Home » Volumes » Volume 37 November/December 2004 » Avaliação do polimorfismo no gene da metilenotetrahidrofolato redutase e concentração de folato e vitamina B12 em pacientes portadores do HIV-1 em tratamento com anti-retrovirais

Avaliação do polimorfismo no gene da metilenotetrahidrofolato redutase e concentração de folato e vitamina B12 em pacientes portadores do HIV-1 em tratamento com anti-retrovirais

Iran MalavaziI; Emiliana Pereira AbrãoI; Angela Yumico MikawaII; Sandra Antônia TagliaviniI; Paulo Inácio da CostaI, II

IInstituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP IIDepartamento de Análises Clínicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara da Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP

DOI: 10.1590/S0037-86822004000600008


RESUMO

Neste trabalho, investigamos concentração da vitamina B12 e folato, considerando-se a influência dos genótipos da metilenotetrahidrofolato redutase, o perfil imunológico e a terapia antiretroviral utilizada na população brasileira portadora do HIV. Um grupo de 86 indivíduos portadores do HIV-1 e 29 doadores de sangue foram recrutados para compor a casuística. Entre os infectados pelo HIV-1, observou-se menor concentração de B12 no grupo com maior número de linfócitos TCD4+. Não encontramos diferença na distribuição genotípica para as mutações MTHFR C677T e A1298C entre infectados e não infectados pelo HIV-1. Indivíduos portadores do HIV, genótipo C677C, apresentaram concentrações menores de B12 em relação ao grupo controle de mesmo genótipo. A terapia antiretroviral não mostrou qualquer influência nos valores de folato e vitamina B12. Estudos adicionais são necessários para reavaliar a prevalência de menores concentrações de B12 e folato e de hiperhomocisteinemia na população portadora do HIV sob a ótica do uso de HAART e da melhoria na sobrevida dos pacientes.

Palavras-chaves: HIV. Vitamina B12. folato. Polimorfismos MTHFR. Doença arterial coronariana.


ABSTRACT

In this study we sought to investigate the B12 and folate levels regarding the influence of methylenetetrahydrofolate reductase genotypes, immunological profile and antiretroviral therapy in the Brazilian HIV-infected population. The study group comprised 89 HIV-infected individuals and 29 blood donors. There was a decrease in the B12 levels in the HIV-infected group with higher TCD4+ lymphocyte counts. No differences in the genotype distribution for methylenetetrahydrofolate reductase polymorphisms between the HIV-infected individuals and the controls were found. HIV-infected individuals carrying the C677C genotype presented lower B12 levels (313.91 ± 154.05) than those with the same genotype in the control group (408.27 ± 207.69). Also, the antiretroviral therapy was not a source of variation of the folate and B12 serum levels. Further studies are needed to reanalyze the prevalence of low levels of folate and B12 and hyperhomocisteinemia among HIV-infected patients with regard to the use of HAART and the increased life expectancy of such patients.

Key-words: HIV. B12. folate. MTHFR polymorphisms. Coronary artery disease.


 

 

A conduta clínico-terapêutica do portador do HIV tem se modificado amplamente desde a introdução dos inibidores de protease (IP) como agentes chave da terapia antiretroviral de alta atividade (HAART- Highly Active Antiretroviral Therapy). A HAART tem contribuído para a sobrevida dos indivíduos infectados pelo HIV, com melhora da função imunológica e controle da replicação viral11. Entretanto, a HAART, aliada ao estado infeccioso per se e a resposta do hospedeiro perante a infecção, tem levado ao aparecimento de alterações metabólicas nesses indivíduos culminando com novas preocupações de caráter relativo ao monitoramento ambulatorial desses pacientes dada sua possível associação com o desenvolvimento de doenças arteriais coronarianas (DAC)11 27. Nesse sentido, são bem estabelecidas alterações no metabolismo lipídico do portador do HIV, decorrentes tanto da ação dislipidêmica da terapia combinada envolvendo os IP, como do próprio estado infeccioso 9 11 15 27.

Adicionalmente, a infecção pelo HIV é acompanhada no estágio crônico por um estado de má nutrição que pode conduzir o portador à perda de peso progressiva, o que teve principalmente antes da introdução da HAART, considerável influência na morbimortalidade da AIDS5. O estado de má nutrição no portador é causado por um conjunto de situações, como a redução da ingestão e má absorção de nutrientes, deficiência calórico-protéica e distúrbios metabólicos. Causas para a redução da ingestão de nutrientes seriam a anorexia induzida por citocinas do curso da AIDS e/ou os medicamentos antiretrovirais5. Esse somatório de fatores conduz a estados de carências nutricionais, com destaque para as vitaminas do complexo B. A deficiência de vitamina B12 ocorre comumente nos portadores do HIV em qualquer estágio da doença13 e está presente em 10 a 39% dos infectados20. Valores diminuídos de vitamina B6 ocorrem com prevalência de 12 a 52%13, o mesmo acontecendo com o folato em 57 a 64% dos portadores que não fazem suplementação alimentar23. A diminuição dos valores séricos de vitaminas B12, B6 e folato pode conduzir ao aparecimento de hiperhomocistinemia uma vez que essas vitaminas participam dos ciclos metabólicos de remetilação e transulfuração da metionina7 18 19 22.

A hiperhomocisteinemia é um conhecido fator de risco independente para DAC e aterosclerose na população humana, embora a maneira como a homocisteína (HCys) produza seu efeito nocivo sobre o endotélio vascular não esteja bem esclarecida22 24. Estritamente em relação à população portadora do HIV, há falta de dados que levem em conta o efeito da HAART no metabolismo da HCys. A exemplo do que ocorre em inúmeros ciclos metabólicos em humanos, a remetilação e transulfuração da metionina são ciclos fortemente influenciados por polimorfismos em diversas de suas enzimas efetoras. Dentre estas enzimas, a metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR) tem grande importância na regulação da concentração de HCys plasmática. Duas principais mutações missense na MTHFR, a mutação C677T e a MTHFR A1298C são capazes de alterar o montante de HCys plasmática (para revisões ver4 10 12). A primeira mutação causa uma substituição de uma alanina por uma valina na cadeia polipeptídica e confere a enzima termolabilidade a 46ºC e diminuição da sua atividade específica em cerca de 35%12 . Essa diminuição da atividade da enzima é responsável pelo aumento de aproximadamente 3,5mmol de HCys em relação ao fenótipo não mutado4. A segunda mutação, MTHFR A1298C (Glu ® Val), não confere termolabilidade da enzima, porém reduz também a atividade específica da enzima embora em menor extensão que a primeira. Consequentemente, o efeito sobre a HCys é atenuado e será importante em indivíduos que carreguem as duas mutações concomitantemente ou com dieta insatisfatória em folato, B6 ou B1226 28, o que pode ser o caso dos portadores do HIV.

De posse do conhecimento de que valores aumentados de HCys plasmática constituem-se em um reconhecido fator de risco para DAC, esse trabalho visou: (i) estabelecer a concentração de folato e vitamina B12 na população brasileira portadora do HIV a fim de avaliar se existem carências dessas vitaminas e se sua magnitude poderia refletir em valores aumentados de HCys plasmática nesses indivíduos; (ii) investigar a relação dos valores séricos de folato e vitamina B12 em indivíduos portadores do HIV-1 levando em consideração a influência dos genótipos da MTHFR; (iii) verificar a relação da concentração destas vitaminas de acordo com o número de linfócitos TCD4+ e a terapia anti-retoviral em uso corrente.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Um grupo de 86 indivíduos portadores do HIV-1 determinados por ELISA e confirmado por western blot atendidos pelo Serviço Especial de Saúde de Araraquara (SESA) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e 29 indivíduos doadores de sangue (população controle) atendidos no Hemonúcleo da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara (UNESP) foram recrutados para compor a casuística do trabalho. O grupo portador do HIV-1 foi constituído por 46 homens e 40 mulheres com média de idade de 34,2 ± 6,7 anos variando de 19 a 45 anos. O critério de exclusão do grupo de estudo foi: idade menor que 19 e maior que 45 anos; pacientes portadores de dislipidemia identificada no período de 12 meses anteriores ao recrutamento (colesterol > 6.22 mmol/l e/ou triacilgliceróis > 2.14 mmol); presença de infecção oportunista (Pneumocystis cariniiToxoplasma gondiiMycobacterium tuberculosisCandida ssp; co-infecção com vírus da hepatite C e hepatite B. O recrutamento baseou-se no tipo de terapia utilizada nos três meses que antecederam o recrutamento do grupo de estudo, sendo estabelecido o seguinte critério: (i) pacientes sem tratamento; (ii) pacientes recebendo inibidores de transcriptase reversa, análogos nucleosídicos e/ou não análogos nucleosídicos; (iii) pacientes recebendo terapia HAART com pelo menos um IP. O grupo controle foi composto de 20 homens e 9 mulheres. A média de idade para esse grupo foi 30,2 ± 7,6 anos variando também de 19 a 45 anos. Os indivíduos foram selecionados aleatoriamente de forma a contemplar a variação étnica da população brasileira.

Os parâmetros analisados em todos os indivíduos foram idade, sexo, concentração de vitaminas B12 e folato séricas. Para os portadores do HIV-1, foram determinados adicionalmente o número de linfócitos CD3+/CD4+ e CD3+/CD8+. Todos os indivíduos estavam sob dieta normal. O termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Termo de Doação de Material Biológico foram obtidos de todos os participantes do estudo. O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara, Unesp.

As amostras de sangue foram obtidas por punção venosa no período entre 7:00 e 9:00 da manhã após 12 horas de jejum. Sangue total colhido em tubos contendo EDTA foi utilizado para a contagem de linfócitos TCD4+ e TCD8+. A contagem de linfócitos foi realizada por citometria de fluxo (Beckton-Dickinson Immunocytometry Systems, San Jose, California, USA) com dupla coloração imunofluorescente (isotiocianato de fluoresceína e ficoeritrina). De acordo com a contagem de linfócitos TCD4+ os pacientes foram divididos em três grupos: (a) TCD4+ <200 células/mm3; (b) TCD4+ 201-400 células/mm3 (c) TCD4+ >400 células/mm3. Amostras de soro foram utilizados para a determinação quantitativa de folato e B12 por eletroquimioluminescência em aparelho de automação Elecsys 2010 – Roche com reagentes Roche (Roche Diagnostics GmbH, Mannheim, Germany). Na população portadora do HIV, 16 amostras apresentaram-se fortemente hemolisadas e, portanto foram retiradas da análise devido à alta concentração de folato eritrocitária.

Genotipagem da MTHFR. O DNA genômico foi extraído a partir de leucócitos periféricos utilizando técnica de salting out16. A mutação MTHFR C677T foi detectada através de amplificação por PCR da seqüência correspondente a região polimórfica do éxon 4 do gene da MTHFR flanqueada pelo oligonucleotídeos descritos por Frosst e colaboradores e subseqüente digestão com Hinf I8. A mutação MTHFR A1298C foi determinada pela amplificação da região polimórfica no éxon 7 do gene com os oligonucleotídeos descritos por van der Put e colaboradores e digestão do produto de PCR com Mbo II26. Os fragmentos esperados de cada mutação foram visualizados em gel de poliacrilamida não desnaturante 8% para a mutação MTHFR C677T e 15% para a mutação MTHFR A1298C, ambos corados pela prata. Para excluir qualquer possibilidade de má interpretação do padrão de bandas, 30% das amostras escolhidas aleatoriamente tiveram seu genótipo determinado duas vezes.

Análise Estatística. Diferenças na concentração das variáveis contínuas determinadas no trabalho foram apresentadas descritivamente nas tabelas pertinentes contendo média, desvio padrão e intervalo de confiança de 95%. As diferenças estatísticas foram determinadas entre os vários grupos de indivíduos usando o Teste t de Student não pareado presumindo variâncias populacionais diferentes. As freqüências genotípicas e alélicas foram estimadas utilizando o método da contagem dos genes. O teste de qui-quadrado (c2) foi usado para testar as diferenças nas freqüências genotípicas entre os grupos portadores e não portadores do HIV-1 e para verificar a concordância com a Hipótese do Equilíbrio de Hard-Weinberg (EHW). Correlações entre as variáveis contínuas foram avaliadas pelo coeficiente de correlação de Pearson. O nível de significância adotado foi a = 0,05.

 

RESULTADOS

Em nenhum dos grupos houve diferença significativa em relação ao sexo ou idade. As Figuras 1A e 1B mostram o padrão de bandas esperado após clivagem dos produtos de PCR com Hinf I e Mbo II para genotipagem da MTHFR, mutações C677T e A1298C respectivamente. A distribuição da freqüência genotípica e alélica da mutação MTHFR C677T mostrou concordância com a hipótese do EHW com relação a ambos os grupos. A população não infectada pelo HIV-1 mostrou maior freqüência do genótipo CC (79.3%) e com isso maior freqüência do alelo C (0,90) em relação ao grupo portador do HIV-1 (54,7% do genótipo CC e 0,74 do alelo C). Essa diferença não foi significativa conforme mostra o teste c2 (portadores x controles). Esses dados indicam que as amostras foram representativas da população e estão mostrados na Tabela 1. A respeito da mutação MTHFR A1298C, nos dois grupos estudados, cerca de 65% dos indivíduos eram portadores do genótipo AA, aproximadamente 25% portadores do genótipo heterozigoto para a mutação AC e cerca de 7% da população apresentou o genótipo CC (homozigoto mutado). Os dados das freqüências genotípicas e alélicas estão mostrados na Tabela 2. As duas populações mostraram concordância com a hipótese do EHW.

Tabela 3 mostra a avaliação da concentração de folato e vitamina B12 nas populações portadora e não portadora do HIV-1 evidenciando que não houve alteração significativa nos portadores do HIV em relação aos controles. A concentração de folato tendeu a permanecer inalterada entre os diferentes grupos de contagem de linfócitos TCD4+. Verificou-se uma tendência ao aumento de vitamina B12 em direção ao grupo com menor contagem de linfócitos TCD4+. Os valores de vitamina B12 foram significativamente maiores nos grupos CD4+<200 e CD4+201-400 células/mm3 em comparação ao grupo CD4+>400 células/mm3 (p=0,05, para ambos os casos). Entretanto, a correlação entre os valores de folato e vitamina B12 com o número de linfócitos TCD4+ e TCD8+ não mostrou nenhum coeficiente de correlação (r) significante entre eles (dados não mostrados).

A influência das duas mutações da MTHFR nos valores séricos de folato e B12 foi observada dividindo-se os grupos de acordo com seus genótipos encontrados na casuística. Por ser mais freqüente, os genótipo C677C e A1298A foram dispostos em grupos isolados. Os genótipos C677T e T677T, assim como A1298C e C1298C foram unidos. A Tabela 4 mostra os valores médios obtidos, desvio padrão e o intervalo de confiança 95% para cada um dos grupos. Apenas vitamina B12 no genótipo C677C do grupo controle mostrou diferença significante em relação ao mesmo genótipo na população portadora (p=0,026). Quando as duas mutações C677T e A1298C ocorrem concomitantemente presume-se que há diminuição mais acentuada da atividade da MTHFR, aumento conseqüente de HCys plasmática e possível diminuição de folato sérico. Em virtude dessa premissa, combinações genotípicas das duas mutações da MTHFR foram analisadas a fim de verificar se haviam alterações nas concentrações de vitaminas. As combinações genotípicas possíveis foram executadas de forma a proporcionar um número de representantes pelo menos igual a cinco para aplicação do teste estatístico. Foram encontrados seis dos nove haplótipos possíveis. Do total de indivíduos infectados pelo HIV, cerca de 12% eram heterozigotos para ambas as mutações (CT/AC). Não foram encontrados duplos homozigotos mutados (TT/CC). A análise das concentrações de folato e B12 de acordo com os haplótipos foi realizada tanto inter grupo (HIV vs. controle) e intragrupos dos infectados e dos doadores. Houve apenas uma tendência de diminuição de vitamina B12 no grupo com haplótipo CC/AA dos portadores do HIV-1 (320,06 ± 172,6) em relação ao mesmo haplótipo no grupo controle (423,66 ± 188,65). Finalmente, a Tabela 5 mostra que não ocorreu nenhuma alteração significante em nenhum dos grupos de acordo com a terapia antiretroviral em uso.

 

DISCUSSÃO

O presente trabalho centrou-se na verificação das concentrações de folato e vitamina B12, em relação ao perfil imunológico, a terapia antiretroviral, e os genótipos da MTHFR na população brasileira infectada pelo HIV-1, o que poderia constituir-se nesses indivíduos como um pré-requisito para o estabelecimento de um processo aterosclerótico derivado de um preditivo aumento plasmático de HCys. Ambas as doenças, AIDS e DAC guardam consigo um componente comum de cronicidade sendo que nesse sentido, o estado infeccioso contínuo do portador do HIV e a terapia antiretroviral poderiam ser fatores para alterações no metabolismo da metionina/homocisteína, já que o estímulo bioquímico para desencadear o processo aterosclerótico estará presente durante todo o longo curso insidioso da AIDS.

A especulação de que valores diminuídos de vitaminas do complexo B, no portador do HIV-1, associado a variantes genéticas que alteram o metabolismo da HCys justificaram nesse trabalho a genotipagem da MTHFR, já que ela está intimamente ligada ao aporte de folato no ciclo de remetilação da metionina. Isso se torna virtualmente importante, pois o indivíduo portador do HIV requer um aporte maior de folato23. A análise populacional da distribuição alélica para ambos os polimorfismos da MTHFR mostra similaridade com outros dados dessa natureza obtida da população brasileira1 6. As diferenças observadas na freqüência do alelo C encontradas na mutação C677T do grupo controle podem ser atribuídas ao acaso e à aleatoriedade das amostras, uma vez que a distribuição genotípica das mutações MTHFR C677T e A1298C apresentam grande variação étnica1 14 19.

A análise dos dados totalizados (Tabela 2), mostrou que a determinação de folato encontra-se próxima do limite inferior do valor de referência adotado no trabalho (4,20 – 19,90 ng/ml). Os valores de vitamina B12, por sua vez apresentaram-se um pouco mais distantes do valor limítrofe inferior (240 – 900 pg/ml), também dentro do intervalo de normalidade. Com isso, as concentrações de folato e B12 não tiveram diferenças significativas entre portadores e controles o que indica que ambas as populações aparentemente apresentam o mesmo perfil nutricional, característica anteriormente demonstrada para uma população semelhante2. Esse resultado difere daqueles observados previamente, nos quais valores diminuídos de vitamina B12 ocorreriam em qualquer estágio da infecção pelo HIV sendo esta causada principalmente por anormalidades das proteínas ligantes de B12 como a transcobalamina13 17 20. Entretanto, um importante ponto nesse sentido deve ser considerado, a maioria dos trabalhos que indicaram valores diminuídos tanto de vitamina B12 quanto de folato no portador do HIV, decorriam unicamente da própria infecção e/ou do seu perfil nutricional alterado pelo curso da infecção, não fazendo, portanto nenhuma alusão a um possível efeito da terapia HAART nesse panorama. A maioria desses trabalhos foi publicada em momentos nos quais os modelos terapêuticos eram menos eficazes, (terapia dupla com inibidores de transcriptase reversa apenas) ou no início da introdução dos consensos terapêuticos com inibidores de protease (HAART). Em razão disso, em estudos mais antigos ocorria uma maior prevalência de alterações nas concentrações dessas vitaminas21. Decorrente disso, e como as alterações nutricionais do portador podem ser explicadas em parte pela progressão da doença20, pode-se inferir a razão destas alterações não estarem presentes em indivíduos portadores tratados ambulatorialmente como aconteceu nesse estudo. Quando o grupo portador foi dividido de acordo com a contagem de linfócitos TCD4+, foi verificada diminuição de vitamina B12 no grupo com CD4+ >400 células/mm3 em relação ao grupo com contagens de linfócitos TCD4+ intermediária e mais baixa. Entretanto, concentrações diminuídas de vitamina B12 sempre estiveram correlacionadas com a progressão da doença e, portanto os menores valores deveriam ter sido encontrados no grupo com contagem de TCD4+ mais baixa20 23 25. O resultado oposto encontrado em nosso trabalho poderia ter ocorrido devido ao tamanho amostral e por variáveis confusionais não analisadas nessa coorte. Adicionalmente, e concordando com dados obtidos na “era HAART” não houve qualquer alteração nas concentrações de folato e B12 quando os pacientes foram divididos de acordo com a terapia em uso, o que sugere que as classes terapêuticas não causam influência nas concentrações dessas vitaminas e, portanto, indiretamente, nos valores de HCys total plasmática. Embora ainda existam poucos trabalhos que estabeleçam análises nutricionais e de micronutrientes nos portadores do HIV-1 em relação a HAART21, houve um decréscimo na prevalência de diminuição de vitamina B12 com esse esquema terapêutico21. Contrariamente às alterações do metabolismo lipídico no portador do HIV, as anormalidades quantitativas de micronutrientes podem não ser efetivamente persistentes no curso da epidemia e das modificações nesta trajetória pelo tratamento antiretroviral que passa por modificação a cada introdução de nova classe terapêutica.

A importância de se verificar se há ou não hiperhomocisteinemia durante a HAART advém do seu efeito multiplicativo com a hiperlipidemia induzida pelos IP a qual é altamente prevalente e também observada na população brasileira11 15 27. Em trabalhos nos quais se determinou a concentração de HCys total plasmática, esta parece estar ligeiramente aumentada na infeção pelo HIV, porém ainda aquém do limite superior de normalidade. Mesmo nos pacientes com concentrações menores de B12, a HCys ainda estava dentro da faixa de referência, porém com tendência ao aumento17 20. Essas observações podem ser comprovadas com o observado em estudos mais detalhados que levaram em conta a influencia dos IP. Verificou-se que menos de 30% dos indivíduos com baixa concentração de vitamina B12 apresentaram hiperhomocisteinemia real, indicando que somente a concentração de B12 é insuficiente para determinar possível presença de hiperhomocisteinemia. Em nossa casuística, a análise dos dados totalizados mostra que concentração de vitamina B12 variou de 135,60 a 934,40pg/ml nos portadores do HIV, sendo que 34% desses indivíduos mostraram queda de vitamina B12 abaixo do intervalo de referencia com média de 189,10pg/ml, mediana de 189pg/ml, enquanto que no grupo controle, apenas 7% dos indivíduos apresentaram valores abaixo do valor de referência. O estabelecimento das concentrações de vitamina B12 e folato no portador da infecção pelo HIV pode auxiliar na verificação de que a HCys requer importância especial nos portadores do HIV em relação à população não portadora e se será necessário instaurar medidas preventivas contra um potencial aumento de HCys plasmática. Uma vez que a agressão vascular ocasionada pela HCys é devido mais a um efeito gradual do aumento da sua concentração, ao invés de unicamente um mero valor limite referencial, qualquer contribuição para o aumento plasmático deste metabólito pode ser significante. Os dados obtidos nesse trabalho parecem mostrar que não há qualquer discrepância em termos de valores médios de folato e B12 entre a população portadora e da população controle. É possível inferir que os valores de HCys plasmática total não apresentariam alteração significativa em direção a hiperhomocisteinemia em termos de valores médios. Todavia para aqueles cerca de 34% de portadores com diminuição de B12 poderia não ser adequado inferir a mesma proposição. Bernasconi e colaboradores encontraram aumento de HCys no grupo tratado com IP em indivíduos do sexo masculino3. Entretanto o estudo de Bernasconi e colaboradores 3não trazia informações sobre as concentrações de vitamina B12 e folato em seu grupo de estudo o que impossibilita concluir se esse aumento observado foi devido a diminuição desses elementos. Estudos adicionais na população brasileira são necessários para reavaliar a prevalência da diminuição de vitamina B12 e folato na população portadora do HIV sob a ótica do uso de HAART e da melhoria na sobrevida dos pacientes. Estudos dessa natureza deverão primar na diferenciação entre uma real deficiência dessas vitaminas que contribuiriam para o aumento plasmático de HCys de uma mera diminuição sérica comum uma vez que os resultados permitem a priori concluir que nem os IP nem a variação genotípica da MTHFR mostraram diferenças relevantes nas concentrações de vitamina B12 e folato.

 

AGRADECIMENTOS

Ao Serviço Especial de Saúde de Araraquara (SESA) pelo auxílio na obtenção das amostras biológicas dos pacientes. Aos funcionários do laboratório de Imunologia Clínica e Biologia Molecular da FCF/UNESP, Maria Eugênia Coelho Silva, Keila Alves Pinto e Ana Paula Munhoz. A CAPES pela bolsa de Mestrado concedida (Malavazi, I).

 

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 Endereço para correspondência
Prof. Paulo Inácio da Costa
Deptº de Análises Clínicas/FCFAr/UNESP
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e-mail: iranmalavazi@bol.com.br

Recebido para publicação em 9/6/2003
Aceito em 10/9/2004

 

 

Apoio Financeiro: Núcleo de Atendimento a Comunidade (NAC-FCF) e FCFAr/UNESP.