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Estudo de associação entre antígenos leucocitários humanos e doença de Jorge Lobo

Elaine Valim Camarinha MarcosI; Fabiana Covolo de SouzaI; Elza Araújo TorresII; José Roberto Pereira LaurisIII; Diltor Vladimir de Araújo OpromollaIV

IEquipe Técnica de Imunologia do Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru, SP IIHospital de Anomalias Crânio-Faciais da Universidade de São Paulo, Bauru, SP IIIFaculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, Bauru, SP IVDivisão de Ensino e Pesquisa do Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru, SP

DOI: 10.1590/S0037-86822005000500007


RESUMO

A doença de Jorge Lobo é uma micose cutânea/subcutânea de evolução crônica, causada pelo fungo Lacazia loboi. Devido às características epidemiológicas e poucos estudos relacionados aos aspectos imunológicos dessa doença, o objetivo do trabalho foi investigar uma possível associação das especificidades HLA de classe II em 21 pacientes portadores da doença de Jorge Lobo, comparando com indivíduos sadios de mesma etnia. As tipificações HLA foram realizadas pelo método de PCR-SSP. O resultado não revelou qualquer tipo de associação entre os antígenos HLA e doença de Jorge Lobo. Embora sem significância estatística, foi observada a diminuição da freqüência do antígeno HLA-DR7 no grupo dos pacientes em relação aos controles (0% x 18%), sugerindo uma associação negativa (protetora) entre HLA-DR7 e doença de Jorge Lobo. Contudo, estudos devem ser continuados, objetivando melhor entendimento nos mecanismos envolvidos na suscetibilidade e/ou proteção dessa doença.

Palavras-chaves: HLA. Doença de Jorge Lobo. Micose. Imunologia.


ABSTRACT

Jorge Lobo’s disease is a cutaneous/subcutaneous mycosis with a chronic course, caused by the fungus Lacazia loboi. Considering its epidemiology and the few studies on immunological aspects of this disease, the objective of the present study was to investigate a possible association between HLA class II specificities in 21 Jorge Lobo’s disease patients, by comparing them with healthy individual of the same ethnic group. HLA typing was performed using PCR-SSP method. The result did not show any association between HLA antigens and Jorge Lobo’s disease. Although not statistically significant, a decreased frequency of HLA-DR7 was observed in the patients compared to the controls (0% x 18%). This suggests a negative association (protective) between HLA-DR7 and Jorge Lobo’s disease. Further studies, however, are needed for a better understanding of the susceptibility and/or protection mechanisms involved.

Key-words: HLA. Jorge lobo’s disease. Mycosis. Immunology.


 

 

A doença de Jorge Lobo5 é uma micose cutânea/subcutânea de evolução crônica, causada pelo Lacazia loboi14, o qual se assemelha filogenética e antigênicamente ao Paracoccidioides brasiliensis2 . Há casos descritos em vários países da América Latina, mas ocorre predominantemente na região amazônica do Brasil, onde se encontram 295 dos 458 casos já relatados7.

A micose tem sido observada em brancos, negros e índios, e uma peculiaridade a ser ressaltada é que a doença de Jorge Lobo apresentava alta prevalência entre a população indígena da tribo Caiabi, quando eles habitavam o território situado entre os rios Arinos e Teles Pires, formadores do rio Tapajós no estado do Mato Grosso. Ao serem transferidos para o Parque Nacional Indígena do Xingu não houve aparecimento de novos casos da doença entre os indivíduos da tribo. Esse dado sugere que outros fatores, como a pré-disposição genética, estejam envolvidos no aparecimento da doença4.

Embora existam relatos de transmissão acidental e experimental da doença de Jorge Lobo na literatura, não existe comprovação de transmissão inter-humana da doença, principalmente conjugal e familiar. Mesmo entre os índios Caiabi, não existem evidências de transmissão inter-humana, ao longo de 20 anos4.

Lacaz cols4 chamaram a atenção para a variabilidade da resposta do hospedeiro à infecção causada pelo L. loboi. Segundo os autores, alguns pacientes manifestam precocemente a forma disseminada da doença, enquanto outros apresentam lesão isolada ou localizada que assim permanece por longo tempo, ou indefinidamente. Entre essas duas situações haveria uma ampla variação no comportamento e na evolução da doença. Pouco se conhece sobre os aspectos imunológicos envolvidos nesta doença, possivelmente devido ao fato do agente etiológico não ser cultivável em meios artificiais até o momento1 4. Os mecanismos que favorecem a disseminação da micose e como ela ocorre não são conhecidos.

Os genes do complexo principal de histocompatibilidade (no homem, HLA), iniciam e controlam a resposta imune específica aos antígenos protéicos3 sendo que a maioria das doenças associadas ao HLA é resultado da interação entre fatores genéticos e o meio ambiente8 9 15. Assim, devido à alta prevalência da doença de Jorge Lobo na região amazônica brasileira, na sua alta incidência dentre os índios da tribo Caiabi e no fato de não haver transmissão inter-humana4, nós acreditamos que possa haver uma associação entre especificidades HLA e doença de Jorge Lobo.

Baseado nestas considerações e no pioneirismo deste tipo de investigação na doença de Jorge Lobo, nosso objetivo foi investigar a possível associação entre especificidades HLA e doença de Jorge Lobo, e comparar com indivíduos sadios de mesmo grupo étnico.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foram estudados 21 pacientes caucasóides brasileiros, portadores da doença de Jorge Lobo, oriundos do Estado do Acre, examinados pelo corpo clínico do Instituto Lauro de Souza Lima em Bauru, SP, com diagnóstico da micose confirmado pelo exame anatomopatológico.

O grupo controle foi constituído por 50 indivíduos sadios, caucasóides da população do Estado do Acre, não aparentados, registrados como doadores de sangue do hemocentro de Rio Branco, AC.

Extração DNA. Foi realizada a partir de células brancas do sangue venoso periférico pelo método de salting-out6.

Tipificação dos antígenos leucocitários humanos. HLA-DR (-DR1-16; 51,52,53) e -DQ (-DQ1-6) foram determinados pelo método de PCR-SSP, utilizando-se kits comercias de baixa e alta resolução (One-Lambda, USA).

Análise estatística. As freqüências das especificidades HLA observadas em pacientes e controles foram comparadas por meio do teste exato de Fisher. Os valores corrigidos de P (Pc) foram calculados multiplicando-se o valor de P pelo número de especificidades testadas13.

 

RESULTADOS

Os fenótipos HLA dos 21 pacientes são apresentados na Tabela 1.

 

 

As freqüências antigênicas observadas nos 21 pacientes e nos controles, são apresentados na Tabela 2.

 

 

A associação significativa observada entre pacientes e controles, bem como o valor exato de P, são mostrados na Tabela 3. A diferença foi com relação à freqüência diminuída do HLA-DR7, presente em 18% dos controles e ausente nos pacientes (P = 0,049). O valor de P relativo a essa comparação não permaneceu significativo após correção para o número de especificidades testadas (Pc = 0,882).

 

 

DISCUSSÃO

Neste trabalho, as freqüências dos antígenos HLA-DR e -DQ foram determinadas em 21 pacientes, com doença de Jorge Lobo. Dos pacientes estudados, 20 eram do sexo masculino com idade variando de 25 a 72 anos, e essa incidência pode ser explicada pelo fato de o homem dedicar-se mais às atividades rurais que as mulheres, ficando, assim, diretamente em contato com o agente etiológico.

A comparação das freqüências dos antígenos HLA observadas no grupo de pacientes com as determinadas nos controles, não revelou qualquer tipo de associação entre antígenos HLA e doença de Jorge Lobo. Embora a análise estatística não seja significativa (Pc >0,05), é importante ressaltar a diminuição na freqüência do antígeno HLA-DR7 no grupo de pacientes com relação ao grupo controle (0% x 18%), uma vez que, talvez, seja um indício de uma associação negativa (protetora) entre HLA-DR7 e doença de Jorge Lobo. Para confirmação deste dado, torna-se necessário uma amostra maior de pacientes e controles.

Ainda que para algumas doenças infecciosas um gene principal de suscetibilidade tenha sido proposto, a suscetibilidade para o agente infeccioso, bem como a patogênese da doença, são, geralmente, características multifatoriais. Em alguns casos, o componente genético não foi esclarecido, como na doença de Jorge Lobo, mas, para a maioria das doenças, os genes, seus produtos e o mecanismo de atuação estão sendo identificados. Dos genes que atuam na resposta imune, o HLA parece estar mais relacionado à modulação da forma e manifestação clínica da doença do que à suscetibilidade para infecção propriamente dita9. Como exemplo, pode-se citar a paracoccidioidomicose10 e a hanseníase11 12. A modulação da forma clínica da doença depende também, dos genes atuantes na imunidade inata, mas mecanismos protetores e de suscetibilidade dependem, provavelmente, de outros genes envolvidos e da natureza do patógeno9.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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 Endereço para correspondência
Dra. Elaine Valim Camarinha Marcos
Instituto Lauro de Souza Lima
Rod. Comandante João Ribeiro de Barros, km 225/26, Caixa Postal
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Tel: 55 14 3103-5871
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E-mail: imunologia@ilsl.br

Recebido para publicação em 4/6/2004
Aceito em 18/6/2005