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Observações sobre Blastocystis hominis e Cyclospora cayetanensis em exames parasitológicos efetuados rotineiramente

Ruth Semira Rodriguez Alarcón; Vicente Amato Neto; Erika Gakiya; Rita Cristina Bezerra

Laboratório de Investigação Médica, Parasitologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

DOI: 10.1590/S0037-86822007000200024


RESUMO

Relatamos algumas observações, efetuadas com exames parasitológicos de fezes, em atividades rotineiras: os métodos de Faust e cols e de sedimentação espontânea em água não servem para evidenciação de Blastocystis hominis; foram encontradas expressivas porcentagens de presença desse protozoário, sobretudo quando realizada coloração pela hematoxilina férrica; houve 0,7% de registro de positividade para Cyclospora cayetanensis, sugerindo inclusão habitual de pesquisa, por técnicas apropriadas, de tal parasita.

Palavras-chaves: Blastocystis hominis. Cyclospora cayetanensis. Sensibilidade do exame parasitológico de fezes.


ABSTRACT

We report some observations made from routine parasitological examinations on feces. The methods of Faust et al. and of spontaneous sedimentation in water are not enough to identify Blastocystis hominis. Significant percentage presence of this protozoan was found, especially when staining with iron hematoxylin was performed. Cyclospora cayetanensis was found in 0.7% of the cases, which suggests that this parasite should also routinely be investigated by appropriate techniques.

Key-words: Blastocystis hominis. Cyclospora cayetanensis. Sensitivity of parasitological examination of feces.


 

 

O Laboratório de Investigação Médica – Parasitologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, comumente recebe solicitações para realizar exames parasitológicos de fezes de pessoas de creches, escolas, clubes, entidades religiosas e órgãos públicos que prestam assistência médica, por exemplo. No contexto dessa atividade atendeu pedido a fim de executar duas análises referentes a crianças de instituição educacional de São Paulo.

Foram usados métodos convencionais (direto; Faust e cols; sedimentação espontânea em água). Contudo, no decurso dessa providência ocorreram algumas especulações e consideramos que verificações decorrentes de tal complementação merecem comunicação por dizerem respeito a fatos que envolvem implicações de caráter prático.

As amostras de fezes, obtidas nas 24 horas anteriores foram colocadas em geladeira (4ºC). Não estavam em conservante e parte de cada uma transferimos para recipientes com formalina a 10%, com o intuito de efetuar coloração pelo método de Kinyoun.

Quanto às técnicas utilizadas elas estão descritas em publicações que têm como autores Amato Neto e Corrêa (direto, Faust e cols; sedimentação espontânea em água)2, Ferreira (hematoxilina férrica)8 e Fernandes e cols (Kinyoun)7. Passamos as fezes que se encontravam em formalina a 10% para fixador de Schaudinn antes da coloração pela hematoxilina férrica.

Como já, informamos, o que interpretamos como conveniente comunicar não decorreu de projeto pré-estabelecido. À realização da tarefa rotineira acrescentamos algumas observações que indicaram fatos utilizáveis, depois de conhecidos, em exames parasitológicos de fezes (Tabela 1). A seguir eles estão especificados.

 

 

– Encontramos 8% de positividades a propósito do B. hominis. Comumente são registradas percentagens maiores, se bem que a citada é de porte razoável, mostrando a conveniência de esclarecer, por exemplo, particularidades clínicas, epidemiológicas e terapêuticas concernentes a esse protozoário.

– Com a coloração pela hematoxilina férrica apuramos 19,8% de provas positivas quanto ao B. hominis. Essa providência, levada a cabo, independentemente da missão pedida ao Laboratório, além de detectar quantidade sem dúvida relevante, teve nexo com detalhe inusitado de ordem técnica. As fezes, em formalina a 10% foram postas no líquido de Schaudinn, o que não é usual. O ideal é empregar o fixador citado logo após a evacuação e, não obstante, o método permitiu a identificação do protozoário.

– A técnica de Kinyoun possibilitou achar 0,7% de Cyclospora cayetanensis em indagação aleatória, indicativa talvez do comparecimento não tão raro dela. A conduta não demonstrou Cryptosporidium apesar de ser igualmente adequada.

Os métodos de Faust e cols. e da sedimentação espontâneo em água são ineficazes na busca de B. hominis nas fezes. O direto, simples, superou-os nitidamente e não sendo impossível que o período de permanência em geladeira tenha influído para prejudicar a obtenção de cifra mais alta. É muito provável que meios líquidos causem desagregação e técnicas congêneres devem também participar dessa maneira.

A coloração pela hematoxilina férrica, a despeito da execução com fase em geral não utilizada, constituída pela coloração das fezes em formalina a 10%, indicou 19,8% de presenças de B. hominis.

Blastocystis hominis está presente, pelo menos em diversas regiões, nos muitos exames parasitológicos de fezes. E aí estão, mais uma vez, dois exemplos. Continua, então, a obrigação de demarcar, sob vários aspectos, o papel desse protozoário freqüentemente achado.

Agimos somente como laboratoristas e, então, não contamos com informações de caráter clínico.

Blastocistose é ainda conceituada ou interpretada de maneiras heterogêneas ou inadequadas1. Na imensa maioria de publicações que têm como autores profissionais respeitados o B. hominis não é citado nas especificações de resultados obtidos em inquéritos e destinados a avaliar a presença de protozoários e helmintos em diferentes grupos de pessoas, representadas por crianças ou adultos4 5 6 9 10 11 14 15 17 18 20. É provável que considerem-no comensal, mas paradoxalmente incluem o Chilomastix mesnili, a Endolimax nana, a Entamoeba coli e a Iodamoeba bütschlii, sem dúvida, pelo menos presentemente, tidos como comensais. Ainda mais, nos títulos dos artigos e de tabelas que citam esses protozoários referem-se a parasitas intestinais4 5 10 14 17 19 20 21.

Determinados observadores, cremos, não sabem reconhecer e identificar o B. hominis ou, simplesmente, não concedem qualquer importância a ele, decidindo não mencioná-lo nos resultados dos exames. Em laboratório visitado por um de nós (VAN) afirmaram que o encontro desse protozoário significa que as fezes são velhas e mal conservadas.

As controvérsias e indefinições que persistem a respeito da blastocistose precisam ser superadas. A parasitologistas, infectologistas, gastroenterologistas, epidemiologistas e sanitaristas, cabe a tarefa de elucidar as dúvidas ou, pelo menos, de atenuá-las, a fim de evitar contratempos no âmbito da saúde pública e das atenções médico-assistenciais1 4 13 14 22.

Apenas circunstancialmente, em tentativa aleatória, exames mostraram 0,7% de presença da Cyclospora cayetanensis. Julgamos que isso retrata situação destacável hoje, O parasita não é encarado como raridade e só às vezes é lembrado, sobretudo quando o paciente tem imunodepressão. No Brasil, impõe-se empreender investigações mais numerosas sobre ele e instruir para que a técnica de Kinyoun faça parte obrigatoriamente dos exames parasitológicos de fezes, em diligências epidemiológicas e médico-assistenciais.

É imperioso novamente frisar que estas notas não advieram de projeto pré-esboçado. Todavia, percebemos acontecimentos que não podemos deixar de informar. Não configuram conclusões cabalmente respaldadas, mas suscitam investigações quiçá capazes de beneficiar o diagnóstico de enteroparasitoses e a identificação de elementos valiosos em inquéritos epidemiológicos.

Consignamos, então, ponderações que sumarizam pontos valorizáveis para quem assim desejar.

 

REFERÊNCIAS

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 Endereço para correspondência:
Prof. Vicente Amato Neto
Laboratório de Investigação Médica, Parasitologia/HC/FM/USP
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 470
05403-000 São Paulo, SP
Telefax: 55 11 3066-7042
e-mail: amatonet@usp.br

Recebido para publicação em 12/6/2006
Aceito em 13/1/2007