nutrição. Este grupo de microrganismos, através de um longo processo evolutivo, tornou-se capaz de invadir e colonizar os tecidos queratinizados do homem e animais, causando dermatomicoses4.

Para uma melhor compreensão da diversidade e ecologia desses fungos potencialmente patogênicos ao homem, este trabalho teve como objetivos isolar e identificar fungos queratinofílicos do solo e correlacionar os dados obtidos com os agentes de dermatomicoses isolados de pacientes atendidos no Laboratório de Micologia Médica da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil.

Sabendo-se que a presença de homens e animais influencia na distribuição dos fungos queratinofílicos no ambiente4, foram selecionados para este estudo, dois parques públicos da cidade do Recife, PE, Brasil. Oitenta amostras de solo foram coletadas dos tanques de areia, onde ficam os brinquedos infantis. O material foi coletado da superfície do solo com até 15cm de profundidade, acondicionado em sacos plásticos e posteriormente transportados para o Laboratório de Micologia Médica da Universidade Federal de Pernambuco. Os fungos queratinofílicos foram isolados pelo método modificado7. Cinco tipos de iscas foram testadas durante o estudo como fragmentos de cabelos e unha, penas de galinha, raspado de chifre e crina. Cada amostra de solo foi inicialmente homogeneizada e 25g foram acondicionadas em placas de Petri previamente esterilizadas e umedecidas com água destilada esterilizada (ADE). Iscas autoclavadas foram espalhadas sobre o solo umedecido e em seguida as preparações foram incubadas a 25ºC e 37ºC. Cada teste foi realizado em dezesseis repetições totalizando 32 preparações contendo solo e isca. Os testes foram acompanhados diariamente por até cinco semanas antes de serem descartados. A presença de fungos queratinofílicos foi confirmada por meio de exame microscópico. Os fragmentos de iscas colonizados foram inoculados em placas contendo meio ágar Sabouraud adicionado de 50mg/L de cloranfenicol e incubados durante duas semanas a 25ºC.

Para confirmação da capacidade queratinofílica e/ou queratinolítica foi realizado teste baseado na metodologia utilizada por Macêdo5.

Para o exame direto, as iscas colonizadas foram retiradas das placas e colocadas entre lâmina e lamínula utilizando-se 20µL de KOH a 20% como clarificante. A partir do exame direto, foi avaliada a capacidade do fungo de colonizar com ou sem degradação as iscas e formar órgãos de perfuração.

Paralelo ao período de coleta de solos foi realizado estudo prospectivo a partir dos laudos dos pacientes diagnosticados para dermatomicoses no Laboratório de Micologia Médica da Universidade Federal de Pernambuco de Janeiro de 2006 a Junho de 2008. Foram coletados dados referentes à idade e agentes etiológicos de dermatomicoses.

Parte das amostras dos solos dos parques públicos também foram transportadas para o Laboratório de Fertilidade do Solo na Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária (IPA) e uma amostragem foi submetida para análises de pH e fertilidade.

A partir de 80 amostras de solos provenientes dos parques públicos I e II, foi obtido um total de 164 isolados de fungos queratinofílicos. Do parque I foram isolados 114 amostras de fungos incluindo (2) (10), (28), (9), (3), (17) e (45)Do parque público II foram isoladas 50 amostras de fungos identificados como (1) (5), (12) e (32). Todas estas espécies são conhecidas como colonizadores de substratos queratinizados. A Tabela 1 apresenta a freqüência das espécies isoladas pelas diferentes iscas e condições de temperatura.

 

 

A atividade queratinofílica foi verificada em todas as espécies isoladas; todavia, a capacidade de formar órgãos de perfuração e degradar as iscas foi visualizada apenas nos dermatófitos e degradar as iscas foi visualizada apenas nos dermatófitos Microsporum gypseum e Trichophyton tonsurans.

A condição de temperatura ideal para o isolamento foi 25°C, na qual 114 (76%) isolados foram obtidos através da colonização dos substratos testados.

Verificamos que dos 2.964 casos investigados no Laboratório de Micologia Médica, durante o período de janeiro de 2006 a junho de 2008, 458 (15,4%) pacientes foram diagnosticados com dermatofitose e 45 (1,5%) com fusariose. Devido à necessidade de liberação do resultado para o início do tratamento do paciente, 283 culturas fúngicas de sp e as 45 de sp não foram identificadas em nível de espécie.

Dentre as espécies de fungos identificadas, as mais prevalentes foram acometendo 71 (40,6%) pacientes, com 50 (28,6%) e com 31 (17,7%). e foram as espécies menos frequentes, acometendo sete pacientes e correspondendo a 4% dos casos. Ao analisar o grupo de pacientes com a faixa etária abaixo de 12 anos foi verificado que as espécies mais prevalentes foram respectivamente: com 34 (23,4%) casos e com 29 (20%). Os agentes menos frequentes foram com 4 (2,8%) casos, com 2 (1,4%), , e uma espécie não identificada de sp acometeram apenas um paciente, o que corresponde a 0,7%.

Amostras de solo do parque I apresentaram as seguintes características físico-químicas: solo arenoso, pH de 6,8 a 7,13; níveis de fósforo de 26 a 30mg/dm3, magnésio de 0,2 a 0,8cmolc/dm3, hidrogênio de 0,41 a 0,57cmolc/dm3, cálcio de 1,95cmolc/dm3 e potássio 0,07cmolc/dm3. O parque II exibiu pH variando de 5,10 a 6,27; níveis de fósforo de 40 a 43mg/dm3, magnésio 0,25 a 0,4cmolc/dm3, cálcio de 0,95 a 1,50cmolc/dm3; potássio 0,07 a 0,08cmolc/dm3 e níveis de hidrogênio 0,49cmolc/dm3.

Vários fatores ecológicos são responsáveis pela distribuição e sobrevivência dos fungos queratinofílicos no solo dentre estes, destaca-se o fluxo de pessoas e animais que disponibilizam substratos queratinizados para esses microrganismos, o solo com pH quase neutro a fracamente alcalino e a disponibilidade de carbono orgânico, nitrogênio, fósforo, potássio, magnésio, cálcio e ferro. Muitos trabalhos relatam que a ocorrência de fungos queratinofílicos diminui nas regiões mais profundas do solo por causa da condição anóxica4 8.

De acordo com nosso estudo, as duas condições que foram determinantes para a maior diversidade e ocorrência de fungos queratinofílicos no solo do Parque público I foram o pH do solo quase neutro e o grande fluxo de pessoas e animais domésticos.

Nas últimas três décadas, um número crescente de fungos queratinofílicos filamentosos não-dermatofíticos têm sido reconhecidos como agentes de infecções cutâneas em seres humanos e animais produzindo lesões clinicamente similares às causadas por dermatófitos3.

No laboratório avaliado as 45 espécies de foram diagnosticadas como agentes de onicomicose, sendo as unhas dos pés a região mais afetada. Os principais fatores predisponentes para infecções das unhas por são traumas, distrofias ou infecções já presentes causadas por dermatófitos ou leveduras. Dentre as espécies de destaca-se e como os principais agentes de onicomicoses3.

De acordo com nossos resultados, o predomínio de como agente de dermatomicose entre as crianças com a faixa etária abaixo de 12 anos de idade deve-se provavelmente ao maior contato com o solo, especialmente de áreas de lazer. Na região Nordeste, esta espécie é o agente mais freqüentemente isolado de lesões de couro cabeludo1.

Damazio e cols2 compilaram as dermatofitoses mais comuns em pacientes atendidos no laboratório de Micologia Médica da Universidade Federal de Pernambuco, no período de janeiro de 1995 a junho de 2005. Num total de 1.238 casos de dermatofitoses, observou-se um predomínio das tinhas do couro cabeludo (33,7%) causadas por (25,5%), entre 1995 e 1999. No período de 2000 a 2005, as tinhas de pele glabra (35,5%) foram as mais prevalentes sendo (34%) o principal agente. O trabalho também destaca a redução de como agente de micose no último período considerado.

Na literatura, existem relatos em que as espécies , e estão envolvidas em casos de dermatomicoses, ocorrendo a grande maioria em pacientes imunocomprometidos3. Com relação ao fungo , conhecido por colonizar substratos queratinizados, até o momento, não existem relatos desta espécie como patógeno humano.

Para o controle das micoses, é essencial à aquisição de conhecimento sobre o habitat natural dos agentes etiológicos. Tais informações permitem a delimitação de regiões endêmicas e a detecção dos pontos de foco, para estabelecimento de medidas de controle epidemiológico6. Neste caso, uma medida que poderia minimizar a ocorrência de fungos queratinofílicos no solo seria a proibição da entrada de animais domésticos nos tanques de areia onde ficam os brinquedos infantis.

 

REFERÊNCIAS

1. Brilhante RSN, Cordeiro RA, Rocha MFG, Monteiro AJ, Meireles T, Sidrim JJC. in dermatology center in the city of Fortaleza, Brazil: The role of . International Journal of Dermatology 43:575-579, 2004.         [ Links ]

2. Damázio PMRBC, Lacerda HR, Lacerda-Filho AM, Magalhães OMC, Neves RP. Epidemiologia, etiologia e formas clínicas das dermatofitoses em Pernambuco, 1995-2005. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 40: 484-486, 2007.         [ Links ]

3. Gugnani HC. Nondermatophytic filamentous keratinophilic fungi and their role in human infection. Polish Journal Environmental Studies 12: 461-466, 2003.         [ Links ]

4. Kunert J. Physiology of keratinophilic fungi. Revista Iberoamericana de Micologia 77-85, 2000.         [ Links ]

5. Macêdo DPC, Neves RP, Magalhães OMC, Souza-Motta CM, Queiroz LAPathogenic aspects of Langeron et Milochevitch as a possible aethiological agent of . Brazilian Journal of Microbiology 36: 36-37, 2005.         [ Links ]

6. Panasiti V, Devirgiliis V, Borroni RG, Mancini M, Curzio M, Rossi M, Bottoni U, Calvieri S. Epidemiology of dermatophytic infections in Rome, Italy: a retrospective study from 2002 to 2004. Medical Mycology 45:57-60, 2007.         [ Links ]

7. Vanbreuseghem R. Technique biologique pour isolement des dermatophytes de sol. Annales de la Societe Belge de Medecine Tropicale 32: 173-178, 1952.         [ Links ]

8. Ulfig K, PBaza G, Terakowski M, MaDko T. Investigation of keratinolytic and non-keratinolytic fungi grown above or below a 1-cm sewage sludge blanket. International biodeterioration and biodegradation 59: 119-124, 2007.         [ Links ]

 

 

 Endereço para correspondência:
Dra. Rejane Pereira Neves
Deptº de Micologia/CCB/UFPE
Rua José Paraíso 135/01, Boa Viagem
51030-390 Recife, PE
Fax: 55 81 2126-8482
e-mail: rejadel@yahoo.com.br

Recebido para publicação em 11/02/2009
Aceito em 20/07/2009