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Aleitamento e parasitismo intestinal materno-infantil

Lêda Maria Costa-Macedo1 e Luis Rey2

1. Disciplina de Parasitologia do Departamento de Patologia e Laboratórios da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 2. Departamento de Medicina Tropical do Instituto Oswaldo Cruz/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

DOI: 10.1590/S0037-86822000000400007


RESUMO: Entre março e maio de 1991, a prevalência das enteroparasitoses e o aleitamento materno foram determinados simultaneamente em 208 crianças menores de dois anos de idade e suas mães, atendidas em Instituição Pública de Saúde no Rio de Janeiro. Através da técnica de sedimentação, detectou-se positividade geral de 12,7% para as crianças, e 37,3% para as mães. Ascaris lumbricoides foi o parasito mais prevalente nas mulheres (12,7%) e nos lactentes (4,3%). A distribuição dos parasitos entre os grupos de aleitamento não variou para as mulheres, mas foi estatisticamente significativa em relação às crianças (p < 0,05). Nenhuma criança em aleitamento exclusivo apresentou parasitose. Verificou-se correlação positiva entre parasitismo e desmame. Cerca de 60% das crianças parasitadas eram filhas de mães também parasitadas, sendo detectado um risco 1,7 vezes maior destas crianças virem a apresentar algum parasito intestinal. Acreditamos que a mãe parasitada possa influenciar na freqüência do parasitismo infantil.
Palavras-chaves: Parasitos intestinais. Aleitamento materno. Materno-infantil. Epidemiologia.

ABSTRACT: From March to May 1991, the prevalence of intestinal parasites was detected in 208 children under two-year old, from out patients attending the Public Health Service in Rio de Janeiro. Maternal parasitic infection was simultaneously investigated. Information regarding nurseling’s breast-feeding and enteroparasites rates was also recorded. The centrifugal-sedimentation was the method used for stool analysis. Positivity was observed in 12.7% for children and 37.3% for women. Ascaris lumbricoides was the most frequently detected parasite in children under one-year old (4.3%) and mothers (12.7%). The distribution of parasites accordingly to breast-feeding showed a significant statistical difference (p < 0.05) among infants. No exclusively suckled child presented infection. Children whose mothers were infected showed almost two fold risk of infection (1.7). A correlation between enteroparasites and weaned children was observed (r = 0.75). We believe that infected mothers can contribute for parasitic infection of their kids.
Key-words: Intestinal parasites. Breast-feeding. Infants. Epidemiology.

 

 

Contrastando com os avanços tecnológicos observados no fim do milênio, as parasitoses intestinais ainda se constituem um grande problema de saúde pública, sobretudo nos países em desenvolvimento, onde parasitos, como o Ascaris lumbricoides, são responsáveis por índices mais elevados de infecção1 4 10.

A criança tem-se mostrado o alvo da infecção parasitária e é nela que as repercussões da parasitose tornam-se mais significativas5 21. No Brasil, mais da metade de pré-escolares e escolares encontra-se parasitada6 7 18. Todavia, trabalhos sobre o parasitismo intestinal em crianças menores de dois anos são escassos apesar de já se saber que a parasitose, sobretudo a ascariose, aparece cada vez mais precocemente nesta faixa etária6 9 13 19.

Pouco se conhece sobre a interferência do aleitamento materno na prevalência do parasitismo intestinal. Porém, alguns autores detectaram associação entre aleitamento e prevalência diminuída de algumas parasitoses14.

A figura materna, preponderante nos primeiros anos de vida da criança, tem-se mostrado desassistida com relação ao controle dos enteroparasitos durante os períodos pré e pós-natal2 8 11 16 17 22. Além disso, pouco se conhece sobre a influência do parasitismo materno na prevalência da infecção infantil, que é contestada por alguns autores11, porém admitida por outros3 22.

Os objetivos deste trabalho foram verificar a freqüência das enteroparasitoses em crianças menores de dois anos de idade, avaliar a simultaneidade do parasitismo intestinal materno e associar o parasitismo infantil com a forma de aleitamento natural realizado no momento do estudo.

 

MATERIAL E MÉTODOS

A amostra foi extraída do Serviço de Puericultura da Policlínica Piquet Carneiro (Ministério da Saúde/SUS/UERJ), localizado no Rio de Janeiro, entre março e maio de 1991.

A prevalência das enteroparasitoses foi verificada em 260 crianças menores de dois anos e em 220 mães, sendo que em 208 casos os exames foram realizados simultaneamente. Os potes para a coleta do material, uma amostra de fezes frescas de cada, foram distribuídos às mães após orientação.

O material foi processado pela técnica de sedimentação por centrifugação em sistema descartável (Parasitokit, Biotécnica), constituído de tubo cônico (15ml) e funil com extremidade porosa funcionando como filtro. O material foi diluído em água, filtrado e centrifugado a 1500 rotações por minuto, durante dois minutos.

Por entrevista, obtivemos informações sobre o aleitamento materno em 223 das crianças e 203 das mães incluídas no diagnóstico parasitológico, as quais foram distribuídas em grupos de aleitamento exclusivo, parcial e desmamadas.

As associações entre as variáveis relatadas no trabalho foram feitas utilizando-se o teste do qui-quadrado, com nível de significância de 95%. Em uma das tabelas, foi calculada a razão de risco para avaliar as chances de uma criança, filha de mãe parasitada, de apresentar-se também parasitada, ou seja, consideramos o parasitismo materno como fator de risco ao parasitismo infantil. Foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson entre as variáveis parasitose infantil e desmame20.

RESULTADOS

A freqüência total dos parasitos encontrados nas crianças foi de 12,7%, variando significativamente a positividade entre os grupos etários estudados (p < 0,05). Os parasitos mais frequentes foram A. lumbricoides para os menores de um ano e Giardia lamblia para os de um ano de idade (Figura 1). Entre as crianças de um ano, dois exames foram positivos para Entamoeba coli e um para Endolimax nana. Somente nesta faixa etária foi evidenciado poliparasitismo em 3 (1,1%) crianças.

O parasitismo materno esteve presente em 37,3% das mulheres (n = 220), sendo liderado pelo A. lumbricoides, responsável por 12,7% das infecções parasitárias, seguido por G. lamblia com 5% e Trichuris trichiura com 3,6%. A distribuição das mulheres nos grupos, segundo o aleitamento materno, mostrou que a distribuição dos parasitos não variou conforme os grupos. Para as crianças, no entanto, a associação entre parasitismo e aleitamento foi verificada estatisticamente. Nenhum caso de parasitismo foi observado nas 32 crianças em aleitamento exclusivo (Tabela 1).

O perfil de aleitamento materno, segundo a idade das crianças estudadas, é apresentado na Figura 2. Observa-se que o aleitamento exclusivo é realizado em mais de 70% dos lactentes menores de três meses, mas em apenas 17% após esta idade. Após os seis meses, mais da metade das crianças já foi desmamada. Neste gráfico, as linhas que representam as freqüências das crianças parasitadas e a de desmamadas variaram num mesmo sentido indicando uma correlação positiva entre estas variáveis (r = 0,75).

 

Com relação à simultaneidade do parasitismo materno-infantil, a Tabela 2 mostra que quase 60% das crianças parasitadas eram filhas de mães também infectadas. Houve associação estatisticamente significativa entre o parasitismo materno e o infantil (p < 0,05), detectando-se um risco 1,7 vezes maior para a criança, filha de mãe parasitada, de adquirir a infecção.

 

 

DISCUSSÃO

As parasitoses intestinais, apesar de bem conhecidas nos países em desenvolvimento, são pouco estudadas no segmento materno-infantil da população. Além do desconhecimento das freqüências de parasitismo nestes indivíduos, as drogas antiparasitárias, por serem pouco estudadas quanto às repercussões em gestantes, puérperas e em crianças menores de dois anos, são pouco recomendadas a esta população.

Com relação à prevalência das enteroparasitoses nas crianças, observou-se infecção em 24% das crianças de um ano de idade, percentual significativo dado a capacidade espoliativa do parasito mais encontrado nesta faixa etária (G. lamblia). O percentual de ascariose encontrado entre os lactentes confirma o achado em outros trabalhos6 e nos surpreende pelo fato dessa geohelmintose, com período pré-patente em torno de dois meses, infectar tão precocemente essas crianças.

O perfil de aleitamento das crianças encontrado neste estudo (Figura 2) concorda com o apresentado pelo IBGE (1992), onde constata-se que em crianças de baixa renda o desmame é precoce. Têm-se estudado a importância do leite materno na diminuição do parasitismo infantil. Em estudos in vitro com o leite humano, foi identificada enzima com atividades giardicida15. Outros autores detectaram taxas menores de parasitismo por A. lumbricoides e G. lamblia em lactentes aleitados naturalmente14. A correlação positiva entre o desmame e o parasitismo infantil (Figura 2), leva-nos a sugerir que medidas de incentivo ao aleitamento natural sejam instituídas como contribuição ao controle das enteroparasitoses nos lactentes.

As taxas de parasitismo materno distribuídas homogeneamente entre os grupos de aleitamento estabelecidos neste estudo, sugerem que as crianças e as mães estavam igualmente expostas ao risco de infecção parasitária. Entretanto, nenhuma criança apresentou-se infectada quando em aleitamento exclusivo, verificando-se associação estatística entre aleitamento materno e a freqüência do parasitismo infantil (Tabela 1).

A simultaneidade encontrada entre o parasitismo materno e o infantil mostrou um risco 1,7 vezes maior para o filho da mulher parasitada de apresentar também infecção parasitária (Tabela 2). Alguns trabalhos ressaltam a importância da contaminação ambiental facilitada por manipuladores de alimentos, estreitamente relacionados ao lactente12, ou da própria mãe13, influenciando na prevalência das parasitoses intestinais dos lactentes. Outros recorrem a mecanismos imunológicos para explicar o baixo parasitismo dos lactentes seguido por súbita elevação nas crianças de um ano, considerando que a passagem de anticorpos maternos, de mãe imune, protegeria a prole nos primeiros meses, porém tornando-a mais susceptível após3.

O método realizado já foi verificado ser de baixa sensibilidade, com percentual considerável de falsos-negativos17. Desta forma, o parasitismo intestinal encontrado entre mãe e filho pode apresentar-se subestimado neste trabalho.

Diante desses achados, acreditamos que a mãe parasitada possa influenciar na freqüência do parasitismo infantil seja diretamente, como no caso de transmissão das protozooses intestinais; seja indiretamente, contribuindo para o aumento da contaminação ambiental; seja como intermediária, veiculando parasitos geo-helmintos, como no caso do A. lumbricoides, do meio contaminado (peridomiciliar) para a criança (intradomiciliar).

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