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Ineficácia in vivo da terbinafina em leishmaniose cutânea causada por Leishmania (Leishmania) amazonensis em camundongos C57BL/6

Raimunda Nonata Ribeiro Sampaio; Gustavo Henrique Soares Takano; Ana Cristina Barbieri Malacarne; Tércio Rodrigues Pereira; Albino Verçosa de Magalhães

Laboratório de Dermatomicologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília. Brasília, DF

DOI: 10.1590/S0037-86822003000400018


RESUMO

Testou-se, em camundongos C57BL/6 inoculados com a cepa MHOM/BR/PH8 de Leishmania (Leishmania) amazonensis, terbinafina via oral 100mg/kg/dia, por 20 dias, solução salina 0,9% via oral como controle e stibogluconato de sódio 400mg SbV/kg/dia via subcutânea como padrão-ouro. A terbinafina mostrou-se ineficaz, clínica e parasitologicamente, e pelo ensaio por diluição limitante, quando comparada aos controles.

Palavras-chaves: Leishmaniose. Terbinafina. Tratamento.


ABSTRACT

The efficiency of terbinafine was tested in C57BL/6 mice inoculated with the Leishmania (Leishmania) amazonensis strain MHOM/BR/PH8. The mice were administered: terbinafine at a dose of 100mg/kg/d by via oral; 0.9% saline solution orally as the control; and subcutaneous sodium stibogluconate 400mg SbV/kg/d as gold standard, for 20 days. Terbinafine was demonstrated to be ineffective when compared to the controls, using clinical and parasitological parameters and the limiting dilution assay.

Keywords: Leishmaniasis. Terbinafine. Treatment.


 

 

O tratamento de primeira escolha da leishmaniose tegumentar americana (LTA) é representado pelo antimonial pentavalente (antimoniato de N-metil-glucamina stibogluconato de sódio). No caso de falha terapêutica, ou contra-indicação dos mesmos, usa-se a anfotericina B ou a pentamidina10. Contudo, os custos, efeitos adversos, administração parenteral e o índice de falhas, justificam a busca de alternativas mais eficazes11 12.

A terbinafina é um derivado da alilamina com potente ação fungicida, de administração oral. Age inibindo a enzima esqualeno oxidase, que sintetiza o ergosterol, importante para a síntese da membrana celular em muitos fungos; não interfere com o citocromo p-450 e, portanto, não tem efeitos tóxicos graves1. Em contraste, a anfotericina B liga-se ao ergosterol, formando poros, e deste modo, interferindo na permeabilidade da membrana celular fúngica e permitindo o extravasamento de componentes celulares. Também tem a capacidade de ligar-se ao colesterol das membranas humanas levando a sérios efeitos tóxicos5. Já foi demonstrada a ação eficaz in vitro da terbinafina contra cepas de Leishmania tropica2Leishmania (Mexicana) mexicana6, e Leishmania major3. Não houve eficácia para outro protozoário, o Trypanosoma cruzi 9.

Nosso objetivo foi verificar a eficácia da terbinafina na infecção causada pela Leishmania (Leishmania) amazonensis, um dos agentes etiológicos da leishmaniose em nosso país, comparando com o padrão ouro, o antimonial pentavalente.

No experimento aqui relatado, foram utilizados camundongos machos da cepa C57BL/6 e parasitas da cepa de Leishmania (Leishmania) amazonensis MHOM/BR/PH88. Sessenta camundongos foram infectados com 3×106 promastigotas de Leishmania (Leishmania) amazonensis no coxim plantar da pata traseira direita.

O grupo de estudo foi tratado com a terbinafina (TRB) 100mg/kg/dia por via oral (VO)5.O grupo padrão ouro foi tratado com stibogluconato de sódio (SBG) 400mg/kg/dia por via subcutânea (SC)14 e o grupo controle foi tratado com cloreto de sódio 0,9% VO uma vez ao dia, no mesmo volume do grupo de estudo, que foi de 0,3ml. Os tratamentos tiveram a duração de 20 dias, dose única diária, e realizados após o aparecimento das lesões, que se deu em 7 semanas para todos os animais.

O critério utilizado foi clínico e parasitológico: os diâmetros das patas dos camundongos, esfregaço e cultura da lesão, realizados 30 dias após o início do tratamento; e por diluição limitante, realizado 66 dias após o início do tratamento.

A medida foi realizada na maior espessura dorso plantar da pata inoculada do camundongo, feita com auxílio de um paquímetro de precisão de décimo de milímetro. O esfregaço foi corado pela coloração de Giemsa, e a cultura foi suspensa no meio bifásico Nove-McNeal-Nicolle (NNN), quatro tubos para cada grupo de estudo.

O método de diluição limitante estima o número de formas amastigotas viáveis em cada pata do grupo estudado, utilizando-se de duas patas de camundongos diferentes por grupo de estudo, maceradas e homogeneizadas de forma asséptica para a suspensão das formas amastigotas. O material resultante foi diluído sob potência de dez, em meio RPMI acrescido de 20% de soro bovino fetal, e distribuído em uma placa tipo ELISA fundo chato, 96 poços, com 12 repetições para cada título. Caso haja uma amastigota em cada poço, crescerão formas promastigotas após cerca de 10 dias em estufa a 23,5oC. A leitura foi feita em microscópio de luz invertida sob objetiva de 40 vezes, onde foram contadas as formas promastigotas de cada poço. Os dados foram analisados com auxílio do software ELIDA, que calcula o número, provável, de amastigotas por pata utilizada7.

A mortalidade pré-tratamento foi de 16 animais, correspondendo a 26,7% dos animais inoculados. Os 44 animais sobreviventes foram divididos, aleatoriamente, em 3 grupos, sendo 15 tratados com terbinafina, 14 com salina e 15 com stibogluconato de sódio. Destes, 13 animais apresentavam prolapso retal, sendo 4 do grupo terbinafina, 6 do grupo salina e 3 do grupo stibogluconato de sódio. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos, quanto a essa complicação (p=0,385).

O diâmetro das lesões do grupo tratado com stibogluconato de sódio foi significamente menor do que do grupo controle (p=0,007). O diâmetro do grupo tratado com terbinafina, não mostrou diferença significante quando comparado ao grupo controle (p=0,851). Na Tabela 1 pode, ainda, ser observada a diferença entre a pata inoculada (direita) e a não inoculada (esquerda) entre os grupos.

Quatro esfregaços foram realizados em cada grupo, sendo todos positivos no grupo salina, 3 no grupo TRB (p=0,285) e 1 no grupo SBG (p=0,0284). Quatro culturas foram realizadas em cada grupo, com todas positivas para salina, 2 para TRB e 1 para SBG. Houve contaminação de 3 culturas, sendo duas da TRB e uma de SBG, não permitindo o cálculo estatístico.

O resultado da diluição limitante foi obtido com o auxílio do pacote estatístico ELIDA, que interpreta a dispersão da positividade nas placas, dizendo se esta é válida. Em caso positivo, estima o número de formas viáveis, e seu desvio padrão, conforme pode ser observado na Tabela 213.

Conclui-se, portanto: 1) que não houve diferença entre o grupo tratado com terbinafina, na dose de 100mg/kg/dia, quando comparado ao grupo controle, tratado com solução salina, quanto ao tamanho das lesões, a positividade do esfregaço e a quantidade de amastigotas viáveis por pata infectada. Houve diferença significativa do grupo tratado com stibogluconato de sódio, na dose de 400mg SbV/kg/dia, quando comparado ao grupo controle tratado com solução salina, quanto ao tamanho das lesões, a positividade do esfregaço e a quantidade de amastigotas viáveis por pata; 2) que a terbinafina não parece eficaz in vivo para Leishmania (Leishmania) amazonensis em modelo murino. Este resultado confirma os dados obtidos por nós, em estudo anterior, in vitro4.

A causa das mortes e agravos nos camundongos foi diagnosticada como infestação por um nematelminto da ordem Oxyuridea, espécie Scyphacia muris. Trata-se de um parasita restrito ao intestino grosso, cuja infestação causa prolapso retal por efeito irritativo local, e sintomas causados pela perda sangüínea. A mortalidade foi homogênea para todos os grupos, tanto na fase pré-tratamento, quanto durante o mesmo, não influenciando a análise estatística. Provavelmente, por infestar apenas o intestino grosso e não provocar distúrbios de motilidade, não deve ter interferido diretamente na absorção gastrointestinal da terbinafina. A possibilidade de viés devido a esta co-morbidade é então pequena, e, se existente, homogênea para todos os grupos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Profa Raimunda Nonata Ribeiro Sampaio
Laboratório de Dermatomicologia
Faculdade de Medicina/UnB, Campus Universitário Darcy Ribeiro
70910-900 Brasília, DF, Brasil
Fax: 61 367-3825, 273-0105
e-mail: rnrsampaio@hotmail.com ou rsampaio@unb.br

Recebido para publicação em 10/6/2003
Aceito em 12/6/2003