Home » Volumes » Volume 38 January/February 2005 » Pesquisa de anticorpos anti Toxoplasma gondii em fluidos intra-oculares (humor vítreo e humor aquoso) de pacientes com toxoplasmose ocular, na cidade de Belém, PA

Pesquisa de anticorpos anti Toxoplasma gondii em fluidos intra-oculares (humor vítreo e humor aquoso) de pacientes com toxoplasmose ocular, na cidade de Belém, PA

Ediclei Lima do CarmoI; Edmundo Frota AlmeidaII; Cléa Nazaré BicharaIII; Marinete Marins PóvoaI

IPrograma de Toxoplasmose do Instituto Evandro Chagas da Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Belém, PA IIClínica de Olhos do Pará, Belém, PA IIINúcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará, Belém, PA

DOI: 10.1590/S0037-86822005000100020


RESUMO

Foi realizada pesquisa de anticorpos IgG, IgM e IgA anti-Toxoplasma gondii no soro e fluidos intra-oculares (humor aquoso e vítreo) de pacientes com toxoplasmose ocular. A partir dos resultados obtidos verificou-se que anticorpos IgG e IgA intraocular anti-Toxoplasma gondiipodem vir a ser importantes marcadores no diagnóstico de toxoplasmose ocular.

Palavras-chaves: Toxoplasmose ocular. Anticorpos. Humor vítreo. Humor aquoso.


ABSTRACT

Tests were performed for antibodies IgG, IgM and IgA anti-Toxoplasma gondii antibodies in serum and intraocular fluids (Aqueous and vitreous humor) from patients with ocular toxoplasmosis. By the results obtained, it was verified that intraocular IgG and IgA anti-Toxoplasma gondii antibodies can be important markers for the diagnosis of ocular toxoplasmosis.

Key-words: Ocular toxoplasmosis. Antibodies. Vitreous humor. Aqueous humor.


 

 

A toxoplasmose, infecção causada pelo Toxoplasma gondii, é uma das protozooses mais comuns em todo o mundo, apresentando diferentes formas clínicas e dentre elas a ocular. Esta forma é uma das mais importantes causas mundiais de uveítes posteriores1 15. A forma ocular de toxoplasmose pode ser de origem congênita com manifestações clínicas precoces ou tardias, ou ainda ser adquirida após o nascimento. A manifestação ocular mais comum é a retinocoroidite granulomatosa necrotizante que pode vir acompanhada de outras alterações oculares5 8 12 14. O diagnóstico da toxoplasmose ocular é presuntivo, baseando-se na análise conjunta do quadro clínico observado, testes sorológicos e exclusão de outras etiologias como sífilis, CMV, toxocaríase e outras9.

Devido a gravidade e irreversibilidade das lesões causadas pelo T. gondii, o diagnóstico precoce dessa infecção é de fundamental importância para que seja possível aplicar a intervenção adequada, principalmente nos casos em que o quadro clínico e os resultados sorológicos não são conclusivos1 9.

O objetivo desse estudo foi realizar a pesquisa de anticorpos anti T. gondii (IgG, IgM e IgA) nos fluidos intra-oculares (humor vítreo e humor aquoso) de pacientes com toxoplasmose ocular.

A amostra estudada foi constituída por 11 pacientes adultos, de ambos os sexos, encaminhados por seus respectivos oftalmologistas ao Programa de Toxoplasmose do Instituto Evandro Chagas, com diagnóstico clínico de toxoplasmose ocular. Todos os pacientes receberam esclarecimento médico sobre os objetivos e riscos da pesquisa e após concordar em participar, assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido e forneceram dados para preenchimento de ficha clínico-epidemiológica, de acordo com as recomendações do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Evandro Chagas ao qual o estudo foi avaliado e aprovado (CEP/IEC-Nº 003/2002).

Foram feitas coletas de amostra de sangue venoso e amostras de fluídos intra-oculares dos pacientes, estas realizadas no centro cirúrgico da Clínica de Olhos do Pará. Foram coletadas 9 amostras de humor vítreo e duas de humor aquoso, de nenhum paciente foi possível coletar amostras de ambos os fluidos. Todas as amostras foram testadas pela reação de imunofluorescência indireta (IFI) e ensaio imunoenzimático (ELISA). Na IFI, para pesquisa de IgG e IgM, utilizou-se antígenos comerciais liofilizados (Imunotoxo® (Biolab-Mérieux SA) e a técnica desenvolvida de acordo com a metodologia descrita por Camargo2. O ponto de corte foi determinado como títulos > 80. No teste ELISA indireto para pesquisa de IgG e de captura para IgM e IgA, utlizou-se Kits comerciais (ELISA Platélia®Toxo IgG, IgM, IgA). A técnica foi realizada e o ponto de corte determinado, segundo as recomendações do fabricante.

Na pesquisa de anticorpos séricos, a imunoglobulina G foi detectada em todas as amostras por ambas as técnicas, enquanto a IgM não foi encontrada em nenhuma e a IgA em apenas 2 pacientes (Tabela1).

 

 

Na pesquisa de anticorpos no humor vítreo, seis pacientes apresentaram IgG (66,7%). Nesses, a IgG foi detectada em 3 por ambas as técnicas, em 2 somente pelo ELISA e em 1 somente pela IFI. Não foi detectado IgM em nenhuma das amostras de HV. Nas duas amostras de humor aquoso, observou-se presença de anticorpos IgG e ausência de IgM (Tabela 1). Em relação a pesquisa de anticorpos IgA no humor vítreo, esta classe foi detectada em 5 pacientes, todos apresentando também IgG intra-ocular e sérico. Dos 5 pacientes que apresentavam IgA, somente um apresentava IgA sérico. Nas duas amostras de humor aquoso anticorpos IgA também foram detectados, dos quais apenas uma apresentava IgA sérico (Tabela 1).

Desde 1982, o T. gondii vem sendo incriminado como o principal causador de uveítes no Brasil. Porém, devido a alta soroprevalência de anticorpos IgG anti-T. gondii, há dificuldade em se estabelecer o diagnóstico laboratorial da forma ocular de toxoplasmose, daí a necessidade de se procurar outra alternativas para realização desse diagnóstico6 9 11.

No referido estudo, a positividade (66,7%) de IgG observada nas amostras de HV, corroboram os resultados obtidos por Canosa et al3, que avaliando 7 amostras de humor vítreo de pacientes com suspeita de toxoplasmose ocular, obtiveram resultados similares. Pela técnica de IFI, eles encontraram freqüência de positividade para IgG de 71,4%, todos apresentando também IgG sérico. Turunen et al16 referem o IgG intra-ocular como um bom marcador nos casos de coriorretinites toxoplásmicas. A ausência de anticorpos IgM no soro e fluidos intra-oculares indica que nenhum dos pacientes estava na fase aguda da toxoplasmose.

Em relação a pesquisa de anticorpos IgA intra-ocular, os nosssos resultados demonstram, apesar de não serem estatísticamente significativos (P>0,005 — Teste Exato de Fisher), que esta imunoglobulina nesses fluidos pode ser importante marcador no diagnóstico de toxoplasmose ocular. Não há relatos na literatura a respeito de pesquisa de IgA anti-T. gondii no humor vítreo de pacientes com toxoplasmose ocular. Contudo, vários estudos relatam a importância da pesquisa de IgA no humor aquoso no diagnóstico de toxoplasmose ocular4 7 10 13.

O estudo de fluidos intra-oculares na rotina laboratorial de diagnóstico de toxoplasmose ainda pode ser considerado inviável, devido ao elevado grau de invasibilidade dos procedimentos de coleta, porém nos casos cujo diagnóstico clínico e sorológico são inconclusivos, a pesquisa de anticorpos e de DNA pela PCR nos fluidos intra-oculares, podem ser ferramentas alternativas para auxiliar o diagnóstico dessa forma de toxoplasmose.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Abreu MT, Belfort Jr R, Oréfice, F. Toxoplasmose Ocular. In: Oréfice F, Belfort Jr R (eds) Uveítes, Roca, São Paulo, p. 211-230, 1987.        [ Links ]

2. Camargo ME. Improved technique of indirect immunoofluorescence for serological diagnosis of toxoplasmosis. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 28: 211-214, 1964.        [ Links ]

3. Canosa A, Gulh, F, Acevedo G, De Sánchez N, Marinkelle CJ. Anticuerpos específicos em humor vítreo em casos de toxoplasmosis ccular. Revista Latinoamericana de Microbiologia 27: 209-212, 1985.        [ Links ]

4. Garweg JG, Jacquier P, Boehnke M. Early Aqueous Humor Analysis In Patients With Human Ocular Toxoplasmosis. Journal of Clinical Microbiology 38: 996-1001, 2001.        [ Links ]

5. Glasner PD, Silveira C, Kruszon-Moran D, Martins MC, Burnier Jr M, Silveira S, Camargo ME, Nussenblatt RB, Kaslow RA, Belfort Jr. R. An unusually high prevalence of ocular toxoplasmosis in Southern Brazil. American Journal of Ophthalmology 114: 136-144, 1992        [ Links ]

6. Hay J, Dutton GN. Toxoplasma and the eye. British Medical Journal 310: 1021-1022, 1995.        [ Links ]

7. Katina JH, Oréfice F, Mineo JR. Anticorpos IgA específicos no soro e humor aquoso de pacientes com uveíte de provável etiologia toxoplásmica. Revista Brasileira de Oftalmologia 51: 21-26, 1992.        [ Links ]

8. Montoya JG, Remington JS. Toxoplasmic chorioretinitis in the setting of acute acquired toxoplasmosis. Clinical Infectious Diseases 23: 277-282, 1996.        [ Links ]

9. Nussenblatt RB, Belfort Jr. R. Ocular Toxoplasmosis: An old disease revisited. Journal of American Medical Association 271:304-307, 1994.        [ Links ]

10. Ongkosuwito JV, Bosch-Driessen EH, Kijlstra A, Rothova A. Serologic Evaluation Of Patients With Primary And Recurrent Ocular Toxoplasmosis For Evidence Of Recent Infection. American Journal of Ophthalmology 128: 407-412, 1999.        [ Links ]

11. Oréfice F. Síndrome Do Olho Vermelho. In: Marra UD (ed) Medicina Ambulatorial, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, p. 494-505, 1982.        [ Links ]

12. Perkins ES. Ocular Toxoplasmosis. British Journal of Ophthalmology 51:1, 1973.        [ Links ]

13. Ronday MJH, Ongkosuwito JV, Rothova A, Kijlstra A. Intraocular Anti-Toxoplasma gondii IgA antibody production in patients with ocular toxoplasmosis. American Journal of Ophthalmology 127: 294-300, 1999.        [ Links ]

14. Silveira C, Belfort Jr R, Burnier R, Nussenblatt R. Acquired toxoplasmic infection as the cause of toxoplasmic retinochoroiditis in families. American Journal of Ophthalmology 106: 362-364, 1988.        [ Links ]

15. Tenter AM, Heckeroth AR, Weiss LM. Toxoplasma gondii: from animals to humans. International Journal for Parasitology 30:1217-1258, 2000.        [ Links ]

16. Turunen HJ, Leiniki PO, Saari KM. Demonstration of intraocular synthesis of immunoglobulin G toxoplasma antibodies for specific diagnosis of toxoplasmic chorioretinitis by enzyme immunoassay. Journal of Clinical Microbiology 17: 988-992, 1983.        [ Links ]

 

 

 Endereço para correspondência
Dr. Ediclei Lima do Carmo
Seção de Parasitologia/Instituto Evandro Chagas
Rodovia BR 316-KM 07 s/nº, Bairro Levilândia, 66090-000 Belém, PA
Tel: 55 91 214-2148, Fax: 55 91 214-2043
e-mail: edicleicarmo@iec.pa.gov.br

Recebido para publicação em 10/8/2004
Aceito em 27/9/2004
Suporte Financeiro: Instituto Evandro Chagas/SVS-MS, Projeto RENOR/FADESP (Nº 249).