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Relato de nematóides da família Anisakidae em bacalhau comercializado em Ribeirão Preto, SP

Sonia de Paula Toledo PradoI; Divani Maria CapuanoII

ISetor de Microscopia de Alimentos da Seção de Bromatologia e Química do Laboratório I de Ribeirão Preto do Instituto Adolfo Lutz, Ribeirão Preto, SP IISetor de Parasitologia da Seção de Biologia Médica do Laboratório I de Ribeirão Preto do Instituto Adolfo Lutz, Ribeirão Preto, SP

DOI: 10.1590/S0037-86822006000600016


RESUMO

A anisaquíase é uma parasitose gastrointestinal dos seres humanos, resultante da ingestão acidental de larvas infectantes de nematóides da família Anisakidae. Foram analisadas 11 amostras de bacalhau sendo que 64% estavam em desacordo com a legislação em vigor por conter nematóides da família Anisakidae e, portanto, impróprias para o consumo.

Palavras-chaves: Nematóides. Anisaquíase. Bacalhau. Parasitose.


ABSTRACT

Anisakiasis is a human gastrointestinal parasitosis that results from accidental ingestion of infective larvae belonging to the Anisakidae family. Eleven codfish samples were analyzed and 64% did not conform to the present legislation, because they contained nematode larvae from the Anisakidae family and were therefore unfit for consumption.

Key-words: Nematode. Anisakiasis. Codfish. Parasitosis.


 

 

Atualmente, o consumo da carne de peixe tornou-se uma ótima opção para todas as pessoas que buscam uma alimentação saudável devido à fácil digestibilidade associada aos altos níveis protéicos, baixa taxa de gordura e presença de ácidos graxos insaturados. Contudo, uma vez consumidos crus, semicrus ou parcialmente defumados e não tomadas as devidas medidas de controle e prevenção, o consumo desse tipo alimento pode se tornar um problema de saúde pública. São inúmeras as infecções parasitárias que podem ser transmitidas pelo pescado, sendo que algumas são potencialmente prejudiciais à saúde humana. Dentre os parasitas de maior importância em nosso meio encontram-se os Nematódeos (Anisakis sp), Cestódeos (Diphyllobothrium sp) e os Trematódeos (Phagicola longa)5. A anisaquíase humana é uma parasitose gastrointestinal, resultante da ingestão acidental de larvas infectantes de nematóides da família Anisakidae, principalmente o Anisakis simplex e o Pseudoterranova decipiens, que podem ser adquiridas através do consumo de peixes como salmão, bacalhau, arenque, merluza, linguado, lula entre outros. Essa antropozoonose foi descrita por Straub pela primeira vez em 1955 na Holanda8. A enfermidade no homem pode se apresentar de duas maneiras distintas: a forma aguda, resultante do efeito local do parasita sobre a parede do tubo digestivo; e a forma alérgica, devido a hipersensibilidade imediata, mediada por IgE9. A primeira geralmente ocorre com a presença de uma única larva no trato digestivo, provocando fenômenos irritativos locais com sintomas como náuseas, vômitos e dor epigástrica que pode ser confundida com apendicite, úlcera, peritonite e enfermidade de Crohn9. Os casos severos são extremamente dolorosos e requerem intervenção cirúrgica para a remoção do nematóide9. A forma alérgica é provocada pelos antígenos do parasita, ocasionando quadros que podem variar de uma simples urticária a um angiodema, incluindo choque anafilático9. Esta parasitose é freqüente no Japão devido ao consumo de sushis e sashimis, também comum na Holanda, na Escandinávia e na costa do Pacífico da América Latina1. No Brasil, não há notificação de casos, embora há estudos mostrando a existência de peixes contaminados como dourado, anchovas, pargo e peixe-espada na costa brasileira, especialmente no litoral nordeste1, bem como o relato da presença de Anisakis physeteris Balylis ePseudoterranova sp encontrados no estômago da baleia Kogia breviceps no litoral de Fernando de Noronha, indicando uma nova distribuição geográfica desses parasitas7.

Este trabalho teve como objetivo registrar a ocorrência de larvas de nematóides da família Anisakidae em bacalhau comercializado no município de Ribeirão Preto, SP, alertando a comunidade e autoridades competentes para o problema.

Entre abril de 2002 e abril de 2005, foram analisadas 11 amostras de bacalhau (Porto e Zarbo) eviscerado, seco e salgado, sendo cinco provenientes de denúncias de consumidores e colhidas no comércio pela Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto e seis solicitadas por particulares.

As amostras foram encaminhadas ao Setor de Microscopia de Alimentos da Seção de Bromatologia e Química do Instituto Adolfo Lutz de Ribeirão Preto e analisadas segundo metodologia preconizada no Macroanalytical Procedures Manual, 19842.

As larvas retiradas das amostras de bacalhau foram clarificadas com ácido acético, observando-se sob microscopia óptica (400X) a presença de 3 lábios e pequeno dente na extremidade anterior e uma estrutura semelhante a um espículo na extremidade posterior. As larvas encontradas mediram entre 10 e 39mm.

Do total de amostras analisadas, 64% estavam em desacordo com a legislação em vigor4 por conter nematóides da família Anisakidae inseridos na musculatura dos peixes e, portanto, impróprias para o consumo.

Este resultado foi superior ao obtido em São Paulo, SP, por Pereira cols 6, que examinaram 22 amostras de bacalhau constatando que 27,3% continham larvas de nematóides pertencentes à família Anisakidae.

Apesar da freqüência cada vez maior de publicações de novos casos, em várias partes do mundo, a anisaquíase é uma doença ainda pouco conhecida e estima-se que haja um subdiagnóstico. Portanto, é de suma importância que diante de qualquer paciente que apresente um quadro abdominal agudo, o médico indague sobre os antecedentes da ingestão de pescado cru ou mal cozido.

Os resultados deste estudo demonstram a necessidade de ampla divulgação junto à população e proprietários dos estabelecimentos que comercializam esse tipo de produto, quanto à ocorrência desta parasitose em nosso meio, bem como a necessidade de adoção de medidas de prevenção como a correta cocção, congelamento ou irradiação dos peixes. Como medidas de segurança alimentar recomenda-se a cocção a 60ºC por 10 minutos ou o congelamento, a -20ºC por 7 dias ou a -35ºC por 15 horas3, para a inativação dos parasitas. Ainda, a evisceração dos peixes logo após a pesca evita a penetração das larvas dos mesentérios para os músculos.

Ações mais efetivas e exigentes dos órgãos competentes, assim como a adoção de políticas mais severas, com a exigência de lotes já congelados e isentos desses parasitas é de grande relevância para garantir a qualidade higiênico-sanitária desses produtos e a segura importação e comercialização do bacalhau.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Centro de Vigilância Epidemiológica. Manual das doenças transmitidas por alimentos – Anisakis simplex e vermes relacionados. Informe-NET – Doenças de Transmissão Alimentar, [http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/hidrica/anisakis.htm], 26 de outubro 2005.        [ Links ]

2. Food and Drug Administration. Technical Bulletin Number 5, Macroanalytical Procedures Manual. Washington DC: Center for Food Safety & Applied Nutrition; 1984; Eletronic Version, 1998. [http://www.cfsan.fda.gov/~dms/mpm-4.html#v-28], 4 de outubro 2005.        [ Links ]

3. Food and Drug Administration. Bad Bug Book. Anisakis simplex and related worms. Center for food Safety & Applied Nutrition. [http://www.cfsan.fda.gov/~mow/chap25.html]. 4 de janeiro 2006.        [ Links ]

4. Ministério da Agricultura. Leis, Decretos, etc. Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (aprovado pelo Decreto nº 30.691, de 29/03/1952, alterado pelo Decreto nº 1.255, de 25/06/1962). Brasília, p. 74-79, 1980.        [ Links ]

5. Okumura MPM, Perez ACA, Spindola AF. Principais zoonoses parasitárias transmitidas por pescado. Revisão. Revista Educação Continuada, CRMV-SP, volume 2, fascículo 2, 66-80, 1999.        [ Links ]

6. Pereira AD, Atuí MB, Torres DMAGV, Mangini AC, Zamboni CQ. Incidência de parasitos da família Anisakidae em bacalhau (Gadus morhua) comercializado no Estado de São Paulo. Revista do Instituto Adolfo Lutz 59: 45-49, 2000.        [ Links ]

7. Santos CP, Lodi L. Ocurrence of Anisakis phyteris Baylis, 1923 and Pseudoterranova sp (Nematoda) in Pygmy Sperm Whale Kogia breviceps (De Blainvillei, 1838) (Physeteridae) in Northeastern Coast of Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 93: 187-188, 1998.        [ Links ]

8. Van Thiel PH, Kuipers FC, Roskam RTH. A nematode parasitic to herring, causing acute abdominal syndromes in man. Tropical and Geographical Medicine 2: 97-113, 1960.        [ Links ]

9. Zuloaga J, Arias J, Balibrea JL. Anisakiasis digestiva. Aspectos de interés para el cirujano. Cirugia Espanola 75: 9-13, 2004.        [ Links ]

 

 

 Endereço para correspondência:
Dra. Sonia de Paula Toledo Prado
Setor de Microscopia de Alimentos
Seção de Bromatologia e Química/Instituto Adolfo Lutz de Ribeirão Preto
R. Minas 877, Campos Elíseos
14085-410 Ribeirão Preto, SP.
Tel: 16 3625-5046.
e-mail: sptprado@hotmail.com

Recebido para publicação em 3/3/2006
Aceito em 5/12/2006