Home » Volumes » Volume 37 May/June 2004 » Histoplasmose disseminada e SIDA. Importância do meio de cultivo para o espécime clínico-broncoscópico

Histoplasmose disseminada e SIDA. Importância do meio de cultivo para o espécime clínico-broncoscópico

Gisela Unis; Vanusa Barroso da Silva; Luiz Carlos Severo

Programa de Pós-graduação em Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

DOI: 10.1590/S0037-86822004000300008


RESUMO

A fibrobroncoscopia é um procedimento útil no diagnóstico da histoplasmose, quando o material clínico é processado adequadamente. São apresentados dez casos de histoplasmose disseminada em pacientes com SIDA, com avaliação micológica em cultivo, nos meios Mycosel® e ágar-Sabouraud cloranfenicol de espécimes clínicos colhidos por fibrobroncoscopia. A positividade do cultivo em Mycosel® foi de 60%, enquanto no ágar-Sabouraud cloranfenicol foi de 20%, evidenciando a importância do meio seletivo no isolamento do Histoplasma capsulatum var capsulatum de espécimes clínicos potencialmente contaminados, bem como a importância das informações clínicas para o laboratório, sendo esta a chave para o diagnóstico correto.

Palavras-chaves: Histoplasmose. SIDA. Histoplasma capsulatum var. capsulatum. Isolamento em cultivo. Lavado broncoalveolar.


ABSTRACT

Fiberoptic bronchoscopy is a useful procedure in the diagnosis of histoplasmosis, when the clinical material is adequately processed. Ten cases of disseminated histoplasmosis in patients with AIDS are presented here, with a mycological evaluation in culture, Mycosel® and Sabouraud’s chloramphenicol agar of clinical specimens obtained through fiberoptic bronchoscopy. The yield of Mycosel® culture was 60%, while in Sabouraud’s chloramphenicol agar it was 20%, supporting the importance of selective medium in the isolation of Histoplasma capsulatum var capsulatum from potentially contaminated clinical specimens, as well as the importance of clinical information for the laboratory as the key for a correct diagnosis.

Key-words: Histoplasmosis. AIDS. Histoplasma capsulatum var capsulatum. Isolation in culture. Bronchoalveolar lavage.


 

 

A histoplasmose é infecção causada pelo fungo termo-dimórfico Histoplasma capsulatum var capsulatum e o seu habitat natural é o solo enriquecido com excrementos de pássaros, morcegos e galinhas. A infecção é iniciada após inalação de microconídios sendo como regra de curso assintomático ou autolimitado, podendo resultar em variedade de manifestações clínicas: histoplasmose pulmonar aguda, histoplasmose pulmonar crônica e histoplasmose disseminada4. Todas as manifestações clínicas simulam tuberculose, sendo imprescindível o diagnóstico etiológico através de exames laboratoriais próprios9. Em pacientes com SIDA pode haver associação entre elas10 e confusão com pneumocistose pulmonar3. O diagnóstico clínico sem comprovação etiológica em doenças potencialmente graves leva a tratamentos empíricos que muitas vezes contribuem para morte do paciente.

O diagnóstico de histoplasmose depende de um alto grau de suspeição clínica e devido ao diminuto tamanho (2-4mm de diâmetro) da apresentação tecidual do fungo e à semelhança com outros elementos fúngicos leveduriformes, bem como outras estruturas não fúngicas12, o diagnóstico definitivo é fornecido pelo isolamento em cultivo9.

A identificação de um fungo dimórfico em qualquer material clínico tem conotação diagnóstica. Portanto, para lesões pulmonares com suspeita clínica da micose, inicialmente se avaliam espécimes obtidos por métodos não invasivos: escarro; seguindo com fibrobroncoscopia1: lavado broncoalveolar2, biópsia transbrônquica5; biópsia transcutânea11 e biópsia pulmonar a céu aberto8.

O sucesso do isolamento e a correta identificação de um fungo, bem como avaliação de sua importância clínica depende de vários fatores, como a coleta adequada do espécime clínico e o correto processamento do material no laboratório.

Salientar a importância do meio de cultivo para o diagnóstico de histoplasmose através do lavado broncoalveolar (LBA) e lavado brônquico (LB) justifica este trabalho.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foram revisados retrospectivamente os casos de histoplasmose catalogados nos arquivos do Laboratório de Micologia do Complexo Hospitalar Santa Casa, Porto Alegre, RS. Os critérios de inclusão foram: histoplasmose disseminada em pacientes com SIDA e avaliação micológica em cultivo, de LBA ou LB.

Rotina laboratorial. Parte do líquido (5ml) procedente do lavado é processado em citocentrífuga (2000rpm/15 min) e, a lâmina, com o esfregaço, é corada pela técnica de Gomori-Grocott com metenamina argêntica (GMS). O restante (10ml) é centrifugado (700rpm/20 min) com utilização do sedimento para semeadura de 3ml, respectivamente, em meios ágar-Sabouraud (DIFCO) cloranfenicol (União Química, 1%) e Mycosel® (BBL), processado em capela de fluxo laminar classe IIB (Trox Brasil Ltda, modelo FLV, série 636) quando havia suspeita de histoplasmose e/ou pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), e incubados a 25ºC. Cultivos positivos para Histoplasma capsulatum var capsulatum foram confirmados pelo aspecto micromorfológico (macroconídios tuberculados) e caracterização do dimorfismo térmico, pela conversão para a fase leveduriforme em ágar infusão de cérebro-coração (BHI) a 37ºC.

 

RESULTADOS

De 215 casos presentes na casuística de histoplasmose (outubro 1978 – novembro, 2003), dez casos preencheram os critérios de inclusão. Todos os pacientes eram homens, com idade entre 29 e 57 anos, brancos e procedentes do Rio Grande do Sul. Nos achados radiológicos o padrão predominante foi infiltrado pulmonar difuso (Figuras 1 e 2).

Em dois casos, ocorreu associação com pneumocistose (Caso 1 e 9) e em outro, com criptococose e tuberculose (Caso 8). A freqüência de isolamento do Histoplasma capsulatum var capsulatum em Mycosel® (Figura 3) foi de 60%. O isolamento em cultivo pelo SCl teve a mesma positividade da microscopia (20%). Outras técnicas diagnósticas incluíram: hemocultivo com lisecentrifugação (Isolator®), histopatologia , imunodifusão e cultivo de outros espécimes clínicos (Tabela 1).

DISCUSSÃO

O diagnóstico micológico da histoplasmose baseia-se fundamentalmente no isolamento do microrganismo de material clínico9. Neste sentido, a escolha do meio de cultivo deve levar em consideração a hipótese diagnóstica e o tipo de material clínico.

Lazzarini-de-Oliveira et al7, em estudo da utilidade da broncoscopia na investigação rotineira de infecções fúngicas, relatam 10 casos de histoplasmose em pacientes com SIDA, com cultivo de LBA positivo. Somente em dois casos a microscopia foi positiva. Neste estudo são especificados os meios utilizados, porém não relatam em qual houve o isolamento fúngico.

Salzman et al10, em um estudo de 18 casos de histoplasmose em pacientes em risco para SIDA, naqueles submetidos a fibrobroncoscopia, relatam positividade de 69% no cultivo de LBA e 14% na microscopia. No entanto, não relatam o meio de cultivo ou a coloração utilizada.

Wheat et al14, comparando métodos laboratoriais para diagnóstico de histoplasmose através de LBA, em 27 pacientes com SIDA e histoplasmose disseminada, obtiveram 70% de positividade na microscopia, utilizando duas colorações (GMS e Giemsa), e 89% em cultivo. Em outro estudo da sensibilidade dos testes diagnósticos para histoplasmose, em pacientes com SIDA, Wheat13 relata positividade de 70% tanto na microscopia como no cultivo de LBA, em 72 pacientes com histoplasmose disseminada. Porém, em nenhum destes estudos foram mencionados os meios de cultivo utilizados.

Esta variabilidade encontrada em relação ao cultivo e a microscopia pode ser creditada aos diferentes métodos utilizados para detectar o agente etiológico, tornando difícil comparar estes dados.

O Mycosel® e seu similar Micobiotic® são meios seletivos indicados para isolamento de dermatófitos. A presença de antibiótico (cloranfenicol) e antifúngico (ciclo-heximida) frenam o desenvolvimento de bactérias e fungos contaminantes6, permitindo o isolamento do Histoplasma capsulatum var capsulatum, de crescimento mais lento.

Por fim, deve ficar claro para médicos em geral a importância de constar, no pedido de exame microbiológico de qualquer espécime obtido por broncoscopia, a hipótese de histoplasmose ou pelo menos de que o paciente tenha SIDA ou qualquer tipo de imunossupressão, para que o material seja semeado em meio seletivo, facilitando o isolamento de fungos com dimorfismo térmico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Baselski VS, Wunderink RG. Bronchoscopic diagnosis of pneumonia. Clinical Microbiology Reviews 7:533-558, 1994.        [ Links ]

2. Baughman RP, Dohn MN, Frame PT. The continuing utility of bronchoalveolar lavage to diagnose opportunistic infection in AIDS patients. American Journal of Medicine 97:515-522, 1994.        [ Links ]

3. Baughman RP, Strohofer SS, Clinton BA, Nickol AD, Frame PT. The use of an indirect fluorescent antibody test for detecting Pneumocystis carinii. Archives of Pathology Laboratory Medicine 113:1062-1065, 1989.        [ Links ]

4. Goodwin RA, Des Prez RM. Histoplasmosis. State of the art. American Review of Respiratory Disease 117:929-956, 1978.        [ Links ]

5. Huang CT, McGarry T, Cooper S, Saunders R, Andavolu R. Disseminated histoplasmosis in the acquired immunodeficiency syndrome. Report of five cases from a nonendemic area. Archives of Internal Medicine 147:1181-1184, 1987.        [ Links ]

6. Koneman EW, Roberts GD. Williams & Wilkins (eds) Practical laboratory mycology, 3rd edition, Baltimore, 1985.        [ Links ]

7. Lazzarini-de-Oliveira LC, Arantes AA, Caiuby MJM. Utilidade da investigação rotineira de infecção fúngica pela broncoscopia em pacientes infectados ou não pelo HIV em um hospital geral, referência para SIDA. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 32:255-261, 1999.        [ Links ]

8. Prechter CG, Prakask UBS. Bronchoscopy in the diagnosis of pulmonary histoplasmosis. Chest 95:1033-1036, 1989.        [ Links ]

9. Rippon JW. Histoplasmosis (Histoplasmosis capsulati). In: Medical Mycology, WB Saunders Company (eds) 3rd edition, Philadelphia, p. 381-423, 1988.        [ Links ]

10. Salzman SH, Smith RL, Aranda CP. Histoplasmosis in patients at risk for the acquired immunodeficiency syndrome in a nonendemic setting. Chest 93: 916-921, 1988.        [ Links ]

11. Severo LC, Rizzon CFC, Roesch EW, Oliveira FM, Porto NS. Chronic pulmonary histoplasmosis in Brazil: Report of two cases with cavitation diagnosed by transthoracic needle biopsy. Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 39:293-297, 1997.        [ Links ]

12. Tewari R, Wheat LJ, Ajello L. Agents of histoplasmosis. In: Topley & Wilson’s (eds) Medical mycology. Microbiology and microbial infections, 9th edition, London, p. 373-393, 1998.        [ Links ]

13. Wheat LJ. Histoplasmosis in AIDS. AIDS Clinical Care 4:1-4, 1992.        [ Links ]

14. Wheat LJ, Connolly-Stringfield P, Williams B, Connolly K, Blair R, Bartlett M, Durkin M. Diagnosis of histoplasmosis in patients with the acquired immunodeficiency syndrome by detection of Histoplasma capsulatum polysaccharide antigen in bronchoalveolar lavage fluid. American Review Respiratory Diseases 145:1421-1424, 1992.        [ Links ]

 

 

 Endereço para correspondência
Dr. Luiz Carlos Severo
Laboratório de Micologia/Complexo Hospitalar Santa Casa
Rua Annes Dias 285
90020-090 Porto Alegre, RS
Fax: 55 51 214-8435
e-mail: severo@santacasa.tche.br

Recebido para publicação em 24/12/2003
Aceito em 4/3/2004