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Estudo comparativo entre o estibogluconato de sódio BP88® (Shandong Xinhua – China) e o antimoniato de meglumina (Rhodia – Brasil) no tratamento da forma cutânea de leishmaniose tegumentar americana, na área endêmica de Corte de Pedra, Bahia, Brasil

Ana Cristina Rodrigues Saldanha

Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília

DOI: 10.1590/S0037-86821998000200013


Os antimonias pentavalentes constituem a primeira linha no tratamento das leishmanioses. Atualmente, existem comercialmente disponíveis apenas duas fórmulas destes compostos: o Antimoniato-N-metilglucamina (Meglumina Antimoniato) e o Estibogluconato de Sódio. No Brasil, há mais de 50 anos o Antimoniato-N-metilglucamina, produzido pelo laboratório Rhodia, têm sido utilizado, como único antimonial pentavalente, distribuído pela Central de Medicamentos (CEME). O Ministério da Saúde do Brasil (MS), a partir de 1996, começou a importar o estibogluconato de sódio BP88®, fabricado na China, visando diminuir os custos do tratamento das leishmanioses. A ausência de relatos sobre a utilização deste composto e a escassez de estudos comparativos entre os dois antimoniais pentevalentes motivaram a realização deste estudo. Objetivou- se, portanto, comparar a efetividade entre o estibogluconato de sódio BP88®, fabricado pelo laboratório Shandong Xinhua e o Antimoniato-N-metilglucamina (Meglumina Antimoniato), fabricado pelo laboratório Rhodia, no tratamento da forma cutânea de leishmaniose tegumentar americana (LTA). Realizou-se um estudo do tipo analítico, quase-experimental, aberto, com acompanhamento de duas coortes, entre setembro de 1996 e junho de 1997, no distrito de Corte de Pedra, município de Presidente Tancredo Neves, localizado no Sul da Bahia, área endêmica de LTA, produzida quase que exclusivamente pela Leishmania (Viannia) braziliensis. Neste período, foram incluídos no estudo 127 pacientes portadores da forma cutânea de LTA. O diagnóstico baseou-se principalmente na observação clínica associada a um teste de intradermorreação de Montenegro (IDRM) positivo. Exames histopatológico e pesquisa direta de Leishmania, pela técnica de aposição de fragmento cutâneo sobre lâmina de vidro, complementaram o diagnóstico. Cinquenta e oito pacientes foram tratados com Meglumina Antimoniato, fabricado pelo laboratório Rhodia, e 69 com Estibogluconato de Sódio BP88®, fabricado na China. Utilizou-se uma dose de 20mg/Sbv/Kg/dia, por um período de 20 dias, em ambos os tratamentos. Análise sérica de aminotransferases (AST/ALT), amilase, uréia e creatinina, foi realizada nos dia zero, 10 e 20 do esquema terapêutico. Procedeu-se a análise eletrocardiográfica seguindo-se o mesmo cronograma da análise bioquímica, adicionando-se uma nova avaliação três meses após o final do tratamento. A análise da toxicidade foi metodologicamente cega. Os pacientes foram clinicamente acompanhados mensalmente, por um período de três meses, após o final do tratamento. O parâmetro para determinação de cura foi essencialmente clínico. A amostra foi composta, em sua maioria, de indivíduos do sexo masculino, adultos-jovens, portadores de lesões ulceradas únicas, localizadas em membros inferiores. O número máximo de lesões por paciente foi igual a 4, tendo sido observado em apenas 2,4% dos pacientes. Análise da distribuição de variáveis clínicas e terapêuticas entre os dois grupos foi realizada utilizando-se os testes estatísticos de Chi-quadrado e Análise de Variância (ANOVA). Desta forma pode- se constatar a homogeneidade e comparabilidade entre os dois grupos. Obteve-se cura clínica em 62% dos pacientes tratados com Meglumina Antimoniato e em 55% daqueles tratados com Estibogluconato de Sódio. Essa diferença não foi estatisticamente significativa (p = 0.33). Os efeitos colaterais referidos na primeira metade do tratamento, por ordem de frequência, foram: mialgia (86.6%), febre não aferida (23.6%), cefaléia (22.8%), anorexia (16.5%), artralgia (10.2%), dor abdominal (7.0%), palpitações (4.7%) e parestesia (2.3%). Ao final do tratamento observou- se uma elevação na frequência dos efeitos colaterais acima relatados. Comparando-se a incidência acumulada dos efeitos colaterais entre os dois grupos de tratamento, observou-se uma diferença estatisticamente significativa, quanto a ocorrência de cefaléia na primeira metade do tratamento, tendo sido mais importante no grupo tratado com Estibogluconato de Sódio (p = 0.026). Na segunda metade do tratamento os pacientes tratados com Estibogluconato de Sódio apresentaram com maior freqüência efeitos colaterais do tipo: mialgia e/ou artralgia (p = 0.007); dor abdominal e/ou anorexia (p = 0.003) e outros sintomas como náuseas vômitos, alterações do paladar e hiperemia conjuntival (p = 0.003). Quanto à análise da toxicidade, observou-se alterações qualitativas e quantitativas mais significativas, nos níveis séricos de amilase e aminotransferases no grupo tratado com Estibogluconato de Sódio. Valores de amilase de até 4.000 U/l foram observados neste grupo de tratamento, enquanto que o valor máximo no grupo tratado com Meglumina Antimoniato foi igual a 1.108 U/l. As alterações eletrocardiográficas mais frequentes foram: alargamento do intervalo QTc, alterações de repolarização e alterações isquêmicas. A freqüência destas alterações não diferiu entre os dois grupos terapêuticos, entretanto, aquelas indicativas de maior gravidade (alterações isquêmicas e de repolarização ventricular) foram mais freqüentes no grupo tratado com Estibogluconato de Sódio. Em um paciente, deste grupo terapêutico, houve necessidade de interrupção do tratamento em conseqüência de arritmia cardíaca (ECG: extrassístoles multifocais e polimorfas), após a 10ª dose do tratamento. Outros dois pacientes tratados com o estibogluconato de sódio apresentaram efeitos colaterais graves, necessitando de interrupção do tratamento para regressão dos sintomas: em um caso ocorreu exantema cutâneo extremamente pruriginoso e no outro paciente ocorreu artralgia severa incapacitante. Concluí-se que o Estibogluconato de Sódio BP 88®, atualmente utilizado no Brasil, é igualmente eficaz, porém mais tóxico que o Antimoniato-N-metilglucamina, que há mais de 50 anos vem sendo utilizado, em nosso país, para o tratamento das leishmanioses. Portanto, a relação risco x benefício não justifica a substituição do Meglumina Antimoniato pelo Estibogluconato de Sódio BP88®.

Comparative study between the sodium stibogluconate BP88®(Shandong Xinhua -China) and the meglumine antimoniate (Rhodia – Brazil) on the treatment of cutaneous leishmaniasis, in the endemic area Corte de Pedra, Bahia, Brazil

Pentavalent antimonial compounds are first-choice drugs for the treatment of leishmanaisis. Currently, there are only two available forms of the compounds: sodium stibogluconate and meglumine antimoniate. In Brazil, meglumine antimoniate, produced by Rhodia Laboratories (Glucantime®) and distributed by a Federal Agency (Central de Medicamentos-CEME), has been used for more than 50 years. Aiming a reduction in costs, the Brazilian Ministry of Health began to import sodium stibogluconate (BP88®), produced in China by Laboratory Shandong Xinhua. The rationale of this work was the lack of information about the usage of this compound as well as scarcity of comparative research between both pentavalent antimonial drugs. The objective of this trials to compare the efficacy of Chinese Sodium Stibogluconate BP88® and Brazilian Meglumine Antimoniate, in the treatment of cutaneous leishmaniasis caused by Leishmania Viannia braziliensis(CL). An analytic, open, Quasi-experiments study, was performed following two cohorts, between September, 1996 and June, 1997 in Corte de Pedra, in an endemic area localized in Southern Bahia State, Brazil. In this period, 127 patients with cutaneous leishmaniasis were recruted with basis of a clinical appearance of the lesion and a positive Montenegro Skin test reaction. Histopathologic examination of biopsies and in print direct examination were performad as complementary diagnostic tools. Fifty-eight patients were treated with Meglumine Antimoniate® and 69 with Sodium Stibogluconate (BP88®), at a unique dosage-schedule of a 20mg/Sbv/Kg/day for 20 days. Serum dosage of aminotransferases, amilase, serum urea and creatinine, as well as electrocardiogram examinations (ECG) were performed on days 0, 10 and 20 of therapy. ECG was performed also three months after treatment. Toxicity analysis was blind. Clinical judgement criteria were used for definition of cure. Most of participants were young adult male patients, bearing unique ulcerated lesions localized on lower limbs. Clinical cure was obtained in 62% of the patients treated with Meglumine Antimoniate and in 55% of those treated with Sodium Stibogluconate (BP88®). This difference was not statistically significant. Elevations in the levels of serum amilase and aminotransferases occurred significantly more frequently in the group treated with sodium stibogluconate, with values of amilase that reached 4,000 U/l. ECG alterations occurred in boths groups (QTc enlargement, repolarization alteration and ischemia). Nevertheless, ECG alterations indicating more severety (ischemic and ventricular repolarization alterations) were more frequent among patients treated with Sodium Stibogluconate (BP88®). On these patients developed an arrythmia with multifocal and polimorfic extrasystoles, after the 10th dose, which caused immediate suspension of therapy. Painful manifestations of osteal and arthritic side effects were observed also with greater frequency in this group. The author concluded that Sodium Stibogluconate (BP88®), currently in use in Brazil, has the same efficacy as Meglumine Antimoniate, although more toxic at a dose of 20mg/Sbv/kg/day. Risks-benefits balance does not justify the substitution of the Meglumine Antimoniate standard treatment.

Ana Cristina Rodrigues Saldanha

Tese apresentada ao Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília, para obtenção do Título de Mestre.

Brasília, DF, Brasil, 1997.
Recebido para publicação em 10/12/97.